Domingo IV do Advento – ano A – 22 de dezembro de 2019

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    Domingo IV do Advento – ano A – 22 de dezembro de 2019

    1 – Uma palavra, um sorriso, um beijo, um abraço, uma carícia, um olhar… Por vezes é preciso tão pouco, um pequeno gesto, para mudar a história, a vida, o mundo.

    Em Maria, um “SIM” que muda tudo: estreita-te o tempo, a eternidade faz-se peregrina da história, Deus vem habitar e vem ser, em Jesus Cristo, um de nós, Deus connosco, para connosco caminhar e nos fazer redescobrir a verdade, a beleza e o amor, e o que nos humaniza e irmana. Com o avançar dos dias e dos anos, vamos percebendo que, afinal, a vida se resolve nos pormenores, nos pequenos acontecimentos do dia a dia. Claro que há as grandes decisões que marcam a nossa história pessoal, opções fundamentais que nos estruturam e nos levam numa determinada direção. Mas o nosso SIM se cristalizar no passado acabará por partir, por definhar, por desaparecer. Cada dia, a fé, o relacionamento em casal e/ou em família, a vivência na comunidade, os namorados e a amizade precisam de se renovar. Precisamos de cuidar, de acarinhar, de perguntar a vida, de verificar o caminho, de sintonizar os passos, de validar as escolhas.

    Com Maria, aprendemos que o SIM inicial ao Anjo se renova na pressa e no encontro com Isabel, na intervenção atenta nas Bodas de Canaã, no cuidado, ao longo da vida, do Seu Filho Jesus, na proximidade à Cruz, na presença firme no seio da comunidade.

    Com José, aprendemos a confiar, a fazer silêncio pelo mistério que nos surpreende, a rezar a vida, a colocar-nos nas mãos e no coração de Deus, a acolhermos, com alegria e paz, a vontade de Deus, na atenção aos sinais que Ele nos dá nos acontecimentos da história, nas palavras e, até, nos sonhos.

    2 – São Mateus apresenta-nos o nascimento de Jesus. E o sonho de São José! E a missão preponderante do Pai adotivo de Jesus, marcada pela fé, pelo amor, pela escuta orante, pelo silêncio comprometido com a vontade de Deus.

    “Maria, sua Mãe, noiva de José, antes de terem vivido em comum, encontrara-se grávida por virtude do Espírito Santo”. Recorrendo a São Lucas, descobriremos a Anunciação e o “sim” de Maria. Eis a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a Tua palavra”.

    São Mateus sublinha que José, esposo de Maria, apesar de surpreendido, como homem justo e temente a Deus, não quer difamar Maria, não quer expô-la e decide repudiá-la em segredo.

    O preconceito, a opinião pública, os julgamentos populares, as convenções sociais e as tradições por vezes silenciam pessoas, remetendo-as à escuridão, à exclusão. Claro que a sociedade sobrevive com a regras, entendimentos, diálogo, convenções, mas a lógica é proteger a vida, ajudar as pessoas, construir pontes! A lei religiosa, na Judeia, era clara: uma mulher na situação de Maria seria publicamente condenada à morte por apedrejamento. Recorde-se a mulher adúltera levada até Jesus para ver se Ele a condenava (cf. Jo 8, 1-11).

    Os planos de Deus nem sempre coincidem com os nossos. “Tinha ele assim pensado, quando lhe apareceu num sonho o Anjo do Senhor, que lhe disse: «José, filho de David, não temas receber Maria, tua esposa, pois o que nela se gerou é fruto do Espírito Santo. Ela dará à luz um Filho e tu pôr-Lhe-ás o nome de Jesus, porque Ele salvará o povo dos seus pecados». Tudo isto aconteceu para se cumprir o que o Senhor anunciara por meio do Profeta, que diz: «A Virgem conceberá e dará à luz um Filho, que será chamado ‘Emanuel’, que quer dizer ‘Deus connosco’». Quando despertou do sono, José fez como o Anjo do Senhor lhe ordenara e recebeu sua esposa”.

    3 – Diz-nos a sabedoria popular que não devemos reagir a quente. O travesseiro é bom conselheiro. Descansar, refletir, assentar ideias, ponderar, para que a pressa, a exaltação e a irritação não estraguem a dádiva, o encontro, o desafio, as surpresas. Quantas vezes, a posteriori, nos lamentamos porque agimos sem pensar, disseram-nos de uma maneira, mas não era bem assim, não estávamos em posse de todos os dados, bloqueámos e quebrámos a louça toda e, pode acontecer, que já não dê para emendar. Nos primeiros 30 segundos de tensão, cometemos os maiores erros da nossa vida, diz-nos Augusto Cury, que desafia, numa situação stresse, a contar até 10 ou até 20 ou até 30, antes de reagir.

