Domingo II do Tempo Comum – ano B – 17 de janeiro de 2021
1 – «Encontrámos o Messias», que quer dizer “Cristo”. Um dos discípulos de João Batista que encontra e reconhece o Messias, vai procurar outros para os trazer a Jesus. Aí está a nossa condição batismal, o compromisso de sermos discípulos missionários. O encontro com Jesus gera discípulos, que para o serem têm de se assumir missionários, apóstolos; o encontro com Jesus forma apóstolos, que nunca deixam de ser discípulos, com o sério risco de serem traidores do Mestre.
O batismo engloba a nossa vida toda como cristãos. Víamos, há uma semana, como Jesus Se faz batizar e como, a partir de então, Se coloca em movimento a anunciar o Reino de Deus e a libertar todos os cativos, os que estão presos nas trevas, no sofrimento e no mal, as vítimas e os carrascos.
Como tinha testemunhado João Batista – é necessário que Ele cresça e eu diminua –, professando a fé no Messias, sobre Quem vê os céus rasgarem-se e sobre Quem vê descer o Espírito Santo, é testemunha da voz que vem das alturas: Este é o meu Filho muito amado, no qual pus toda a minha complacência, é agora o tempo de passar o testemunho.
Na versão joanina, o testemunho de João acerca de Jesus é clarividente: «Eis o Cordeiro de Deus».
Há verdades que precisamos de dizer, de proclamar, de testemunhar, pois não queremos ficar com o que deve ser de todos, com o que pode tornar os outros mais felizes. Os dois discípulos que estavam com João percebem e seguem Jesus.
Mesmo antes de nos apercebermos, já Jesus nos espera, já Jesus sabe que estamos inclinados a segui-l’O: «Que procurais?». Jesus interpela-nos, cabe-nos discernir o que queremos d’Ele. Aqueles dois respondem com uma pergunta: «Rabi – que quer dizer ‘Mestre’ – onde moras?». Diz-lhes Jesus: «Vinde ver».
2 – «Vinde ver». Não basta ouvir, é necessário pôr-se a caminho. Não basta saber algumas coisas acerca de Jesus, é urgente entranharmo-nos na Sua vida, conhecê-l’O, saber como vive, como age. É Ele próprio a desafiar-nos. A casa d’Ele está aberta, o coração d’Ele abraça-nos, a vida d’Ele é espaço de amor e de comunhão, a Sua vontade é que, n’Ele, nos reencontremos com Deus, nos assumamos como filhos e mutuamente cuidemos uns dos outros como irmãos.
Aqueles dois foram ver onde Jesus morava e como Ele vivia. Era por volta das quatro horas da tarde. Não foi num dia abstrato, foi numa hora concreta. E ficaram com Ele nesse dia. Não foram ver que tipo de casa era ou qual era o Seu endereço. Mas qual a casa, isto é, a vida de Jesus. Foram para conhecê-l’O, para saberem quem Ele era, o que é que O movia, ao que vinha, que mensagem nova tinha para comunicar à humanidade.
De discípulos de João, tornam-se discípulos de Jesus. O discipulado desencadeia, imediatamente, o apostolado. André, entusiasmado pelo encontro com Jesus, vai ter com Pedro, seu irmão. Diríamos que a evangelização começa por casa. Depois do testemunho, André conduz Pedro até Jesus. Sublinha-se novamente: o anúncio e o testemunho desencadeiam a fé, a conversão, mas é essencial e decisivo o encontro com Jesus.
Qual a reação de Jesus? Como muitas vezes veremos, Jesus olha-nos nos olhos, fita os olhos em Pedro, e, mim e em ti, e diz-lhe: «Tu és Simão, filho de João. Chamar-te-ás Cefas» – que quer dizer “Pedro”. De início, Jesus quer que Pedro seja pedra sobre o qual assentará a Sua Igreja.
3 – Deus chama-nos. Em tempos diferentes e em todo o tempo, de diversos modos, através de acontecimentos e sinais, pessoas e inspirações. Nem todos temos o discernimento para nos apercebermos da Sua presença e do Seu chamamento. Daí que contemos com outros. João aponta aos seus discípulos o caminho para que eles descubram Jesus. André leva o seu irmão até Jesus. Nós estamos nas duas vertentes, chamados por outros, pelo seu testemunho e pelas suas palavras, dando-lhes crédito, e levando outros a Jesus pelas nossas palavras e pelo testemunho da nossa vida.
Na primeira leitura, Samuel ouve uma voz que o chama. Ele responde, mas baralha a origem do chamamento, confunde o tom da voz e vai ter com Heli. Uma e outra vez e outra ainda. Heli também não percebe à primeira, julgando, possivelmente, que não passou de um sonho. Mas à terceira vez, interpretando os sinais, instrui Samuel: «Vai deitar-te; e se te chamarem outra vez, responde: ‘Falai, Senhor, que o vosso servo escuta’».
