Domingo VI da Páscoa – B – 2021

Como Eu vos amei

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Domingo VI da Páscoa – B – 2021

1 – «Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a vida pelos amigos. Vós sois meus amigos, se fizerdes o que Eu vos mando».

O Evangelho de São João, que hoje nos é servido na Eucaristia, é um hino ao amor, que gera vida e comunhão, na procura alegre do bem do outro, numa ligação que perdura, na procura de um mundo harmonioso, sadio e humanizador.

O amor faz-nos pobres, porque nos despoja das nossas seguranças e nos predispõe a servir aquele/s que amamos, sujeitando-nos à sua resposta, aceitação, recusa, indiferença ou desprezo. Quem ama não se guarda para si, mas dá-se por inteiro aos outros, outro/a.

A origem de todo o bem, de todo o amor, é o Pai. «Como o Pai Me amou, também Eu vos amei. Permanecei no meu amor». Ao amor do Pai, responde o Filho, amando-nos. Logo de início é clarividente. Jesus afirma: como o Pai me ama, também Eu vos amo. Um amor total e totalizante, sem reservas, condições, sem exigências apriorísticas. Seria óbvio que Jesus dissesse, e pressupõe-se, como o Pai Me ama, também Eu o amo. Eu e o Pai somos um Só, dirá também Jesus. A verdadeira resposta ao amor do Pai é o amor aos homens, que Deus criou por amor.

Queremos amar a Deus, amemos os irmãos. Queremos seguir Jesus e ser Seus discípulos, façamos como Ele. Aliás, é Ele quem nos diz: o que vos fiz fazei-o vós uns aos outros. Vale para todas as formas de amor. Quando amamos alguém, procuramos fazer o que ela gosta, ter os mesmos gostos, quando é possível, e até adotamos um vocabulário idêntico.

2 – «Disse-vos estas coisas, para que a minha alegria esteja em vós e a vossa alegria seja completa».

Deus é Amor! Amor que nos transcende, perfeito e pleno. Em si mesmo, o amor de Deus é inatingível, mistério, sobrenatural, está fora do alcance. O amor transcende-nos, mas, igualmente, se transcende, não é retido em si mesmo, tende a gerar vida, a multiplicar-se, a expandir-se. O amor exige, pressupõe, conduz à relação. Com efeito, o amor envolve uma relação amorosa, é na relação de duas pessoas que se torna efetivo e, eventualmente, visível. Assim, Aquele que ama, o Amante, relaciona-se com Aquele que acolhe/recebe o amor, o Amado. Ser pessoa, à imagem e semelhança de Deus, ser capaz de amar e ser amado. O amante, por sua vez, na correspondência do amor, torna-se também amado. Como pessoas, somos amantes e somos amados. É isso que nos faz seres únicos e irrepetíveis.

Deus Pai relaciona-Se plenamente no Seu Filho Jesus, na interligação do Espírito Santo. É este o mistério trinitário, no qual somos inseridos, pelo qual somos envolvidos e chamados à vida. Na verdade, sabemos que Deus nos ama porque nos revela esse amor em Jesus Cristo, na Sua vida, dada por inteiro, para que tenhamos vida em abundância.

3 – «Já não vos chamo servos, porque o servo não sabe o que faz o seu senhor; mas chamo-vos amigos, porque vos dei a conhecer tudo o que ouvi a meu Pai».

Jesus mostra bem qual é o Seu compromisso e o Seu alimento: «Como o Pai Me amou, também Eu vos amei. Permanecei no meu amor». Ele ama-nos e dessa forma responde ao amor do Pai. Mostra-nos essa relação filial, para que nos sintamos amados e, consequentemente, respondamos da mesma forma: como Ele nos ama, amemo-nos uns aos outros.

O objetivo, di-lo claramente, é para sermos felizes, «para que a minha alegria esteja em vós e a vossa alegria seja completa». Para correspondermos ao Seu amor só temos que guardar os Mandamentos que nos dá. Amar implica permanecer, permanecemos no Seu amor, se fizermos o que nos manda, tal como Ele guarda os mandamentos do Seu Pai e permanece no Seu amor. O Seu mandamento é simples, pelo menos nas palavras: «Que vos ameis uns aos outros, como Eu vos amei». É um mandamento que nos faz amigos de Jesus. Somos Seus amigos se amarmos os nossos irmãos, dos quais Ele Se faz amigo, próximo, pelos quais dá a vida, como Se fez próximo e amigo de cada um de nós: «Não fostes vós que Me escolhestes; fui Eu que vos escolhi e destinei, para que vades e deis fruto e o vosso fruto permaneça». Para permanecermos Seus amigos, só temos que esbanjar amor pelos outros.

«Tudo quanto pedirdes ao Pai em meu nome, Ele vo-lo concederá. O que vos mando é que vos ameis uns aos outros». A oração interliga-nos aos irmãos. Somos amigos de Jesus se guardarmos o Seu mandamento, isto é, se nos amarmos como irmãos, e, na condição de amigos, podemos pedir tudo ao Pai, em Seu nome. O que pedimos é também para os outros. É essa a lógica da oração e da ligação a Jesus.

