Domingo de Páscoa – ano A – 12 de abril de 2020
1 – De manhãzinha, quando o dia começava a clarear, mas ainda escuro!
Cada manhã, novo dia e vida nova pela frente.
A noite dá lugar ao dia. A promessa faz-se vida renascida, ressuscitada. O caminho mostra-nos a plenitude que supera a noite, o medo e a morte. A esperança incorpora a ressurreição, incorpora Cristo e o amor de Deus que nos faz passar da Cruz ao Coração do Pai. As trevas que ofuscavam o nosso olhar, os nossos medos e desconfianças, são inundadas e repelidas pela luz que se solta do túmulo! Manhãzinha! Para mim e para ti. Para todos, assim o desejamos e pedimos a Deus. Aquele orvalhado matinal, leve aragem fresca, mas que provoca a pele, a carne e os ossos a despertar, aqueles raios de sol que nos permitirão ver-nos uns aos outros, como irmãos, e a encontrar-nos como comunidade. Estamos sedentos que chegue Deus… estávamos ansiosos que chegasse este dia e pedimos ao Senhor que se faça Páscoa na nossa vida e no nosso mundo.
Os sinais podem até ser ténues, mas estão aí, em cada um que faz o bem, que cumpre a missão de animar, transmitir confiança, ajudar os mais vulneráveis, no campo da saúde (médicos, enfermeiros, auxiliares, voluntários, farmácias, investigadores, técnicos laboratoriais e os que fazem funcionar a cadeia de distribuição dos medicamentos e outras ferramentas); nas forças de segurança, mais visíveis ou na retaguarda; os bombeiros, disponíveis a acorrer a qualquer solicitação, de dia e de noite; os cuidadores (formais ou informais), com as instituições de solidariedade social, com todo o pessoal que se sacrifica, muito mais neste tempo de pandemia, com menos pessoas a ajudar e com mais horas de dedicação e sacrifício; os nossos governantes nacionais e locais, cujas orientações e decisões nos farão chegar mais longe; todos os que asseguram a cadeia alimentar, produtores, transportadores, supermercados e mercearias, sem esquecer os que asseguram o combustível para os transportes… e os vizinhos atentos para que ninguém fique esquecido… são sinais que nos apontam à Páscoa de Jesus, à ressurreição, à vida que se cuida e se cura e, num plano de fé, que é o nosso, a certeza de que também aqueles que morrem a ajudar e as vítimas do covid-19 terão em Deus a garantia que não se perdem para sempre, mas serão ressuscitadas em Cristo Jesus.
Não deixemos também nós, eu e tu, de mostrar os sinais e transparecer a certeza de que Cristo vive, em mim e em ti, no que dizemos e no que fazemos, sejamos portadores da alegria e da esperança, da fé e da caridade, do serviço e da bondade. Se mais não pudermos fazer, um sorriso, uma palavra de ânimo, um telefonema, uma mensagem enviada, a partilha do que os outros fazem de bem.
2 – Primeiro dia da semana, um tempo novo que se inicia na Judeia e em todo o mundo. Logo de madrugada, Maria Madalena, e nós com ela, dirigiu-se ao sepulcro onde a terra e a noite esconderam e guardaram o corpo de Jesus. Quando chega, ao lugar da morte, onde, ela e nós, calculou fosse a última morada do seu Mestre, Maria encontra a pedra do sepulcro retirada. Então corre, desenfreadamente, e avisa Pedro e o discípulo amado, que bem posso ser eu, que bem podes ser tu, e diz-lhes: «Levaram o Senhor do sepulcro e não sabemos onde O puseram».
Os dois discípulos põem-se imediatamente a caminho, correndo, juntos, mas com o discípulo amado a correr mais depressa e a chegar-se à frente, podendo ver-se nesta nuance o facto de Pedro se ter atrasado por negar Jesus e ter precisado de mais tempo para sintonizar o seu coração e a sua vida com o coração e a vida do Mestre. Porém, num sinal de deferência, de primazia e de comunhão, o discípulo amado, a Igreja carismática, aguarda por Pedro, a Igreja visível e hierárquica, sublinhando a interdependência entre as duas dimensões da Igreja, visível também em Marta e Maria, irmãs de Lázaro: a ação e a contemplação, a caridade e a fé, o serviço e a adoração, sabendo nós que a verdadeira adoração, a fé autêntica, a oração coerente nos fazem pôr as mãos às obras e, em concreto, ajudarmos quem mais precisa.
Após entrarem no sepulcro e de verem as ligaduras no chão e o sudário enrolado, à parte, Pedro e o discípulo amado percebem que não foi um assalto, mas que verdadeiramente se cumpriu a promessa de Jesus: três dias depois ressuscitarei.
E tudo se torna diferente, tudo será diferente, não será possível voltar ao antes, pois já não existe. O lugar da morte, o sepulcro vazio, obriga-nos regressar à vida, ao encontro dos outros, anunciar-lhes que Jesus está vivo onde há vida, no campo, na aldeia, na vila e na cidade, em ti e em mim, em cada homem e mulher… que pode ressuscitar em Jesus e anunciar vida nova a todos o que encontrar. Não esqueçamos, em nenhum momento, a concretude das palavras de Jesus: “quantas vezes o fizestes a um dos meus irmãos mais pequeninos, a Mim o fizestes” (Mt 25, 40). E então acontecerá Natal. E então a Páscoa florirá!