Por vezes levamos algum tempo a compreender que o Senhor nos chama e precisamos de outros, da comunidade, para não nos iludirmos nas vozes e respondermos, com segurança e firmeza, à única voz que importa responder, à voz de Deus. E, como lhe tinha ensinado Heli, quando o Senhor vem e o chama, Samuel predispõe-se a ouvir e a acolher as palavras que o Senhor lhe dirige: «Falai, Senhor, que o vosso servo escuta».
Samuel confiou no Senhor e foi crescendo, o Senhor estava com ele. Através de Samuel Deus fez-Se sentir mais próximo do Seu povo e nenhuma das Suas palavras deixou de se cumprir. Deixemo-nos, também nós, interpelar pelo Senhor Deus. Ele estará connosco, se deixarmos que habite em nós, habite a nossa vida, e através de nós Ele será bênção para outros, para o mundo.
4 – Deus é fiel ao Seu chamamento e vem em nosso auxílio. Não nos livra das dificuldades, mas não nos desampara nas adversidades. Podemos confiar, pois Ele cumpre, em nós e no mundo, as Suas promessas, não ferindo, de todo, a nossa liberdade e as nossas opções. É todo-poderoso, mas esbate numa limitação intransponível: a nossa liberdade, a nossa vontade. Nós temos a capacidade de recusar Deus e de Lhe sermos indiferentes, seguindo outras vozes. Se confiarmos n’Ele, Ele atenderá as nossas preces, como rezamos no salmo, respondendo, dessa forma, à Palavra de Deus, com estas palavras inspiradas em forma de oração.
“Esperei no Senhor com toda a confiança e Ele atendeu-me. Pôs em meus lábios um cântico novo, um hino de louvor ao nosso Deus / Não Vos agradaram sacrifícios nem oblações, mas abristes-me os ouvidos; não pedistes holocaustos nem expiações, então clamei: «Aqui estou». / «De mim está escrito no livro da Lei que faça a vossa vontade. Assim o quero, ó meu Deus, a vossa lei está no meu coração». / «Proclamei a justiça na grande assembleia, não fechei os meus lábios, Senhor, bem o sabeis. Não escondi a justiça no fundo do coração, proclamei a vossa bondade e fidelidade».
Quando estamos aflitos recorremos a tudo e mais alguma coisa. Prometemos isto e aquilo, como fazemos, e não é por mal, com os nossos pais, comprometendo-nos a isto e aquilo se eles nos derem o que lhes pedimos. Hoje em dia os pais fazem o mesmo, prometem tudo e mais alguma coisa em troca das notas escolares, e mesmo que os filhos não consigam atingir os objetivos, os pais, condescendendo, dão o que prometeram. Deus só precisa de acolhimento, é Pai que nos abençoa, nos guarde e nos ilumina em todas as horas, antes do nosso merecimento e apesar das nossas hesitações e dúvidas.
5 – Aqui estou! Faça-se em mim a Tua palavra. A vossa lei está no meu coração, que a vossa bondade e fidelidade cinjam os meus rins e a minha vida, para proclamar e promover a Vossa justiça e o Vosso amor em toda a parte.
Deus criou-nos para a grandeza. Somos Sua imagem e semelhança. Em Cristo, Deus assume-nos como filhos amados, porque irmãos do Seu Filho único. Jesus Cristo resgata-nos às trevas, ao sofrimento e à morte eterna, enlaça-nos no Seu amor, levado às últimas consequências, não Se deixando bloquear nem pelo medo, nem pela ameaça, nem pela tortura nem pela morte.
Com efeito, diz-nos o Apóstolo São Paulo, o nosso “corpo não é para a imoralidade, mas para o Senhor, e o Senhor é para o corpo. Deus, que ressuscitou o Senhor, também nos ressuscitará a nós pelo seu poder. Não sabeis que os vossos corpos são membros de Cristo? Aquele que se une ao Senhor constitui com Ele um só Espírito. Não sabeis que o vosso corpo é templo do Espírito Santo, que habita em vós e vos foi dado por Deus? Não pertenceis a vós mesmos, porque fostes resgatados por grande preço: glorificai a Deus no vosso corpo”.
O amor exprime-se em gestos de carinho e cuidado. A fé visualiza-se em ações de ajuda e serviço. O espiritual traduz-se e concretiza-se através do corpo, pois é no corpo que somos, corporeidade que inclui o espírito (de Deus em nós), que podemos ligar-nos uns aos outros, comunicar, agir, praticar o bem, concretizar o que as palavras prometem, realizar o que a fé professa. O amor não se vê, fazemo-lo ver pelas boas obras que o Pai nos dá para realizar.
Pe. Manuel Gonçalves
Leituras para a Eucaristia (ano B): 1 Sam 3, 3b-10. 19; Sl 39 (40); 1 Cor 6, 13c-15a. 17-20; Jo 1, 35-42