Domingo IV de Páscoa – ano B – 2024

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Domingo IV de Páscoa – ano B – 2024

1 – A morte e ressurreição de Cristo, mistério maior da nossa fé, põe a descoberto o amor de Deus para connosco, que nos assume como filhos bem-amados.

São João, na segunda leitura, coloca em evidência uma das revelações mais significativas do Evangelho e do Novo Testamento: Deus é nosso Pai. Pai de Jesus e, em Jesus, nosso Pai. Por conseguinte, somos filhos e, se somos filhos, somos irmãos. Como filhos, o acesso a Deus fica mais fácil, mais autêntico, mais seguro. Havia dito Jesus aos seus discípulos: já não vos chamo servos, mas filhos. O servo não sabe o que faz o seu Senhor, mas a vós revelo a verdade que vem do Pai (cf. Jo 15, 15).

Na sua missiva, o apóstolo envolve-nos na filiação divina: «Vede que admirável amor o Pai nos consagrou em nos chamarmos filhos de Deus. E somo-lo de facto. Se o mundo não nos conhece, é porque não O conheceu a Ele. Caríssimos, agora somos filhos de Deus e ainda não se manifestou o que havemos de ser. Mas sabemos que, na altura em que se manifestar, seremos semelhantes a Deus, porque O veremos tal como Ele é».

Como pessoas precisamos do olhar dos outros mas sobretudo daqueles que em nós confiam e nos amam. Deus vê-nos e os seus óculos filtram amor, carinho, ternura, ainda que agora nos caiba a nós viver, caminhar, lutar, com os escolhos que encontraremos pela frente. Mas o Seu olhar, o Seu amor de Pai, é um desafio e uma segurança. A Ele podemos regressar, d’Ele poderemos partir, n’Ele poderemos reencontrar-nos.

Olhar para Deus como Pai quando as experiências filiais são tremendas poderá ser contraproducente. Quando falamos do Pai e da Mãe – Deus é Pai e Mãe (João Paulo I) – estamos certos que são aqueles que geram, que cuidam, que se dispõem a dar a vida pelos filhos, em todas as circunstâncias. Faz-nos ver o Papa Francisco: “Numerosas crianças são rejeitadas, abandonadas e subtraídas à sua infância e ao seu futuro. Alguns ousam dizer, como que para se justificar, que foi um erro tê-las feito vir ao mundo. Isto é vergonhoso! Por favor, não descarreguemos as nossas culpas sobre as crianças! Elas nunca são «um erro»”.

A vida não é fácil e por vezes alguns comentários não passam de desabafos momentâneos. Porém há situações dramáticas de abuso, de violência continuada, de pressão e chantagem que podem, aqui e além, tornar incompreensível a linguagem terna, íntima, carinhosa de Jesus para com Deus, Seu e nosso Pai.

2 – «Eu sou o Bom Pastor. O bom pastor dá a vida pelas suas ovelhas. O mercenário, como não é pastor, nem são suas as ovelhas, logo que vê vir o lobo, deixa as ovelhas e foge, enquanto o lobo as arrebata e dispersa. O mercenário não se preocupa com as ovelhas. Eu sou o Bom Pastor: conheço as minhas ovelhas e as minhas ovelhas conhecem-Me, do mesmo modo que o Pai Me conhece e Eu conheço o Pai; Eu dou a minha vida pelas minhas ovelhas».

No Evangelho, Jesus apresenta-Se como o Bom Pastor que dá a vida pelas ovelhas. Ainda hoje, com características diferentes de antigamente, as ovelhas são o ganha-pão de muitas famílias. Perder uma ovelha significará perder o lucro de semanas ou meses. O pastor leva as ovelhas às melhores pastagens, cuida para que nenhuma seja atacada por um lobo ou por um cão alheio ao rebanho. Conhece as ovelhas e elas conhecem a sua voz. O pastor apega-se às suas ovelhas, põe-lhes nomes, pega nelas ao colo quando pequeninas ou aleijadas, e tem dificuldade em desfazer-se delas, vendendo-as ou levando-as ao matadouro.

Jesus relaciona o pastoreio com a filiação. O amor do Pai move-O para o cuidado das ovelhas. A filiação conduz, inevitavelmente, à fraternidade. A intimidade com o Pai leva-O a assumir-nos como irmãos. Assim nós também: se nos reconhecemos como Filhos de Deus, teremos que nos movimentar como irmãos, como uma única família, um só rebanho.

3 – Lembrava o papa Francisco, no início do Seu pontificado, fazendo eco das palavras de Jesus, que na atualidade o Bom Pastor já não tem que deixar as 99 ovelhas no aprisco e sair em busca da que anda perdida. Hoje, ao invés, terá que deixar a ovelha que está dentro e sair à procura das 99 ovelhas que se encontram fora, distantes, sedentas, e, talvez, ignorando que há uma água mais límpida, mais fresca, mais retemperadora.

A filiação – filhos de Deus – conduz à fraternidade – irmãos em Jesus Cristo.

