Domingo V da Quaresma – ano A – 2023
1 – A Quaresma prepara-nos para acolher com alegria a celebração da Páscoa do Senhor. É preparação, não esqueçamos, mas também vivência, caminho, pois cada quaresma acontece depois da morte e ressurreição de Jesus. Esperamos vivendo! Vivemos esperando! Mas não é uma vivência adiada, é uma vivência atual, em cada dia, a cada instante, porque em cada tempo e lugar, Deus continua a agir, a fazer-Se presente, a chamar-nos, a enviar-nos, a dar-nos oportunidades para acolhermos a vida, celebrando-a, e fazendo com que o tempo e os nossos talentos ajudem a tornar o mundo mais habitável.
As cores, a roxa como referência, os verdes, a simplicidade dos arranjos, os cânticos em tons mais melancólicos, as leituras que nos aproximam das últimas horas da vida de Jesus, podem, facilmente, sugerir um tempo de tristeza e luto, uma certa ansiedade (para quem vive em profundidade este tempo). Porém, a Quaresma é também caminho de esperança, certeza que a conversão é possível e de que a misericórdia de Deus é maior do que a nossa miséria e o nosso pecado. Contamos quarenta dias, deixando de fora os Domingos, precisamente para sublinharmos a Páscoa de Jesus, a Sua passagem da morte à vida, a nossa passagem do pecado à graça, das trevas á luz, da morte à vida nova que Ele nos dá.
2 – Ao longo dos Domingos, temos visto o perigo que se aproxima, as tentações, as ameaças, uma espécie de pólvora pronta a arrebentar, mas vislumbramos também a esperança, a luz, a vida, a misericórdia de Deus além da nossa fragilidade.
No primeiro Domingo, caminhámos com Jesus ao deserto, experimentando as dificuldades do caminho, a fome, a sede, a solidão; com Ele, aprendemos que a presença de Deus é essencial para lidarmos com as tentações, com as trevas, com as forças do mal, com as nossas debilidades e o nosso egoísmo.
No segundo Domingo, depois de ter anunciado a Sua prisão, julgamento e morte, anunciando igualmente a ressurreição, anúncio este que passou despercebido, Jesus faz-nos subir ao alto da montanha e mostra que as trevas são passageiras e que nem a morte é capaz de destruir a vida que há e que vem de Deus. Moisés e Elias não ficaram perdidos na história, a desfazer-se em pó, mas entraram na glória de Deus, garantia de que esse será também o nosso fim último, a vida em Deus.
No terceiro Domingo, enquanto os discípulos vão comprar alimentos, Jesus alimenta a curiosidade da Samaritana, permitindo que ela veja a sede mais profunda que carrega e descubra Jesus como a Água Viva, que sacia as buscas de sentido e de felicidade, preenchendo-a de vida. A Samaritana precisa, não de migalhas, de sobras, de pedaços, mas de um amor tão grande, duradouro e profundo que seja lastro, chão, raiz, seja Céu, onde os relacionamentos não sejam procura desesperada de preencher vazios, vazios a acolher vazios (zero mais zero é igual a zero), necessidade doentia de encontrar compensações, mas “amores” que encontrem sentido, envolvidos por um AMOR que é paz, segurança, bênção, esperança, garantia de futuro, de onde se pode partir, pousar e repousar e voltar! Claro que o amor humano é lugar privilegiado para encontrar o amor de Deus!
No quarto Domingo, o da Alegria, as trevas são transformadas pela Luz que vem de Jesus e o cego de nascença percebe, e com ele também nós, que não há trevas suficientemente densas que possa impossibilitar a chegada desta luz. Quantas vezes caminhamos iludidos, envoltos em trevas, perdidos… e em todas essas vezes, Jesus vem ao nosso encontro para ser Luz que nos guia e nos salva.
3 – Neste quinto Domingo, Jesus faz-nos ir ao túmulo de Lázaro, mostrando que nada nos separará do amor de Deus. Basta confiar. Diz Jesus a Marta: «O teu irmão ressuscitará». Já se passaram alguns dias, o cheiro da morte faz-se sentir em abundância, seria tempo de deixar que a morte prosseguisse o seu caminho. Logo Jesus coloca em evidência a omnipotência de Deus e do Seu amor por nós. A vida há de levar a melhor sobre a morte, a luz incindirá ali onde antes só havia trevas, desencanto, desilusão, perda e luto.
Quando Lhe trazem a notícia da doença do seu amigo Lázaro, logo Jesus esclarece que a doença, como a morte, como o sofrimento, pode fazer-nos ver a compaixão e a glória de Deus. Diante do sofrimento, de tantas situações que nos tiram o chão e o fôlego, temos pressa em ultrapassar, ir adiante, esquecer, ou até mesmo, desaparecer! Jesus sabe que o Seu amigo está doente, mas não Se deixa cegar pela ansiedade, pelo medo. Confia. O tempo de Deus nem sempre é coincidente com o nosso. A nossa pressa, como acentuava Bento XVI, pode destruir; por sua vez, a paciência de Deus edifica, comunica confiança e serenidade. Vinde a Mim todos os que andais cansados, sobrecarregados, perdidos, e em Mim encontrareis alívio e paz.
Os discípulos, uma vez mais, antecipam as dificuldades: voltar à Judeia coloca em risco a liberdade e a vida do Mestre. A resposta de Jesus é clarividente e sugestiva: «Não são doze as horas do dia? Se alguém andar de dia, não tropeça, porque vê a luz deste mundo. Mas, se andar de noite, tropeça, porque não tem luz consigo». Novamente a Luz, como na transfiguração, como junto ao poço de Jericó, como a luz devolvida ao cego de nascença. A luz, a luz que vem de Jesus, e que nos faz caminhar em segurança, pois Ele vai connosco, amparando-nos, assegurando que a vida prevalecerá, alumiando os nossos passos.
