Domingo V do tempo Comum – ano B – 7 de fevereiro de 2021

Watch Now

Download

Domingo V do tempo Comum – ano B – 7 de fevereiro de 2021

1 – Pregação e cura! O anúncio do Reino de Deus é acompanhado de prodígios, de bênção e proximidade, de gestos que reabilitam e integram, e que nos desafiam ao serviço. Há oito dias, o evangelho sublinhava a autoridade de Jesus, que Lhe vem do Pai e se traduzem na coerência de vida. As palavras saem-Lhe do coração e transformam-se em vida, em gestos concretos de amar, levantar e ajudar, acarinhar, servir e curar, libertar, perdoar e iluminar.

Jesus não é, como dizíamos, uma visita ocasional, o convidado com um estatuto social que se imponha pela admiração exterior ou pela obrigação da bajulação. Não nada por aldeias e cidades para ser admirado, servido – veio para servir – ou ser temido pelo cargo que ocupa. Ele vem porque nos ama, vem para nos redimir, para nos salvar, para nos colocar no ambiente luminoso do amor e da ternura.

2 – Depois de reabilitar um homem que vivia prisioneiro do mal, com um espírito impuro, Jesus segue, com Tiago e João, para casa de Simão e André. São Marcos mostra-nos à saciedade que o Messias de Deus é feito de carne e osso e tem as necessidades que nós temos, não é nem um super-homem nem um ET, mas feito da nossa fragilidade, finitude e limitações. Ele precisa de comer, de descansar, de Se retirar do bulício das multidões e de Se recolher na casa de uma família, de André e Simão Pedro, como em casa de Lázaro, Maria e Marta.

A sogra de São Pedro encontra-se de cama, com febre. Falam-Lhe dela e logo Jesus, como sempre, faz o que está ao Seu alcance. Toma-a pela mão e ela começa a servi-los. A nossa fé é caminho! É opção e caminho. Amadurece pela oração e na escuta e meditação da Palavra de Deus, na celebração sacramental, na vivência da caridade. Somos, hoje mais do que ontem, muito racionais, arranjamos explicação para tudo e talvez possamos naturalizar o que nos “parece” sobrenatural. Obviamente, a fé também exige inteligibilidade, pois não contradiz a razão, quanto muito completa e supera-a. Este poder curativo de Jesus é evidente para quem tem uma fé amadurecida, nem sequer exige grandes explicações, pois é transparente, palpável e visível. Como dirá Jesus, aos Seus apóstolos, quem agir em Seu nome, e tiver a fé de um grão de mostarda, fará as obras que Ele faz e ainda maiores. Como diria Bento XVI não podemos encerrar Deus nas nossas conceções racionais, de forma a limitar o Seu poder, e o Seu amor, àquilo que podemos demonstrar materialmente. Isso deixaria de ser fé, para ser ciência.

Por outro lado, as curas exigem fé e amadurecem a fé. E são “instrumentais”, pois não beneficiam apenas o próprio, mas os que estão à volta. A sogra de Pedro não fica pasmada a olhar para Jesus, mexe-se e vai aprontar tudo para que Jesus e os Apóstolos se sintam em casa. A fé põe-nos a mexer, liga-nos aos outros, faz-nos escolher o amor e o serviço, predispõe-nos a sermos construtores de fraternidade.

3 – E as curas continuam. A obra de Jesus manifesta-se na oração, na Palavra, nas curas, nos prodígios. Ele liberta, reabilita, devolve à vida, integra pessoas na comunidade, perdoa, abraça, sara feridas. Em casa de Pedro e de André, Jesus descansa e retempera forças, mas por pouco tempo.

Ao cair da tarde, já depois do sol-posto, segundo a narração de São Marcos, “trouxeram-Lhe todos os doentes e possessos e a cidade inteira ficou reunida diante da porta. Jesus curou muitas pessoas, que eram atormentadas por várias doenças, e expulsou muitos demónios”.

A primeira nota: ao cair da tarde, já depois do sol-posto. É um novo dia que se inicia. E nesse novo dia – o dia de Jesus, do Dia a seguir ao sábado – há lugar para todos, leprosos, cegos e coxos, surdos, mudos e paralíticos, homens, mulheres e crianças, pecadores e publicanos. Sabendo que o sábado começa ao pôr de sol de sexta e se estende até ao pôr de sol do próprio sábado, muitos optam por não afrontar os judeus mais radicais, como se tinha acabado de ver na cura do endemoninhado, dentro da Sinagoga.

A segunda nota é que Jesus, seja qual for a hora, responde, ajuda e intervém; seja quem for tem n’Ele um aliado contra o mal, e não importa o local ou as circunstâncias, na Sinagoga, em Casa, no caminho, Jesus age.

4 – Incontornáveis na vida de Jesus, a oração e o anúncio da Palavra.

Quem quiser um Cristo mais social e uma Igreja como organização (não governamental) de solidariedade social desengane-se. A caridade enraíza-se na intimidade com Deus, na oração, no diálogo, na cumplicidade com o Senhor da vida e do tempo. O nosso problema é que rezamos pouco ou rezamos mal. A oração, que nos liga a Deus e que nos sintoniza com Ele, liga-nos aos outros, no poder da intercessão e na ajuda concreta ao nosso semelhante. Uma oração que nos afasta, nos desliga ou nos faz indiferentes ao sofrimento dos irmãos, não é oração, diálogo e escuta de Deus, quando muito será um solilóquio, um chorrilho de palavras inúteis e vazias.