Prefiro uma Igreja acidentada, Igreja em saída, que uma Igreja enferma, parada, doente, de mãos cruzadas, comodamente instalada, qual água estagnada. Estas palavras refletem o pensamento do agora Papa Francisco, audíveis nos dias anteriores à Sua eleição para a cátedra de Pedro e posteriormente sublinhadas. O Papa clarifica a missão da Igreja, pondo em evidência as Conferências Gerais dos Bispos da América Latina, nomeadamente em Aparecida, onde foi escolhido como Presidente e responsável pelo documento final. Os discípulos de Jesus Cristo são simultaneamente missionários. É necessário e urgente ir à procura dos que estão fora, abrindo-lhes as portas da Igreja ao serviço de Cristo e do Seu Evangelho.

Na sua Mensagem para Dia Mundial de Oração pelas Vocações (2024), que ocorre hoje, o santo Padre sublinha que “este Dia proporciona-nos sempre uma boa ocasião para recordar, com gratidão, diante do Senhor o compromisso fiel, quotidiano e muitas vezes escondido daqueles que abraçaram uma vocação que envolve toda a sua vida. Penso nas mães e nos pais que não olham primeiro para si mesmos, nem seguem a tendência dum estilo superficial, mas organizam a sua existência cuidando das relações com amor e gratuidade, abrindo-se ao dom da vida e pondo-se ao serviço dos filhos e seu crescimento. Penso em todos aqueles que realizam, dedicadamente e em espírito de colaboração, o seu trabalho; naqueles que, em diferentes campos e de vários modos, se empenham por construir um mundo mais justo, uma economia mais solidária, uma política mais equitativa, uma sociedade mais humana, isto é, em todos os homens e mulheres de boa vontade que se dedicam ao bem comum. Penso nas pessoas consagradas, que oferecem a sua existência ao Senhor quer no silêncio da oração quer na atividade apostólica, às vezes na linha de vanguarda e sem poupar energias, servindo com criatividade o seu carisma e colocando-o à disposição de quantos encontram. E penso naqueles que acolheram a chamada ao sacerdócio ordenado, se dedicam ao anúncio do Evangelho, repartem a sua vida – juntamente com o Pão Eucarístico – pelos irmãos, semeiam esperança e mostram a todos a beleza do Reino de Deus”.

A vocação é envio. A proximidade a Jesus, procurando viver e concretizar a vontade de Deus, faz-nos disponíveis para o envio e para a missão. É o propósito de Jesus e, portanto, é esse o nosso ideal de vida. «Tenho ainda outras ovelhas que não são deste redil e preciso de as reunir; elas ouvirão a minha voz e haverá um só rebanho e um só Pastor. Por isso o Pai Me ama: porque dou a minha vida, para poder retomá-la. Ninguém Ma tira, sou Eu que a dou espontaneamente. Tenho o poder de a dar e de a retomar: foi este o mandamento que recebi de meu Pai».

Jesus, o Bom Pastor, em sintonia com o Pai, dá a vida não por esta ou aquela ovelha, mas por todas as ovelhas, as atuais e as futuras.

4 – O mistério da morte e da ressurreição de Jesus abre-nos, em definitivo, as portas da eternidade, comprometendo-nos. Com efeito, a luz da Páscoa enforma e ilumina a nossa fé e faz-nos experimentar a alegria do encontro com Jesus vivo no meio de nós. Alegria que transborda e nos leva a comunicá-l’O em toda parte, em todas as situações da vida.

É deste jeito que o apóstolo, antes titubeante, inseguro, impulsivo, se torna convicto, firme e categórico, justificando a cura de um enfermo: «É em nome de Jesus Cristo, o Nazareno, que vós crucificastes e Deus ressuscitou dos mortos, é por Ele que este homem se encontra perfeitamente curado na vossa presença. Jesus é a pedra que vós, os construtores, desprezastes e que veio a tornar-se pedra angular. E em nenhum outro há salvação, pois não existe debaixo do céu outro nome, dado aos homens, pelo qual possamos ser salvos».

Jesus Cristo é a porta de acesso ao Pai. É a pedra angular na qual se firma e identifica a nossa fé. Só n’Ele a salvação que nos resgata do tempo e da história, atraindo-nos para a eternidade. O princípio – fora da Igreja não há salvação – tem como referência esta expressão, fora de Jesus Cristo não há salvação. Não se trata de limitar a ação de Deus, pois o Espírito Santo sopra onde quer, mas de tornar mais simples, mais visível, concretizável, a salvação, pois temos um Rosto, uma Presença, a Pessoa de Jesus Cristo, sabendo que o que fizermos ou deixarmos de fazer aos nossos irmãos é a Ele que fazemos ou deixamos de fazer. É por Cristo que chegamos ao Pai. Porém chegamos a Cristo através dos outros, onde Deus Se faz presente.

5 – Confiemo-nos ao Senhor. Só Ele pode salvar-nos, não apenas no momento mas para sempre. As nossas seguranças presentes, nas pessoas e nos bens, são inevitavelmente efémeras e sem garantias futuras, definitivas. Só Deus garante que a nossa vida não desaparecerá.

«Dai graças ao Senhor, porque Ele é bom, porque é eterna a sua misericórdia. Mais vale refugiar-se no Senhor, do que fiar-se nos homens».

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia (ano B): Atos 4, 8-12; Sl 117 (118); 1 Jo 3, 1-2; Jo 10, 11-18.