Domingo IX do Tempo Comum – ano B – 2024

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Domingo IX do Tempo Comum – ano B – 2024

1 – Quando amamos toda a gente, não amamos ninguém até amarmos alguém em concreto! Quando não temos tempo, é que porque não valorizamos o tempo que temos, ou porque não fazemos nada e não conseguimos organizar-nos! Se calhar ocupamo-nos somente quando precisam de nós! Quando não reservamos um tempo específico e não dedicamos um espaço para a oração, esta deixa de ser importante, pois não precisamos nem de parar nem de nos recolher! Quando alguém quer falar connosco, respondemos que pode ser em qualquer altura, mas quando chega a altura não temos tempo! Outro exemplo é convidarmos alguém: aparece quando te der jeito! A pessoa percebe que pode aparecer se e quando quiser mas não vai depender da nossa insistência ou do nosso convite, é pura formalidade como quando perguntamos se está tudo bem, mas nem sequer esperamos pela resposta!

O sábado ou o domingo são tempo para escutar a voz de Deus. O judaísmo consagrou o sábado para Deus. (Para nós, o Domingo, por ser o Dia da Ressurreição de Jesus). É o dia do repouso, mas também da família, da oração, da comunidade, da festa. Oportunidade para reconhecer que Deus é o Criador e Aquele que nos mantém vivos. Mas é também oportunidade para descansar dos trabalhos e da azáfama e da rotina da semana. Serve para todos, também para os escravos. O trabalho e a sobrevivência são fundamentais, mas não são tudo. Há momentos para parar, para apreciar a vida, para estar com os amigos e com a família num clima de maior descontração e de festa.

O mundo foi criado por Deus, portanto, todo o mundo é, de algum modo, sagrado, na medida em que não pode ser profanado, usado ao bel-prazer de cada um ou de cada grupo, com os riscos, bem presentes, da destruição e do esgotamento dos recursos da terra. Todavia, reservar um tempo para o encontro com Deus, valorizando o encontro com a comunidade é precisamente a oportunidade para não nos apossarmos do que é de todos e para todos, e não nos colocarmos como donos do mundo, mas como servidores, cuidando e fazendo com que os recursos beneficiem a todos!

2 – O espaço e o tempo não são um absoluto. Devem ser conjugados com a dignidade e a vida da pessoa humana, e com o bem comum. Devem beneficiar a humanidade, localizam-nos e temporalizam-nos para permitir o encontro, a comunhão, a comunicação, numa palavra, para nos permitir sermos humanos.

Numa sociedade, qualquer que ela seja, são necessárias leis, regras, orientações. Bom seria que não fosse necessário, que cada um, que todos, soubessem o seu lugar e dessem tudo aos outros. Se assim fosse ninguém seria prejudicado, esquecido, relegado para as periferias. Mas somos limitados, fomos criados livres, com a capacidade de decidirmos a vida, com a séria probabilidade de, mesmo bem-intencionados, agirmos mais em proveito próprio que em benefício dos outros, pensando até que estamos a fazer bem e a ajudá-los. Daí as regras, os mandamentos, a procura de consensos, a valorização do que nos salva, antes de mais, como humanidade, o que nos preserva como espécie interdependente com o mundo e com as outras espécies!

Há valores que são fundamento da vida e da convivência humana e há outros que estão sujeitos à cultura, aos costumes, ao passar do tempo ou às circunstâncias do momento. O que conta sempre é a humanização da pessoa e a construção de uma sociedade mais justa e fraterna.

3 – O Evangelho traz-nos mais um debate entre Jesus e os fariseus. Os discípulos, enquanto caminham, apanham algumas espigas. Popularmente dizemos que “roubar para comer não é pecado”.

Em situações de pobreza, em que está em causa a saúde e a vida da pessoa, entrar num pomar para comer uma maça não parece de todo descabido ou condenatório. O ideal é que isso não fosse necessário. Hoje a proteção social e os apoios institucionais permitem evitar situações que colocam em causa a sobrevivência das pessoas ou ajudem a minorar tais situações. Contudo, nem sempre as instituições chegam a tempo e horas.

Nas nossas terras é conhecido o costume do “rebusco”. Quando se arrancavam as batatas e depois de serem apanhadas, as pessoas podiam passar a apanhar as que ficavam perdidas. Assim o trigo, o milho… Depois de varejar os castanheiros ou as nogueiras, ou depois de vindimar, as pessoas podiam entrar nas propriedades e apanharem castanhas, nozes, maças, uvas, o que encontrassem. Alguns proprietários, que não eram unhas de carne, deixavam propositadamente mais frutos na terra e nas árvores para que os pobres pudessem recolher alimentos.