3 – Algum tempo depois vemos como Pedro – o discípulo que expressa a negação em relação a Jesus, uma traição/negação em palavras, mas visível no abandono e no distanciamento de todos os apóstolos – mostra como o caminho da Cruz que leva à Páscoa foi verdadeiramente luminoso e transfigurador.
O Apóstolo comunica-nos, a mim e a ti, o primeiro anúncio, o essencial do mistério pascal: «Depois do batismo que João pregou: Deus ungiu com a força do Espírito Santo a Jesus de Nazaré, que passou fazendo o bem e curando a todos os que eram oprimidos pelo Demónio, porque Deus estava com Ele». Pedro, não sozinho, mas com os de mais apóstolos, apresenta-se como testemunha de tudo o que Jesus fez. Não podemos testemunhar Jesus se não fazemos a experiência de encontro com Ele, pela conversão, pela fé, se não O vimos, se não O escutámos, se não nos deixámos envolver pela Sua amabilidade.
E Pedro prossegue, recordando o que aconteceu: «Eles mataram-n’O, suspendendo-O na cruz». Mas logo mostrando que Jesus não ficou para trás, não está no passado. «Deus ressuscitou-O ao terceiro dia e permitiu-Lhe manifestar-Se, não a todo o povo, mas às testemunhas de antemão designadas por Deus, a nós que comemos e bebemos com Ele, depois de ter ressuscitado dos mortos».
Ai de mim se não evangelizar! A expressão que ouviremos a Paulo, podemos agora escutá-la de Pedro «Jesus mandou-nos pregar ao povo e testemunhar que Ele foi constituído por Deus juiz dos vivos e dos mortos. É d’Ele que todos os profetas dão o seguinte testemunho: quem acredita n’Ele recebe pelo seu nome a remissão dos pecados».
Se Aquele que foi morto, ressuscitou, está vivo, então não há como enganar: teremos que O seguir, levando à prática os Seus mandamentos, entre os quais, o primeiro passa pelo anúncio, em palavras e obras, tornando-O visível para que anunciemos sobretudo pela atração! As palavras movem, as testemunhas arrastam. O mundo não precisa tanto de Mestres, mas sobretudo de Santos, como recorda o Papa Paulo VI, ou de Mestres que sejam santos.
4 – O Apóstolo São Paulo, na segunda leitura, sugerida para hoje, da Epístola aos Colossenses ou da primeira Epístola aos Coríntios, convida-nos a viver como ressuscitados em Cristo, a partir da Luz de Cristo.
Aos Colossenses: «Purificai-vos do velho fermento, para serdes uma nova massa, visto que sois pães ázimos. Cristo, o nosso cordeiro pascal, foi imolado. Celebremos a festa, não com fermento velho, nem com fermento de malícia e perversidade, mas com os pães ázimos da pureza e da verdade». A ressurreição de Cristo introduz os novos Céus e a nova Terra, uma vida nova. Cabe-nos, como seus seguidores, viver esta vida nova e contaminar os outros com a luz que nos vem de Jesus, com o Amor do Pai, com a inspiração do Espírito Santo. Esta contaminação não mata, a não ser o egoísmo e a desesperança, a indiferença e a inveja, pelo contrário, é uma infeção que salva, que redime, que congrega, dando vida em abundância.
“Se ressuscitastes com Cristo, aspirai às coisas do alto, onde Cristo Se encontra, sentado à direita de Deus. Afeiçoai-vos às coisas do alto e não às da terra. Porque vós morrestes e a vossa vida está escondida com Cristo em Deus. Quando Cristo, que é a vossa vida, Se manifestar, então também vós vos haveis de manifestar com Ele na glória”. Interpelação do Apóstolo aos coríntios, mas também a mim e a ti. Afeiçoar-nos às coisas do alto, isto é, tomar as feições da eternidade, de Deus, sermos rosto de Deus, tonar-nos parecidos com Jesus Cristo, ressuscitados com Ele. Se com Ele morremos, com Ele ressuscitemos. A nossa vida já se encontra, com Ele, junto do Pai. O tempo que Deus nos dá sobre a terra, é tempo para nos irmos sincronizando, identificando com Ele, para não estranharmos o encontro definitivo, na certeza de que a vida eterna não nos aguarda no futuro, mas já se iniciou com o nosso batismo e com o nosso compromisso eclesial.
5 – A liturgia da Palavra, em dia de Páscoa, traz-nos as palavras de dois Apóstolos muito especiais. Claro que a vida dos demais também será riquíssima na vivência da fé, mas, claramente, é destes dois que chegam até nós mais informações. O livro dos Atos dos Apóstolos, que narra a vida da Igreja no início da propagação do Evangelho, acompanha-os de perto na sua ação missionária, com as diferenças de estilo, mas também com responsabilidades distintas. Une-os a fé a Cristo, a certeza da Sua ressurreição, e a necessidade, inelutável, de anunciar o Evangelho em todo o mundo e em todas as circunstâncias e situações. Pedro e Paulo passaram, com Jesus, da morte à vida nova, da negação e perseguição, à conversão total a Jesus e ao Seu Evangelho.
Pedro e Paulo. Eu e tu. Também nós, pelo batismo, passamos da morte à vida, morremos com Cristo e com Ele, pela força do Espírito, ressuscitámos. E, uma vez ressuscitados, não cessemos de O seguir, de O viver, de O anunciar, testemunhando-O.
Pe. Manuel Gonçalves
Textos para a Eucaristia (ano A): Atos 10, 34a, 37-43; Sl 117(118); Col. 3, 1-4; I Cor 5, 6b-8; Jo 20, 1-9.