Domingo V da Quaresma – ano B – 2021

Watch Now

Download

Domingo V da Quaresma – ano B – 2021

1 – “Veio então do Céu uma voz que dizia: «Já O glorifiquei e tornarei a glorificá-l’O»”.

Porque é que já não ouvimos a voz que vem do Céu?

Porque estamos demasiados preocupados a olhar para o nosso umbigo, porque estamos ocupados com as nossas coisas. Para uns, a voz que vem do Céu é impercetível, confundível com um trovão. Para outros poderá ser um Anjo que Lhe falou. Para escutarmos a Deus precisamos de silêncio interior e de um coração cheio da paz que Ele nos dá. Quando nos fiamos em nós, cheios de orgulho, afastamos os outros e afastamo-nos de Deus. Quando, ao jeito de Maria, nos dispomos a ser preenchidos da Sua graça, será então possível escutá-l’O, percebê-l’O e amá-l’O. Como Abraão, lembrava-nos o Santo Padre em Ur, no Iraque, com os pés firmes na terra, mas com os olhos nas estrelas, a discernir o chamamento de Deus.

Esta voz que se faz ouvir é por tua causa, e por causa de mim, é para que nós a ouçamos e saibamos o que nos faz bem e o que pode salvar-nos. E Quem devemos seguir.

2 – Por ocasião da Páscoa, Jerusalém enche-se de crentes judeus, que vêm para adorar no Templo, oferecer sacrifícios e holocaustos, fazendo memória e atualizando tudo quanto Deus fez pelo Seu povo, conduzindo-o da terra da escravidão à terra da promessa. Jerusalém é a cidade santa, lugar de memória, de agradecimento, de louvor, lugar de fé e de esperança. Ali se alimentam as esperanças de Israel, o Messias há de chegar para salvar todo o povo.

Na cidade há judeus de diversas proveniências  geográficas, culturais, sociais, para cumprir um preceito que os identifica como Povo da Aliança. Vêm do Norte e do Sul, e da diáspora. Alguns gregos dirigem-se a Filipe: «Senhor, nós queríamos ver Jesus».

Jesus está perto de nós e está por perto quando O invocamos. Por vezes chegámos a Ele pelo testemunho de pessoas que conhecemos, que nos falam d’Ele e nos entusiasmam com a fé que transparecem e com a confiança que as faz corajosas, mesmo nas situações mais calamitosas. Essa é também a nossa missão, fazer com que outros se sintam atraídos por Jesus por vislumbrarem em nós a Sua ternura e o Seu sorriso compassivo.

Que terá levado estes gregos a quererem ver Jesus? Curiosidade? Interesse? Algo que os impele a aproximarem-se? Por certo ouviram falar d’Ele e veem proporcionar-se a ocasião para se acercarem d’Ele. Deus sempre nos dá sinais e oportunidades para O percebermos próximo e O deixarmos entrar na nossa vida.

Vislumbra-se também o papel da comunidade. Filipe foi dizê-lo a André; e então André e Filipe foram dizê-lo a Jesus. O mérito da conversão não é minha, nem tua, é de Jesus. É Ele que nos impele a ir ao Seu encontro. Obviamente conta connosco para atrair outros para o Seu reino. Não é por Ele, não é por poder ou autorregozijo, é por nós, para que tenhamos vida abundante, vida feliz.

3 – Jesus não Se esconde. Também não Se exibe. Não faz alarde dos Seus méritos, dons ou milagres. Não procura convencer, não usa de retórica. Diz ao que vem. Não coloca paninhos quentes no que está para acontecer. A perspetiva não é ganhar adeptos, mas discípulos que se tornem apóstolos, mensageiros da paz e da esperança, imitando-O a gastar-se a favor dos irmãos.

Que rosto quereriam ver os gregos?

Um profeta? Um curandeiro? Um mestre? Um sábio? Um adivinho? O Messias prometido?

O Cartão de Cidadão de Jesus não visa satisfazer curiosidades secundárias, onde dorme, como é que Se apresenta aos ouvintes, mas revela-O no Seu projeto salvífico. «Chegou a hora em que o Filho do homem vai ser glorificado. Em verdade, em verdade vos digo: Se o grão de trigo, lançado à terra, não morrer, fica só; mas se morrer, dará muito fruto. Quem ama a sua vida, perdê-la-á, e quem despreza a sua vida neste mundo conservá-la-á para a vida eterna. Se alguém Me quiser servir, que Me siga, e onde Eu estiver, ali estará também o meu servo. E se alguém Me servir, meu Pai o honrará. Agora a minha alma está perturbada. E que hei de dizer? Pai, salva-Me desta hora? Mas por causa disto é que Eu cheguei a esta hora. Pai, glorifica o teu nome. Chegou a hora em que este mundo vai ser julgado. Chegou a hora em que vai ser expulso o príncipe deste mundo. E quando Eu for elevado da terra, atrairei todos a Mim».

Ver Jesus implica mais que um olhar passageiro ou exterior e indiferente. Ver Jesus compromete-nos. Gregos ou portugueses, ver envolve o coração e a vida por inteiro. Vê-l’O com os olhos do coração, converte-nos e transforma-nos, torna-nos irmãos, faz-nos família, leva-nos a agir do mesmo modo, sabendo que a Cruz não é um artifício dispensável, mas uma opção de amor que pode significar, aqui ou ali, dor, esforço e cansaço, mas sempre entrega convicta ao próximo.