Os fariseus também não colocam isso em causa. Quem não fosse proprietário ou quem andasse em viagem comia frugalmente, pela escassez dos alimentos disponíveis, mas também pelas dificuldades em transacionar pela troca direita ou por dinheiro. O que os fariseus questionam é por ser ao sábado, supondo que ao sábado seria preferível passar fome ou até morrer!

4 – Os fariseus usam a lei do descanso sabático para questionar Jesus acerca dos seus discípulos. Tudo serve para O questionarem e pôr em causa a Sua postura!

Jesus serve-se da Sagrada Escritura relembrando uma personagem importantíssima para os judeus, o Rei David, e como ele e os companheiros entraram no templo e comeram as oferendas que eram oferecidas a Deus para sustento dos sacerdotes! A conclusão de Jesus é lapidar: «O sábado foi feito para o homem e não o homem para o sábado. Por isso, o Filho do homem é também Senhor do sábado». A lei, como o sábado, há de estar ao serviço da pessoa, da sua dignidade, da promoção da vida!

Jesus prossegue. Entra na sinagoga onde encontra um homem com uma mão atrofiada. Os fariseus fixam-se em Jesus a ver se ele tem o atrevimento de em dia de sábado o curar. É a vez de Jesus questionar: «Será permitido ao sábado fazer bem ou fazer mal, salvar a vida ou tirá-la?». E logo Jesus trata de fazer o que está ao Seu alcance, curando-o.

Jesus sente indignação e tristeza pela dureza dos seus corações. Os fariseus vão reunir-se com os partidários de Herodes e decidem acabar com a vida de Jesus. De que lado nos posicionamos? Claro, simpaticamente ao lado de Jesus, embora talvez também sejamos fariseus em muitas circunstâncias. Deixemos que Jesus nos cure do nosso egoísmo e da indiferença perante o sofrimento dos outros.

5 – A primeira leitura enquadra e justifica o sábado como dia santo. «Trabalharás durante seis dias e neles farás todas as tuas obras. O sétimo, porém, é o sábado do Senhor, teu Deus. Não farás nele qualquer trabalho, nem tu, nem o teu filho, nem a tua filha, nem o teu escravo, nem a tua escrava, nem o teu boi, nem o teu jumento, nem nenhum dos teus animais, nem o estrangeiro que mora contigo. Assim, o teu escravo e a tua escrava poderão descansar como tu».

É de sublinhar a sabedoria da lei, sob a inspiração divina, numa época tão distante da nossa. O sábado é dia santificado para louvar o Senhor, mas também para o descanso de todos. O sábado não é apenas para alguns, mas para todos, até para os animais. As leis laborais, como a psicologia moderna, consagram a necessidade do descanso para retemperar forças, para equilibrar a saúde física e psicológica, mas por forma a potenciar o convívio entre as pessoas. O descanso valoriza o trabalho e, em contraponto, o trabalho valoriza o descanso.

Sendo o texto elaborado por alguém académica e socialmente com um estatuto elevado, a abrangência da lei é divinal, pois não se fixa apenas nos judeus ou nos homens livres, mas abarca os escravos e os estrangeiros, evocando a condição em que os judeus viveram no Egipto como estrangeiros e como escravos. Se Deus os libertou, se Deus está na origem do sábado, então o sábado é para todos, em ordem à libertação integral!

6 – Se a história da humanidade está prenhe da história da salvação e Deus vai atuando através dos acontecimentos e na inspiração, vocação e missão dos Seus mensageiros, Jesus plenifica e personifica a libertação do homem todo e de todo o homem.

O esplendor da Luz de Deus reflete-se no rosto e na vida de Jesus, como nos diz São Paulo. Falando do Seu ministério, o Apóstolo aponta-nos um caminho de identificação a Jesus Cristo e como Ele transparece a vontade do Pai, assim nós devemos espelhar a Sua vida. «Em tudo somos oprimidos, mas não esmagados… Levamos sempre e em toda a parte no nosso corpo os sofrimentos da morte de Jesus, a fim de que se manifeste também no nosso corpo a vida de Jesus».

Em toda a parte, sempre, no nosso próprio corpo, na nossa vida por inteiro, cabe-nos acolher a vida de Jesus, transparecendo-O, morrendo com Ele, para que Ele Se manifeste através da nossa conduta, da nossa vida.

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia (ano B): Deut 5, 12-15; Sl 80 (81); 2 Cor 4, 6-11; Mc 2, 23 – 3, 6.