Se escutamos Deus, na oração, Ele envia-nos aos outros, faz-nos interceder por eles, amá-los e servi-los; o contrário, é ouvirmos apenas a nossa voz e ficarmos ensimesmados. Aí está um critério: a nossa oração aproxima-nos dos outros? Então, prossigamos com a escuta da Sua voz e cuidemos de viver a Sua vontade.

Manhã cedo, Jesus levantou-Se e retirou-Se para um lugar ermo para orar. Ninguém duvida que a vida de Jesus seja uma oração constante e que constantemente esteja ligado ao Pai, pelo Espírito Santo, ainda assim Ele sente necessidade e urgência de ativar o combustível que O move. Na pressa e nos afazeres, Jesus arranja oportunidade para Se colocar em modo de oração e de escuta, para aferir da sintonia com o Pai e, nessa medida, alimentar-se para prosseguir a obra da redenção.

5 – O anúncio da Palavra é verdadeira caridade.

Separar o profano do sagrado, a caridade da espiritualidade, a evangelização da diaconia seria trair Jesus Cristo, que assume a nossa natureza carnal e finita, e Se imiscuí na vida concreta das pessoas, sobretudo das mais desfavorecidas. Em nenhum momento vemos Jesus com falta de tempo, com agenda sobrecarregada, refugiando-se na oração com a desculpa de se afastar das pessoas; pelo contrário, a oração fá-lo caminhar mais firme. Pai… se é possível, afaste-se de Mim este cálice… oração… faça-se a Tua vontade, sempre, também nos momentos mais dolorosos.

Era ainda cedo, quando se retirou para orar. Era ainda cedo quando os Apóstolos O interpelam: «Todos Te procuram». Os Apóstolos dão-nos, sem querer, mais uma lição importante. Quando Jesus não está por perto, devemos ir procurá-l’O. Talvez não seja Ele que está no lugar errado, talvez sejamos nós a não estar no lugar certo. O nosso lugar é onde está Jesus e Jesus está, especialmente, no mais pequeno dos irmãos, nos que sofrem, nos pobres e nos doentes.

À interpelação dos Apóstolos, Jesus relembra a Sua missão: «Vamos a outros lugares, às povoações vizinhas, a fim de pregar aí também, porque foi para isso que Eu vim». E logo o evangelista acrescenta que a evangelização afasta as forças do mal. Prega, cura e expulsa os demónios. É essa também a nossa missão.

6 – O maior evangelizador de todos os tempos, São Paulo, é clarividente: “Anunciar o Evangelho não é para mim um título de glória, é uma obrigação que me foi imposta. Ai de mim se não anunciar o Evangelho!” A missão evangelizadora de Jesus passa para nós. Como batizados, não é uma opção de vida, é a nossa vocação, a nossa missão e o nosso compromisso: acolher Jesus e o Seu Evangelho, vivê-l’O e dá-l’O a conhecer a todos.

O Apóstolo vinca bem que não se trata de uma escolha facultativa, mas deriva da condição de batizado. Por conseguinte, a recompensa já está no ato de evangelizar. Paulo, e nós com ele, não evangeliza à espera de agradecimentos ou benesses, mas como resposta ao chamamento de Deus, tornando-se participante da vida divina, no tempo e na eternidade.

Em São Paulo, visualiza-se este compromisso permanente e total: “Livre como sou em relação a todos, de todos me fiz escravo, para ganhar o maior número possível. Com os fracos tornei-me fraco, a fim de ganhar os fracos. Fiz-me tudo para todos, a fim de ganhar alguns a todo o custo. E tudo faço por causa do Evangelho, para me tornar participante dos seus bens”. Sem pausas nem reservas, em todas as situações, o Apóstolo anuncia Jesus Cristo, crucificado e ressuscitado.

7 – Como primeira leitura é-nos servida, neste Domingo, o livro de Job, uma figura que nos mostra a intimidade com Deus, o embate com as dificuldades da vida e a difícil conciliação entre a fé e as adversidades. É também a discussão moral sobre a felicidade. A ideia, que ainda persiste, de que as pessoas felizes são abençoadas por Deus, porque são justas; e as pessoas infelizes são malditas, porque são desonestas. Job mostra que há pessoas boas e honestas que têm muitos contratempos, mas isso não significa maldição de Deus. E há pessoas más, qua ainda assim têm uma vida folgada, mas não significa que Deus premeie as suas perversidades.

O lamento de Job faz-nos avançar, da nossa justiça para a justiça e sabedoria de Deus, mesmo que possa haver questões para as quais não temos respostas fáceis. «Recordai-Vos que a minha vida não passa de um sopro e que os meus olhos nunca mais verão a felicidade». Hoje é o lamento que escutamos, amanhã, mais à frente, a sua confiança em Deus e a certeza que Deus governa o mundo com misericórdia e sabedoria.

8 – Como Jesus, como Job, como São Paulo, coloquemos em Deus a nossa esperança. “Guardai, Senhor, com paternal bondade a vossa família; e, porque só em Vós põe a sua confiança, defendei-a sempre com a vossa proteção”.

E Deus, que é Pai, que nos assume, em Cristo, como Filhos, pelo Seu Espírito de Amor, velará por nós e nos guiará na verdade, no bem e na justiça, nos amparará nas quedas e nos afagará o coração nos contratempos, nos levantará, dando-nos vida em abundância.

Pe. Manuel Gonçalves


Leituras para a Eucaristia (ano B): Job 7, 1-4. 6-7; Sl 146 (147); 1 Cor 9, 16-19. 22-23; Mc 1, 29-39.