4 – Com a vinda do Messias, o Filho de Deus, a promessa torna-se realidade e o tempo cumpre-se, em plenitude. A aliança de Deus com o Seu povo universaliza-se, aprofunda-se, renova-se, ou melhor, estabelece-se uma nova e eterna Aliança, agora com um rosto, Jesus, um acontecimento, o mistério da Sua morte e ressurreição, como certeza de que o sonho/projeto de Deus está entre nós em ação.

Através de Jeremias, Deus faz saber que os tempos de adversidade não significam que Se esqueceu do Seu povo. “Estabelecerei com a casa de Israel e com a casa de Judá uma aliança nova”. A recordação que se aviva e se transmite, de geração em geração, é garantia de que Deus não nos falha com o Seu cuidado.

Uma nova aliança será firmada. “Não será como a aliança que firmei com os seus pais, no dia em que os tomei pela mão para os tirar da terra do Egipto, aliança que eles violaram, embora Eu tivesse domínio sobre eles, diz o Senhor”.

A exterioridade dará lugar à interioridade, “hei de imprimir a minha lei no íntimo da sua alma e gravá-la-ei no seu coração. Eu serei o seu Deus e eles serão o meu povo. Todos eles Me conhecerão, desde o maior ao mais pequeno. Porque vou perdoar os seus pecados e não mais recordarei as suas faltas”.

Para recomeçar um caminho, uma vida, é necessário estar de bem com o passado, reconciliado consigo e com os outros. Se temos contas a ajustar, então ainda não estamos em condições de enveredar por um caminho diferente, por uma vida nova; ainda não estamos preparados para deixarmos que seja Ele a guiar-nos desde dentro, do coração, do amor.

5 – Quem se sujeita a amar sujeita-se a padecer. Não é uma necessidade, mas é inevitável. Não são necessários sacrifícios para mostrar o amor, nem provações, nem juras, nem ausências, mas são inevitáveis sofrimentos, incompreensões, amuos, esperas. Porque não compreendemos tudo, em simultâneo; não estamos no lugar do outro; porque somos frágeis e limitados na nossa confiança; porque, por vezes, bloqueamos por momentos passados, por outras situações que nos tiraram a autoestima. Uma palavra fora de tempo ou a ausência de um carinho! Porque ouvimos mal, quando o ruído interior não deixa que as palavras e os gestos cheguem ao coração. Isto numa perspetiva negativa.

Em sentido positivo, quem ama sofre pelo outro, porque não o quer ver sofrer, ou quando não consegue fazê-lo sentir-se confiante; sofre porque tem medo de ferir com alguma palavra ou com alguma ausência. Ama e faz o que quiseres. A expressividade do Santo Agostinho remete-nos para o amor puro e confiante, o amor que se gasta, que se doa, que serve aquele que ama. Quem ama não pode ferir ou, pelo menos, não conscientemente, porque vai tratar o outro, parafraseando São Paulo, como se fosse o seu próprio corpo. A mãe que ama o filho e que sofre, preferindo magoar-se, estar doente, passar necessidade, só para que o filho seja feliz. É outro exemplo, como o amar tanto pode englobar uma permanente vigilância e cuidado, e um certo receio que algo de menos bom aconteça.

Por amor, Jesus assumiu as nossas fragilidades e sofrimentos, mostrando que nada nos pode separar do amor de Deus, nem a morte, nada O impede de nos mostrar o caminho para o Pai.

“Nos dias da sua vida mortal, Cristo dirigiu preces e súplicas, com grandes clamores e lágrimas, Àquele que O podia livrar da morte e foi atendido por causa da sua piedade. Apesar de ser Filho, aprendeu a obediência no sofrimento e, tendo atingido a sua plenitude, tornou-Se para todos os que Lhe obedecem causa de salvação eterna”. Por amor e obediência! E confiança no Pai. Até no meio de um sofrimento atroz, Jesus mostra-Se intimamente ligado ao Pai.

6 – Há pelo menos duas maneiras de olhar para o sofrimento de Jesus Cristo, relacionando-o com o nosso sofrimento: bom, Ele sofreu, mas era Deus… se Ele, que era Deus, sofreu tanto nós também podemos sofrer um pouco. É uma mistura de fé com resignação.

Obviamente que não somos Deus, mas Jesus assumiu-nos e assumiu o caminho humano, que enforma fragilidade e limitação, mostrando-nos que mesmo no sofrimento inenarrável Ele segue connosco, não nos desampara. A oração une-nos a este projeto de amor e de vida nova. “Senhor nosso Deus, concedei-nos a graça de viver com alegria o mesmo espírito de caridade que levou o vosso Filho a entregar-Se à morte pela salvação dos homens”. É o caminho do amor, da entrega que cuida e serve os irmãos.

A súplica aproxima-nos de Deus e faz-nos querer o que pedimos, certo que Deus vem em nosso auxílio. “Compadecei-Vos de mim, ó Deus, pela vossa bondade, pela vossa grande misericórdia, apagai os meus pecados. / Criai em mim, ó Deus, um coração puro e fazei nascer dentro de mim um espírito firme. / Não retireis de mim o vosso espírito de santidade. / Dai-me de novo a alegria da vossa salvação e sustentai-me com espírito generoso”.

Prossigamos o caminho a Páscoa, que é Jesus, deixando-nos contagiar pela docilidade de Maria que se deixa encher e preencher da Graça de Deus ao ponto de gerar Jesus e no-l’O dar.

Pe. Manuel Gonçalves


Leituras para a Eucaristia (ano B): Jer 31, 31-34; Sl 50 (51); Hebr 5, 7-9; Jo 12, 20-33.