    José há de ter sentido como que um murro no estômago quendo descobre o estado de Nossa Senhora. Estava comprometido, mas descobria que Maria não tinha o mesmo nível de comprometimento e de fidelidade. Mas também José foi preparado por Deus. A sua fé e confiança em Deus, a sua bondade fazem com que respeite Maria além das suas fragilidades, preferindo ser apelidado de covarde, ao abandoná-la, do que a colocar em risco de difamação e de condenação pública.

    Porém, Deus surpreende-o no sono e no sonho e José, na fé e na oração, acolhe a vontade de Deus e a missão de ser protetor da sagrada Família.

    4 – Homem justo e religioso, como por certo os homens simples, pobres e trabalhadores daquele tempo, José conhecia bem as profecias, tornando-se mais fácil a compreensão dos sinais enviados por Deus. O sonho acomoda vivências, filtra medos, acentua o essencial, areja a mente. Quando acorda, José está preparado para responder. José vê, com os olhos do coração, e escuta com os ouvidos da fé, a palavra de Deus há tanto revelada.

    Isaías diz ao Rei Acaz para pedir um sinal, por forma a não duvidar da Palavra de Deus e implementar uma política que se baseie nos preceitos mosaicos, na fidelidade à Aliança, no prossecução da justiça, da verdade e do bem, no cuidado dos mais pobres, os órfãos e viúvas e no acolhimento aos estrangeiros. Uma vez que o Rei recusa “dialogar” com Deus, o sinal é revelado pelo profeta, com um aviso: “Não vos basta que andeis a molestar os homens para quererdes também molestar o meu Deus? Por isso, o próprio Senhor vos dará um sinal: a virgem conceberá e dará à luz um filho e o seu nome será Emanuel»”.

    A profecia não tem tempo, pois vem da eternidade, não vem de nós e, por conseguinte, há de chegar a altura de se realizar. O tempo e a hora só Deus os conhece. As promessas divinas são para cumprir. Maria e José, tu e eu, nós, vemos que agora, com o nascimento de Jesus, se concretiza o anúncio de Isaías. A Virgem concebe e dá à Luz o Emanuel, Jesus, o Deus connosco, o Deus que vem salvar-nos do pecado e da morte, do egoísmo e das trevas.

    5 – A segunda Leitura, da missiva de Paulo aos Romanos, apresenta o querigma, o essencial do mistério de Deus que age na história, plenizando-se através da vida, pregação, morte e ressurreição de Jesus, em Quem nasce, se sustenta e desemboca a fé, em Quem nasce a vocação e a missão.

    O Apóstolo testemunha e interpela-nos: “Ele é Jesus Cristo, Nosso Senhor. Por Ele recebemos a graça e a missão de apóstolo, a fim de levarmos todos os gentios a obedecerem à fé, para honra do seu nome, dos quais fazeis parte também vós, chamados por Jesus Cristo. A todos os que habitam em Roma, amados por Deus e chamados a serem santos, a graça e a paz de Deus nosso Pai e do Senhor Jesus Cristo”. A saudação de Paulo é evangelização e catequese.

    São Paulo relembra como as Escrituras revelam a promessa de Deus acerca de Seu Filho, “nascido, segundo a carne, da descendência de David, mas, segundo o Espírito que santifica, constituído Filho de Deus em todo o seu poder pela sua ressurreição de entre os mortos”.

    É Cristo, nascido de Maria, pela ação do Espírito Santo, que chama e envia o Apóstolo e que nos faz, a mim e a ti, anunciadores do Evangelho de Deus.

    A oração com que iniciamos a Eucaristia deste 4.º Domingo de Advento serve também para resumir e sintetizar a reflexão, e para rezar a Palavra de Deus que hoje nos é proposta: “Infundi, Senhor, a vossa graça em nossas almas, para que nós, que pela anunciação do Anjo conhecemos a encarnação de Cristo, vosso Filho, pela sua paixão e morte na cruz alcancemos a glória da ressurreição”.

    Pe. Manuel Gonçalves

    Textos para a Eucaristia (ano A): Is 7, 10-14; Sl 23 (24); Rom 1, 1-7; Mt 1, 18-24