Domingo II da Quaresma – ano A – 9 de março de 2020 –

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    Domingo II da Quaresma – ano A – 9 de março de 2020 –

    1 – Há oito dias, o Evangelho apresentava-nos Jesus, conduzido pelo Espírito ao deserto, durante 40 dias e 40 noites, sendo tentado pelo demónio. No deserto, Jesus faz-nos ver as tentações que nos assolam e o jeito de as superar. Oração, intimidade com Deus, coração preenchido com o Espírito, Palavra de Deus nos lábios, no coração e na vida. No deserto, iniciámos o caminho para a Páscoa, para o mistério da morte e da ressurreição de Jesus. Da vida em Nazaré, no sossego da família e da terra natal, no trabalho quotidiano (como carpinteiro) e na convivência com os seus conterrâneos, para a missão, anunciando a chegada do Reino de Deus por aldeias e cidades, sem pausas prolongadas, até à Páscoa.

    Neste Domingo, a meio do caminho para o Calvário, Jesus faz-nos subir com Ele ao monte santo. Se o deserto é inóspito, a montanha faz-nos respirar um ar mais puro, simbolicamente, estamos mais perto de Deus.

    Com o avançar do tempo, Jesus torna mais explícita a Sua missão, os Seus mandamentos, o caminho percorrido e o muito que há pela frente, preparando os discípulos para que, depois da Sua partida, possam assumir a missão de anunciar, viver e transparecer o Reino de Deus. Um pouco antes, Jesus tinha dito aos Seus discípulos que o Filho do homem iria sofrer muito nas mãos das autoridades, ser morto, ressuscitando ao terceiro dia. Depois de uma notícia tão avassaladora, a perspetiva da ressurreição fica esquecido, relegada para algum recanto da memória. A reação dos discípulos há de ter sido de grande espanto, era um rude golpe nas suas aspirações (pessoais) e na expetativa em relação à libertação de Israel, o povo de Deus.

    2 – Para divulgar rapidamente uma mensagem, o melhor é juntar uma multidão e dizer alto e bom som o que se deseja. Porém, para cimentar a mensagem e garantir que não é desvirtuada, é preferível (sempre) comunicá-la a um grupo mais pequeno, a duas ou três pessoas, explicar-lhes bem, garantindo que, através delas, a mensagem chegará a muitas outras, como se verá mais tarde com os 12 apóstolos que, sendo poucos e pouco instruídos, espalham o Evangelho por vários países.

    Com Jesus, sobem a montanha Pedro, Tiago e João. Subamos também nós, eu e tu, porque Jesus vai revelar-nos algo de importante. O monte é lugar das teofanias (manifestações de Deus). E é precisamente aí que Jesus Se dá a conhecer em todo o esplendor divino, “transfigurou-Se diante deles: o seu rosto ficou resplandecente como o sol e as suas vestes tornaram-se brancas como a luz. E apareceram Moisés e Elias a falar com Ele”. O Céu sincroniza-se com Jesus para mostrar que há mais vida para lá das montanhas, para lá do tempo e da história. As contrariedades não terão a última palavra, ainda que haja momentos em que a vida seja madrasta.

    A experiência é divinal, ao ponto de Pedro exclamar: «Senhor, como é bom estarmos aqui! Se quiseres, farei aqui três tendas: uma para Ti, outra para Moisés e outra para Elias».

    Depois do anúncio da Paixão, do caminho já percorrido, uma paragem para alimentar o espírito, para revigorar o corpo e a vida. Qual copo de água fresca e uma sandes retemperar as forças e prosseguir!

    “Ainda ele falava, quando uma nuvem luminosa os cobriu com a sua sombra e da nuvem uma voz dizia: «Este é o meu Filho muito amado, no qual pus toda a minha complacência. Escutai-O»”. A mesma interpelação registada por ocasião do batismo de Jesus. Na sintonia com esta voz que vem das alturas, que vem do Céu, que vem do Pai, Maria ensinar-nos-á a escutar Jesus: Fazei o que Ele vos disser. A escuta conduzir-nos-á ao discipulado.

    3 – A experiência no alto do monte, para aquele pequeno grupo, na Eucaristia, na oração, num retiro, num encontro juvenil, num momento de formação, para nós, há de suscitar assombro, que levará à conversão que, por sua vez, faz de nós não apenas discípulos, seguidores, mas igualmente apóstolos, missionários. O encontro com o Senhor faz de nós anunciadores do Evangelho, faz-nos descer do encontro, da montanha, para a cidade, para Lamego e para Tabuaço, para a escola, para o trabalho e para a lida de casa, procurando em tudo ser agradáveis a Deus e tudo fazer em nome de Jesus. Então tudo terá outro sentido, abrindo o nosso coração à eternidade, aproximando o nosso do coração dos irmãos.

    O primeiro mandato: escutar. Sem escuta, o encontro ficar-se-ia por deslumbramento. A escuta pressupõe envolvimento. Não se trata de ouvir sons, mas de perscrutar a vida do outro, neste caso de Jesus, nas palavras que profere, mas sobretudo pelos gestos, pela vida com que Se faz serviço.

