Domingo V do Tempo Comum – C – 2022

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Domingo V do Tempo Comum – C – 2022

1 – “Eles deixaram tudo e seguiram Jesus”.

Em Nazaré, na Sua terra, perante ameaças, Jesus segue, convictamente o Seu caminho. Portador da Boa Nova, parte para outros lugares a fim de anunciar o Evangelho, curar os doentes, expulsar os espíritos impuros, libertar os oprimidos, levar luz onde existem trevas, irradiar bondade onde existe desmazelo e indiferença. É uma missão permanente. Não é algo que se faça num dia, a meio tempo, numa semana ou em meia dúzia de meses, é a missão contínua, nas diversas circunstâncias, em todas as situações. É o que Jesus faz. É a Sua vida. A Sua missão. É o Seu propósito, cumprindo dessa forma a vontade do Pai, os desígnios divinos.

Jesus não é um super-herói caído do Céu, mas nasce como um de nós. Não vem para fazer tudo sozinho ou fazer por nós, pois dessa forma seríamos marionetas e não seres humanos; dessa forma seríamos infantilizados e não responsabilizados. Deus conta connosco, com as nossas qualidades e sobretudo com a nossa disponibilidade para acolher os Seus mandamentos, para acolher a Sua vida em nós. Ele respeita a nossa liberdade, as nossas opções e, porque nos chama, também nos capacita para levarmos por diante a Sua vontade.

2 – A multidão acerca-se de Jesus. A vida pública de Jesus, sintetizada nos Evangelhos, é uma vida intensa. Ele prega em diversas povoações, vai de aldeia em aldeia, de cidade em cidade, pela Galileia, pela Judeia, e com incursões na Samaria. Vai à outra margem e faz vida na nossa margem, à nossa beira, convive connosco e conta que Lhe respondamos, seguindo-O e assumindo a mesma postura que Ele.

O Seu foco é o anúncio da Palavra de Deus. A multidão, sequiosa de palavras e de vida, segue-O.

Junto ao lago de Genesaré, Jesus aproxima-se dos pescadores, que já estavam na fase lavar e arrumar as redes. Para Se fazer ouvir, sobe para o barco de Simão, afastam-se um pouco de terra, e assume a atitude de “Mestre”, senta-Se e põe-Se a ensinar a multidão. De entre a multidão há de escolher os seus discípulos. Estes não são bichos raros, mas pessoas simples como as demais que O escutam.

Quando acabou de falar e de lançar as sementes aos corações daquelas pessoas, Jesus desafia Simão: «Faz-te ao largo e lançai as redes para a pesca». Pedro, um pescador experimentado, explica-Lhe que nesse dia já pescaram o que tinham a pescar: «Mestre, andámos na faina toda a noite e não apanhámos nada». Mas na dúvida, opta por confiar em Jesus: «Já que o dizes, lançarei as redes».

Precisamos de confiar em Deus deste jeito simples de Pedro, procurando realizar a vontade do Mestre. Eles fizeram como Jesus lhes tinha dito e apanharam uma enorme quantidade de peixe. Não esqueçamos a mandamento de Maria, nas Bodas de Caná: «Fazei tudo o que Ele vos disser», pois só desta forma a vida será abundante. A abundância é mais que suficiente para todos, se nos entreajudarmos, no trabalho e na partilha. Esta cooperação há de efetivar-se na sociedade e na Igreja. Umas vezes precisamos de pedir ajuda, outras, precisamos de ir em auxílio de quem precisa.

3 – Diante da superabundância de peixe, todos ficam extasiados. É estranho que Jesus lhes tenha dado uma ordem que foge ao bom senso e à sabedoria piscatória. A admiração é maior quando veem que Ele, afinal, sabia o que estava a dizer, o que estava a fazer.

Ouviremos Jesus a dizer: “Meu Pai trabalha em todo o tempo e Eu também trabalho” (Jo 5, 17). Isso mesmo diz agora àqueles que escolhe como discípulos e apóstolos: o tempo de lavar e arrumar as redes não é com eles! Tende os rins cingidos e as lâmpadas acesas (cf. Lc 12, 35), dir-lhes-á e a nós também. Estai sempre prontos, disponíveis para dar testemunho da verdade, professar a fé e gastar a vida a favor dos outros.

Simão Pedro, espontâneo e extrovertido, lança-se aos pés de Jesus e diz-Lhe: «Senhor, afasta-Te de mim, que sou um homem pecador».

Com Pedro, estavam Tiago e João, filhos de Zebedeu, companheiros de faina, também eles ultrapassados pelos acontecimentos e sagacidade de Jesus. Ficam atemorizados. Então Jesus, ao mesmo tempo que apazigua, desafia: «Não temas. Daqui em diante serás pescador de homens».

