Domingo III do Tempo Comum – ano B – 2024

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Domingo III do Tempo Comum – ano B – 2024

1 – O terceiro Domingo do Tempo Comum é, desde o ano de 2020, por vontade expressa do Papa Francisco, o Domingo da Palavra de Deus, acentuando a importante de escutar Deus através da Escritura.

A palavra de Deus é viva e eficaz, é atual, não foi dirigida no passado, a um povo, e, com o avançar do tempo, perdeu a sua relevância e atualidade. Não, a palavra de Deus é para hoje, para mim e para ti, há ressoar nos nossos ouvidos e, sobretudo, envolver o nosso coração, plasmar a nossa vida, inspirar os nossos comportamentos, iluminar as nossas escolhas, guiar-nos na opção pelo bem, pela verdade e pela justiça. Esta palavra tem muitos rostos, mas o Rosto, por excelência, é Jesus, a Palavra encarnada, a Palavra que Se incorpora num corpo, na humanidade, na história e no tempo. Quem Me vê, vê o Pai, diz-nos Jesus. Quem O escuta, escuta o Pai. A palavra também nos diz. Por vezes, em algumas acentuações, vamos dizendo que, mais que as palavras, importam as obras. Por certo, quando as palavras são vazias, quando estão desligadas do coração, quando são ditas apenas para impressionar, convencer, iludir, para mostrar o que não se é. Se a palavra é autêntica, então ela reflete-se, traduz-se e concretiza-se nas obras, na vida.

De Jesus se diz no Evangelho que falava com autoridade e não como os escribas. Estes falavam para os outros e aos outros exigiam tudo, com ameaças e condenações; Jesus ajusta-Se a nós e as palavras brotam do Seu coração e são concordes com a Sua postura. São sal da terra e são luz do mundo. À Palavra, Jesus adiciona amor, cuidado, atenção, proximidade. As suas palavras são essencialmente de desafio, bênção, palavras de acolhimento e de amor, palavras que transforam e curam. Não são palavras de circunstância ou palavras passageiras, são palavras que brotam de Si, da Sua intimidade com o Pai, são palavras de vida eterna. Se nos deixarmos guiar por Ele, pelas Suas palavras e condutas, deixando-nos redimir pelo Seu Espírito, seremos por Ele agrafados à vida eterna. O que celebramos nos Sacramentos terão operacionalização no nosso quotidiano na medida em que nos colocarmos como servos ao Seu serviço, procurando, em tudo e em toda a parte, realizar a Sal vontade, as Suas palavras.

Maria dá-nos esse testemunho: “Eis a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a tua Palavra”.

2 – A liturgia da palavra, deste Domingo, remete-nos precisamente para o anúncio da Palavra de Deus: “Depois de João ter sido preso, Jesus partiu para a Galileia e começou a proclamar o Evangelho de Deus, dizendo: «Cumpriu-se o tempo e está próximo o reino de Deus. Arrependei-vos e acreditai no Evangelho»”.

O primeiro anúncio de Jesus corresponde ao pré-anúncio de João Batista que proclamava iminente a vinda do reino de Deus e do Messias, promovendo a conversão, o arrependimento, a penitência, para que desse modo as pessoas pudessem reconhecer e acolher o dom de Deus. Em Jesus cumpre-se esse desiderato de João.

No Evangelho de são Marcos, que nos irá acompanhar mais de perto neste ciclo de leituras do ano B, refere-se que o início da vida pública de Jesus prossegue depois de João ter sido preso, pressupondo que existe uma ligação próxima e subsequente entre uma e outra missão.

Com Jesus cumpre-se o tempo, é chegada a plenitude dos tempos, na qual Deus Se manifesta pelo Seu Filho muito amado. E para que essa missão se possa efetivar através dos tempos, Jesus chama a Si discípulos. Quando chegar o momento de Jesus regressar ao seio de Deus Pai serão eles a prosseguir com a missão de anunciar a Boa Nova a todos os povos e a tornar presente o mistério de Deus connosco e no meio de nós.

“Caminhando junto ao mar da Galileia, viu Simão e seu irmão André, que lançavam as redes ao mar, porque eram pescadores. Disse-lhes Jesus: «Vinde comigo e farei de vós pescadores de homens». Eles deixaram logo as redes e seguiram-n’O. Um pouco mais adiante, viu Tiago, filho de Zebedeu, e seu irmão João, que estavam no barco a consertar as redes; e chamou-os. Eles deixaram logo seu pai Zebedeu no barco com os assalariados e seguiram Jesus”.