    O segundo mandamento do dia: «Levantai-vos e não temais». Neste mandato, podemos entrever o apelo constantemente repetido do atual Papa aos jovens, em particular, e a toda a Igreja: levantai-vos do sofá! Ide! Vamos. Não podemos reter a alegria do encontro com Jesus. Ser discípulos faz de nós missionários.

    4 – A escuta também se treina. Numa sociedade com tanto ruído, com tantas palavras e imagens, é necessário perceber qual a Palavra que nos fala ao coração, qual a Palavra que gera vida.

    Ao descer do monte, Jesus recomenda descrição aos discípulos. Deus não Se revela pelo estrondo, mas na intimidade, de coração e a coração. No alto do monte, estou eu e estás tu, está Pedro, Tiago e João. Não estamos muitos, mas também não estamos sós. Onde estiverem dois ou três reunidos em Seu nome, Ele estará presente, fortalecendo a comunhão e apontando o caminho!

    Imitando-O, também nós rezamos para que o Espírito Santo ilumine o nosso discernimento e fortaleça as escolhas com as quais traduziremos o amor de Deus no cuidado uns aos outros. Iniciámos a Eucaristia, predispondo-nos a deixar-nos conduzir pelo Senhor: «Deus de infinita bondade, que nos mandais ouvir o vosso amado Filho, fortalecei-nos com o alimento interior da vossa palavra, de modo que, purificado o nosso olhar espiritual, possamos alegrar-nos um dia na visão da vossa glória».

    5 – Abraão é considerado o nosso Pai na fé, porque, segundo a Bíblia, foi o primeiro a acreditar num Deus único e pessoal. É uma referência para as três grandes religiões monoteístas, judaísmo, cristianismo e islamismo. A razão é a mesma, Abraão faz-nos perceber que Deus é único e capaz de entrar em diálogo com a humanidade por Ele criada.

    Para chegar à fé é preciso, antes de mais, o encontro e a escuta. Abraão escuta a voz de Deus. “Naqueles dias, o Senhor disse a Abraão: «Deixa a tua terra, a tua família e a casa de teu pai e vai para a terra que Eu te indicar. Farei de ti uma grande nação e te abençoarei; engrandecerei o teu nome e serás uma bênção. Abençoarei a quem te abençoar, amaldiçoarei a quem te amaldiçoar; por ti serão abençoadas todas as nações da terra»”.

    A escuta implica-nos com o que escutámos. “Abraão partiu, como o Senhor lhe tinha ordenado”. Também Abraão desceu do monte das suas certezas e comodidades, para cumprir o mandato de Deus, para responder às palavras que lhe foram comunicadas. Abraão, porque escutou o Senhor, porque respondeu ao chamamento de Deus, tornou-se para nós, para mim e para ti, fonte de bênçãos. Para ti, para mim e para as nações da terra inteira.

    A revelação a Abraão não é por ele ser mais bonito que os outros, mas para que nele sejam abençoados todos os povos. A bênção de Deus efetiva-se e concretiza no tempo e na história, mas conta com cada um de nós. Assim com Abraão, assim com Pedro, Tiago e João, assim connosco. Escutamos a voz de Senhor para comunicar aos outros a Sua mensagem de Amor; fazemos a experiência de encontro com Jesus, envolvidos pela Luz que vem do alto, para contagiarmos os outros com esta Luz, com este vislumbre da eternidade.

    6 – A caminho de Damasco, Paulo cai em si (caindo do cavalo) e depara-se com outra transfiguração/aparição, é envolvido numa intensa luz vinda do céu, e uma voz: «Saulo, Saulo, porque me persegues?» Tendo sido surpreendido, Paulo questiona: «Quem és Tu, Senhor?» E a resposta de Jesus não se faz esperar «Eu sou Jesus, a quem tu persegues. Ergue-te, entra na cidade e dir-te-ão o que tens a fazer» (Atos 9, 1-18). Tal como tinha dito a Pedro, Tiago e João, a mim e a ti, Jesus diz também a Paulo para se erguer e seguir caminho.

    Depois do encontro com Jesus e da inserção na comunidade, Paulo torna-se verdadeiramente modelo do discípulo missionário. Ergue-se e vai ao encontro das povoações para lhes falar de Cristo, vive incansavelmente a anunciar o Evangelho, até mesmo na prisão.

    Nesta leitura que hoje nos é proposta, Paulo mostra bem o seu amor a Jesus, incentivando Timóteo a proceder do mesmo modo: Sofre comigo pelo Evangelho, apoiado na força de Deus. Ele salvou-nos e chamou-nos à santidade, não em virtude das nossas obras, mas do seu próprio desígnio e da sua graça. Esta graça, que nos foi dada em Cristo Jesus, desde toda a eternidade, manifestou-se agora pelo aparecimento de Cristo Jesus, nosso Salvador, que destruiu a morte e fez brilhar a vida e a imortalidade, por meio do Evangelho”.

    Pe. Manuel Gonçalves

    Textos para a Eucaristia (ano A): Gen 12, 1-4a; Sl 32 (33); 2 Tim 1, 8b-10; Mt 17, 1-9.