Atenção, o convite não é apenas para Pedro, é também para mim e para ti. Tiago e João percebem isso e não se fazem rogados. “Tendo conduzido os barcos para terra, eles deixaram tudo e seguiram Jesus”. A vocação é pessoal, Deus chama cada um, mas chama-nos a todos. Em Deus, somos família. A vocação não nos isola, a missão agrega-nos a caminharmos juntos, transparecendo a bondade divina.

4 – Com Simão Pedro aprendemos a humildade de nos colocarmos diante de Deus, com a nossa pequenez, com o nosso pecado, com as nossas imperfeições. Esta consciência abre o nosso coração e a nossa vida à graça de Deus. No momento em que pensarmos que somos perfeitos e de que não precisamos de rezar, de caminhar, de aprender, de melhorar, deixaremos de precisar de Deus e colocar-nos-emos no Seu lugar.

D’Ele nos vem a paz, a Ele suplicamos: «Guardai, Senhor, com paternal bondade a vossa família; e, porque só em Vós põe a sua confiança, defendei-a sempre com a vossa proteção»

O Profeta Isaías, diante da majestade divina, constata o caminho que tem pela frente «Ai de mim, que estou perdido, porque sou um homem de lábios impuros, moro no meio de um povo de lábios impuros e os meus olhos viram o Rei, Senhor do Universo».

Dirá Santo Agostinho que “Deus não escolhe os capacitados, capacita os escolhidos”. Deus envia o Seu Anjo que toca os lábios de Isaías, dizendo-lhe: «desapareceu o teu pecado, foi perdoada a tua culpa». Isaías ouve a voz do Senhor: «Quem enviarei? Quem irá por nós?». E responde-Lhe, confiante: «Eis-me aqui: podeis enviar-me».

5 – Pedro, Tiago, João e Isaías confiam no Senhor que os chama. É a mesma confiança que o salmista nos transmite e com a qual nos colocamos em modo de oração, colocando a nosso coração e a nossa vida no coração e nas mãos de Deus.

“De todo o coração, Senhor, eu Vos dou graças, porque ouvistes as palavras da minha boca. / Quando Vos invoquei, me respondestes, aumentastes a fortaleza da minha alma. / A vossa mão direita me salvará, o Senhor completará o que em meu auxílio começou. Senhor, a vossa bondade é eterna, não abandoneis a obra das vossas mãos”.

Não haverá caminho seguro, não haverá missão autêntica, se não houver uma oração permanente, um permanente despojamento que nos coloca ao abrigo de Deus.

6 – Os grandes apóstolos, homens e mulheres, foram-no, não pela presunção, pela sobranceria, mas pela humildade. Maria diz isso de forma belíssima aquando da anunciação – eis aqui a escrava do Senhor, faça-se em mim segundo a tua Palavra – e diante de Isabel, no Magnificat: a minha alma glorifica / engrandece o Senhor… porque pôs os olhos na humildade da sua serva. Sublinha Joseph Ratzinger (Bento XVI), que Maria não se engrandece, mas faz com que a grandeza de Deus emerja na sua vida.

O mesmo acontece com Pedro e com os demais Apóstolos. É também o que sucede com São Paulo. Ele mesmo se apresenta como o último dos apóstolos, como um abortivo, mas nem por isso deixa de ser o maior missionário de todos os tempos. Onde abundou o pecado, superabundou a graça do Senhor. Sente-se devedor do amor e da vida que Deus nos entrega em Jesus Cristo, no Qual todos fomos/somos redimidos.

“Transmiti-vos em primeiro lugar o que eu mesmo recebi: Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras; foi sepultado e ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras, e apareceu a Pedro e depois aos Doze. Em seguida apareceu a mais de quinhentos irmãos de uma só vez, dos quais a maior parte ainda vive, enquanto alguns já faleceram. Posteriormente apareceu a Tiago e depois a todos os Apóstolos. Em último lugar, apareceu-me também a mim, como o abortivo”.

Logo São Paulo acrescenta que é Apóstolo pela graça de Deus e, diz ele, “a graça que Ele me deu não foi inútil. Pelo contrário, tenho trabalhado mais que todos eles, não eu, mas a graça de Deus, que está comigo. Por conseguinte, tanto eu como eles, é assim que pregamos; e foi assim que vós acreditastes”.

Hoje é connosco, comigo e contigo. Estamos dispostos a deixar que a graça de Deus nos preencha e nos envolva no anúncio do Evangelho? Disponíveis como Pedro, Tiago e João para sermos pescadores de homens? Animados como Isaías, para comunicarmos os desígnios de Deus para a humanidade? Prontos, como São Paulo, para abdicarmos do nosso caminho, para fazermos caminho em Igreja e seguir Jesus no Seu caminho, seguindo-O em todas as situações da nossa vida?

São questões que nos cabe responder com propósitos, mas sobretudo com a vida.

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia (ano C): ): Is 6, 1-2a. 3-8; Sl 137 (138); 1 Cor 15, 1-11; Lc 5, 1-11.