4 – Ao iniciarmos a Eucaristia, logo a oração nos predispõe a acolhermos os desígnios de Deus, a Sua vontade: “Concedei-nos, Deus omnipotente, a graça de viver dignamente estes dias de alegria em honra de Cristo ressuscitado, de modo que a nossa vida corresponda sempre aos mistérios que celebramos”.

Honramos Cristo ressuscitado na medida em que nos assumimos amigos e irmãos, como Ele nos assumiu, agindo do mesmo modo, amando, servindo, perdoando, dando a vida pelos outros. Não há verdadeiro amor que não envolva sacrifício e entrega, gastar tempo e energias a favor do outro e, se necessário, também o que possuímos, pois o amor faz-nos esbanjadores.

O amor aos outros, sublinha São João, também na Carta que dirige à Igreja, decorre do amor que vem de Deus e é consequência e concretização desse amor: “Amemo-nos uns aos outros, porque o amor vem de Deus e todo aquele que ama nasceu de Deus e conhece a Deus. Quem não ama não conhece a Deus, porque Deus é amor. Assim se manifestou o amor de Deus para connosco: Deus enviou ao mundo o seu Filho Unigénito, para que vivamos por Ele. Nisto consiste o amor: não fomos nós que amámos a Deus, mas foi Ele que nos amou e enviou o seu Filho como vítima de expiação pelos nossos pecados”.

A iniciativa não é nossa, é de Deus. A originalidade em amar é de Deus. Cabe-nos a resposta, amando-O nos irmãos, como Jesus viveu e nos ensinou, tornando-nos responsáveis uns pelos outros.

5 – Amando os outros, como expressão e tradução do amor de Deus em nós, como resposta ao amor que Jesus nos revela, cabe-nos propagar com alegria este amor, anunciando-o em toda a parte, em todas as oportunidades e em todas as circunstâncias.

O amor é expansível, não se fecha, não nos isola nem nos afasta, mas faz-nos sair ao encontro da pessoa amada, ao encontro do outro. Quem está preenchido de amor, está em festa, e a festa só é possível com os outros. É válido para aqueles que conhecemos, para os conhecidos, para aqueles de quem gostamos, mas também em relação àqueles que gostamos menos e àqueles que viremos a conhecer. Pelo menos, o amor que nos une em Jesus. Ele dá a vida por mim e por ti. Dá a vida pela humanidade. Pelos discípulos daquele tempo, deste tempo, tu e eu, e pelos discípulos que hão de vir. Há outras ovelhas que ainda não estão no Seu redil e pelas quais Ele ora ao Pai e dá a Sua vida. Se Ele os inclui, não podemos nós excluí-los, pois dessa forma não estaríamos a ser autênticos discípulos missionários. Os discípulos querem o mesmo que o Mestre e missionam segundo as Suas palavras e a Sua vontade.

Diz Pedro a Cornélio: «Deus não faz aceção de pessoas, mas, em qualquer nação, aquele que O teme e pratica a justiça é-Lhe agradável». Por um lado, a certeza que é Deus que opera a conversão, ainda que conte connosco. Por outro, em Cristo somos iguais, somos irmãos. O amor tende a expandir-se, não a isolar-se. Deus é Amor, Amor que derrama e envolve a todos. “Ainda Pedro falava, quando o Espírito desceu sobre todos os que estavam a ouvir a palavra. E todos os fiéis convertidos do judaísmo, que tinham vindo com Pedro, ficaram maravilhados ao verem que o Espírito Santo se difundia também sobre os gentios, pois ouviam-nos falar em diversas línguas e glorificar a Deus“.

6 – O mandamento do amor – amai-vos uns aos outros como Eu vos amei, do jeito que Me gastei por vós – corresponde ao envio universal: ide por todo o mundo, anunciai o Evangelho e fazei discípulos de todas as nações. O ponto de partida é igual para todos, todos somos filhos amados de Deus. É a revelação de Jesus. Se há alguém que ignore o amor de Deus, tu e eu, temos a missão de lhe darmos a conhecer este grande mistério de amor que a todos abarca.

Pedro compreendeu que não podia limitar o amor de Deus, achando que só os judeus tinham direito a acolher Jesus Cristo. Na verdade, já os profetas e os salmistas tinham consciência que a eleição de Israel era a favor de toda a humanidade e as maravilhas realizadas por Deus pretendiam ser bênção para todos os povos da terra. Atentemos ao salmo, neste convite ao louvor: “Cantai ao Senhor um cântico novo pelas maravilhas que Ele operou. O Senhor deu a conhecer a salvação, revelou aos olhos das nações a sua justiça. Os confins da terra puderam ver a salvação do nosso Deus. Aclamai o Senhor, terra inteira, exultai de alegria e cantai”.

Ninguém é feliz sozinho. O amor imana-nos. A salvação contagia. Estamos no mesmo barco. Deus quer-nos a todos, porque a todos nos chamou à vida e a todos nos considera filhos, de primeira. Logo no início da Sagrada Escritura, a promessa de Deus, que se torna plena e visível em Cristo Jesus. Revela Deus a Abraão: “por ti serão abençoadas todas as nações da terra” (Gn 12, 4a).

Pe. Manuel Gonçalves


Leituras para a Eucaristia: Atos 10, 25-26. 34-35. 44-48; Sl 97 (98); 1 Jo 4, 7-10; Jo 15, 9-17.