3 – A conversão é a atitude de todo aquele que quer acolher o dom que vem dos outros e, para nós crentes, o dom que Deus nos dá constantemente. Conversão e humildade, neste concreto, significam a mesma disponibilidade para se abrir ao outro e ao Totalmente Outro (ou Totalmente Próximo), ao mistério da vida divina que irrompe na nossa história através de Jesus, o Emanuel, Deus feito homem para viver em nós, connosco, nos revelar o caminho para sermos felizes, para chegarmos ao Pai, e a fim de nos inserir na lógica da salvação, da vida eterna que pode e deve iniciar-se já no tempo que dispomos neste mundo.

Na primeira leitura que escutamos, vemos como a palavra de Deus é anunciada ao povo de Nínive. Sob a ameaça de castigo, sobressaindo uma linguagem muito humana, Deus faz saber que o caminho para que o povo se mantenha como povo e as pessoas possam viver confiantes e com dignidade, e possam encontrar a felicidade, passa pela conversão, pela mudança de hábitos e de atitude, passa por alterarem a forma de se relacionarem e de se protegerem mutuamente. Se cada um só pensar em si mesmo, fechando-se ao outro, mais tarde ou mais cedo, sobrevém a desgraça, a frustração, o vazio, a ansiedade. Precisamos dos outros para nos sentirmos bem, para partilharmos o que somos, o que temos e o que fazemos, para desabafar nos momentos de crise, e para apreciarmos as coisas boas. Isso só é possível com os outros. Ninguém é alegre sozinho por muito tempo. Ninguém faz festa se não tiver com quem festejar. Do mesmo modo, precisamos de pátria, de casa, de espaços comuns. Somos ser sociais. Se cada um só pensar em si, pouco restará para a nossa dimensão social e solidária. Com efeito, é na solidariedade que sobrevivemos como sociedade.

Os habitantes de Nínive acreditaram em Deus, proclamaram um jejum e revestiram-se de saco, desde o maior ao mais pequeno. Quando Deus viu as suas obras e como se convertiam do seu mau caminho, desistiu do castigo com que os ameaçara e não o executou”.

Esta é uma mensagem muito atual e pertinente para nós, para a sociedade deste tempo, para Portugal, para a Europa e para o mundo. Se os países mais ricos só pensarem nos seus cidadãos, se os mais ricos, empresas e pessoas, só pensarem nos lucros que poderão obter, a sociedade corre o sério risco de se autodestruir, como facilmente se pode ver nesta Europa pouco comunitária e num mundo em ebulição com conflitos bélicos em muitas regiões.

       3 – Para nós cristãos importa em cada momento viver na presença do Senhor, como se fora a última oportunidade para realizar algo de grandioso e definitivo. Diz de forma intuitiva o apóstolo são Paulo, na segunda leitura, “o que tenho a dizer-vos, irmãos, é que o tempo é breve. Doravante, os que têm esposas procedam como se as não tivessem; os que choram, como se não chorassem; os que andam alegres, como se não andassem; os que compram, como se não possuíssem; os que utilizam este mundo, como se realmente não o utilizassem. De facto, o cenário deste mundo é passageiro”.

Chegou o tempo, o reino de Deus está entre nós, em desenvolvimento. Cabe-nos a tarefa importante de o tornar visível para os nossos companheiros de viagem, neste tempo em que vivemos. O tempo é pouco, é sempre insuficiente para o bem que podemos fazer. É breve se o aplicarmos em ternura, perdão, em partilha solidária, na luta pela justiça, na prossecução da paz.

São Paulo é considerando o maior missionário de todos os tempos. Anunciar a Palavra de Deus, foi a sua vida. Já o fazia como judeu, muito mais quando se deixou alcançar por Jesus. Anunciar o Evangelho, diz-no-lo, é para ele, uma obrigação, fazendo-se tudo para todos para ganhar alguns para Cristo. Oportuna e inoportunamente é missionário, anuncia a Palavra de Deus, vive e anuncia Jesus Cristo.

A nossa fragilidade, porém, nem sempre nos envolve positivamente na transformação do mundo. Por conseguinte, ousamos pedir: “Mostrai-me, Senhor, os vossos caminhos, ensinai-me as vossas veredas. Guiai-me na vossa verdade e ensinai-me, porque Vós sois Deus, meu Salvador”. Deixemos que no nosso coração ressoe esta oração, para também nós nos torarmos a oração de Deus para o tempo de hoje.

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia (ano B): Jonas 3,1-5.10; Sl 24 (25) 1 Cor 7,29-31; Mc 1,14-20.