Nesta como em outras situações, os discípulos terão oportunidade de questionar a imaturidade da própria fé, aprendendo a confiar em Deus e a entregarem-se sem medos. Diz-lhes Jesus: «Alegro-Me de não ter estado lá, para que acrediteis».
4 – A oração de Marta não é fácil! Reza em tons de protesto, mas expressando uma grande fé em Jesus Cristo: «Senhor, se tivesses estado aqui, meu irmão não teria morrido. Mas sei que, mesmo agora, tudo o que pedires a Deus, Deus To concederá».
Marta acredita tanto, que sabe, e expressa-o, alto e bom som, que Jesus poderia ter evitado a morte do Seu irmão, mas sabe igualmente que nem a morte é impedimento para a intervenção divina. Jesus, em resposta, desafia-a a confiar, não apenas para amanhã, para a vida além da vida, mas também para o tempo presente.
Por sua vez, Maria, a confidente dos desassossegos de Jesus, reza da mesma forma: «Senhor, se tivesses estado aqui, meu irmão não teria morrido».
Ao ver o pranto de Maria, e de quantos a acompanham, também Jesus se deixa envolver pelo pranto. Deus chora connosco as nossas perdas, inquietações, os nossos desencontros. As nossas lágrimas não caiem em vão, Deus está ali onde a vida se quebra.
Junto do túmulo, sentem-se os sinais de morte, mas logo Jesus Se confia ao Pai, dando graças: «Pai, dou-Te graças por Me teres ouvido. Eu bem sei que sempre Me ouves, mas falei assim por causa da multidão que nos cerca, para acreditarem que Tu Me enviaste». Com voz forte, decidida, confiante, Jesus ordena: «Lázaro, sai para fora». Até a morte obedece a Deus, Lázaro regressa ao mundo dos vivos.
Muitos acreditaram em Jesus. Este acontecimento tornou-se, contudo, mais um motivo de inveja para alguns judeus, nomeadamente os líderes religiosos, que decidem matar Jesus.
5 – Próximos da Páscoa, as demais leituras também nos remetem para a ressurreição, mais ou menos explícita, ainda que só em Cristo a ressurreição seja algo de concreto, tornando-se acontecimento do Deus que age na história e no tempo em nosso favor.
Ezequiel é dos profetas que mais claramente fala de ressurreição e do poder de Deus sobre a morte e sobre os mortos. Eis a mensagem que ele nos comunica de Deus: «Vou abrir os vossos túmulos e deles vos farei ressuscitar, ó meu povo, para vos reconduzir à terra de Israel. Haveis de reconhecer que Eu sou o Senhor, quando abrir os vossos túmulos e deles vos fizer ressuscitar, ó meu povo. Infundirei em vós o meu espírito e revivereis. Hei de fixar-vos na vossa terra e reconhecereis que Eu, o Senhor, digo e faço».
A visão de Ezequiel é muito vívida, é realista. É como que um relato, uma narração, uma certeza firme: Deus que tem poder para dar a morte, pode restaurar a vida.
6 – No caminho a percorrer, valemo-nos do auxílio e da sabedoria de Deus que nos sussurra na oração.
Logo no início da Eucaristia, suplicamos: «Senhor nosso Deus, concedei-nos a graça de viver com alegria o mesmo espírito de caridade que levou o vosso Filho a entregar-Se à morte pela salvação dos homens».
Voltamos o olhar para Jesus, certos que segui-l’O implica imitá-l’O.
O salmista, por sua vez, ajuda-nos a rezar e a confiar no Senhor, nosso Deus: «Do profundo abismo chamo por Vós, Senhor, Senhor, escutai a minha voz. Estejam os vossos ouvidos atentos à voz da minha súplica. / Se tiverdes em conta as nossas faltas, Senhor, quem poderá salvar-se? Mas em Vós está o perdão, para Vos servirmos com reverência. / Eu confio no Senhor, a minha alma espera na sua palavra. A minha alma espera pelo Senhor mais do que as sentinelas pela aurora. / Porque no Senhor está a misericórdia e com Ele abundante redenção. Ele há de libertar Israel de todas as suas faltas».
A oração faz-nos humildes, sabendo das nossas fragilidades e contando com a grandeza do amor de Deus que nos levanta e preenche de luz os nossos vazios.
7 – Na segunda leitura, o apóstolo são Paulo relembra-nos a nossa condição de batizados, fomos sepultados com Cristo na morte e com Ele ressuscitamos, pela água e pelo Espírito. Então há que viver como ressuscitados.
«Se Cristo está em vós, embora o vosso corpo seja mortal por causa do pecado, o espírito permanece vivo por causa da justiça. E se o Espírito d’Aquele que ressuscitou Jesus de entre os mortos habita em vós, Ele, que ressuscitou Cristo Jesus de entre os mortos, também dará vida aos vossos corpos mortais, pelo seu Espírito que habita em vós».
Vivamos, eis o desafio, sob o domínio do Espírito de Cristo, agora, ainda na carne, ainda mortais, mas na esperança que Aquele que nos mantém na vida, também nos ressuscitará para a vida eterna.
Pe. Manuel Gonçalves
Textos para a Eucaristia (A): Ez 37, 12-14; Sl 129 (130); Rm 8, 8-11; Jo 11, 1-45.