Domingo VII do Tempo Comum – ano A – 2023

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Domingo VII do Tempo Comum – ano A – 2023

1 – «Olho por olho e dente por dente». É ditado antigo e corresponde à chamada Lei de Talião. Levado à letra, por certo, seríamos todos cegos e desdentados, pois não supõe perdão ou comutação de penas. Em todo o caso, é um avanço considerável no plano da justiça, já que coloca limites à vingança ou à retaliação. A resposta a uma agressão terá de ser na mesma proporção. Se te cortam um braço, não podes cortar uma cabeça; se te matam uma ovelha, tens direito a outra daquele que te matou a tua.

No livro do Êxodo diz-se que se algum homem ferir uma mulher grávida, um dos exemplos, e se houver dano grave, “então darás a vida por vida, olho por olho, dente por dente, pé por pé, queimadura por queimadura, ferida por ferida, golpe por golpe”. E continua: “se alguém ferir o olho do seu escravo ou o olho da sua serva, e o inutilizar, deixá-lo-á livre pelo seu olho. Se fizer cair um dente do seu escravo ou um dente da sua serva, dar-lhe-á liberdade pelo seu dente” (Ex 21, 24ss). A preocupação é benevolente, procura evitar desproporcionalidade e, como se pode ver, nalguns casos, a reparação vai além de paga igual. Faz-se também a distinção entre a ignorância – se um boi ferir alguém, será apedrejado e morto e a sua carne não será comida, mas o dono será absolvido – e a negligência – se o dono sabia que o boi marrava e não se precaveu, ferindo alguém, será morto o boi e o dono!

2 – No Sermão da Montanha, Jesus insiste que não basta evitar o mal, é necessário fazer o bem, perdoar, construir pontes de diálogo e paz. «Eu, porém, digo-vos: Não resistais ao homem mau. Mas se alguém te bater na face direita, oferece-lhe também a esquerda. Se alguém quiser levar-te ao tribunal, para ficar com a tua túnica, deixa-lhe também o manto. Se alguém te obrigar a acompanhá-lo durante uma milha, acompanha-o durante duas. Dá a quem te pedir e não voltes as costas a quem te pede emprestado».

Mas atenção, o mandamento de Jesus não é um convite ao perpetuar de injustiças, pois a misericórdia pressupõe a justiça. Trata-se de não responder com violência à violência, sabendo que se cairá num círculo vicioso que multiplicará a violência, alargando os intervenientes na família e nos grupos de amigos. A dinâmica diz-me respeito e a ti, se reagimos em tons de violência e agressão, ou se colocamos um ponto final e apostamos em corrigir, pacificamente, as injustiças.

E Jesus continua: «Ouvistes que foi dito: ‘Amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo’. Eu, porém, digo-vos: Amai os vossos inimigos e orai por aqueles que vos perseguem, para serdes filhos do vosso Pai que está nos Céus; pois Ele faz nascer o sol sobre bons e maus e chover sobre justos e injustos. Se amardes aqueles que vos amam, que recompensa tereis? Não fazem a mesma coisa os publicanos? E se saudardes apenas os vossos irmãos, que fazeis de extraordinário? Não o fazem também os pagãos? Portanto, sede perfeitos, como o vosso Pai celeste é perfeito».

A referência é Deus Pai e a Sua perfeição. Mais do que nos guiarmos pelos nossos impulsos, ponderemos, procurando guiar-nos pelos desígnios amorosos de Deus. Jesus desafia-nos a amar os próprios inimigos e a rezar por eles, porque, mesmo que nos tenham feito mal, continuam a ser filhos amados de Deus, que é Pai de todos, bons e maus.

3 – Na fidelidade à mensagem e ao agir de Jesus, São João da Cruz dirá que o amor se paga com amor. Esta expressão tornou-se um ditado popular conhecido, mas que é, habitualmente, usado em sentido diverso. Amor com amor se paga equivale a outra máxima: pagar com a mesma moeda. É um sentido negativo que pressupõe responder a uma ofensa ou agressão com a mesma medida. Nesta perspetiva estaríamos apenas na lei de talião.

Deus amou-nos de tal forma que nos entregou o Seu Filho muito amado. O amor de Deus é pleno. Jesus mostra-no-lo ao gastar-Se inteiramente a favor da humanidade. Sem reservas nem condições. Não tem a ver com merecimentos. Não é por sermos bons. Oferece a Sua vida porque nos ama, porque nos quer bem, porque quer que a nossa vida seja abundante, feliz e abençoada, e duradoura. É a vontade do Pai concretizada, traduzida e realizada n’Ele. Os pais fazem o que fazem pelos filhos antes de estes o merecerem ou fazerem algo por isso, e continuam a fazer tudo pelos filhos mesmo que eles sejam ingratos e injustos. Assim age Deus connosco.

Ora, é a este amor imenso que nos cabe responder, amando, cuidando e servindo os irmãos. É a lógica de São João da Cruz assente no Evangelho, na vida, morte e ressurreição de Jesus. O amor que acolhemos há de expandir-se e aprofundar-se no amor aos outros. É a vingança do cristão: amar. Amar, perdoar e servir, mesmo no meio da ingratidão e da injustiça.

4 – Através de Moisés, Deus faz saber os Seus desígnios de amor. Deus é o Deus do Povo na medida em que o Povo procura estar e viver sintonizado com a Sua vontade. O caminho é o da santidade e a referência é o próprio Deus. «Sede santos, porque Eu, o Senhor, vosso Deus, sou santo».

Em que consiste a santidade: «Não odiarás do íntimo do coração os teus irmãos, mas corrigirás o teu próximo, para não incorreres em falta por causa dele. Não te vingarás, nem guardarás rancor contra os filhos do teu povo. Amarás o teu próximo como a ti mesmo».

A santidade expressa-se e vive-se no amor, procurando “resgatar” o outro, não com vinganças e ódios, mas com amor. O bem que queremos para nós havemos de o querer para os outros, agindo em conformidade. Jesus dilatará o nosso coração para que amemos, não apenas na medida do que somos, limitados e finitos, mas na medida do Seu amor, total, infinito, perfeito, sem condições.

Deus age, na Sua sabedoria e no Seu amor, do lado do perdão e da bênção, como reza o salmista: «Ele perdoa todos os teus pecados e cura as tuas enfermidades; salva da morte a tua vida e coroa-te de graça e misericórdia. / O Senhor é clemente e compassivo, paciente e cheio de bondade; não nos tratou segundo os nossos pecados, nem nos castigou segundo as nossas culpas. / Como o Oriente dista do Ocidente, assim Ele afasta de nós os nossos pecados; como um pai se compadece dos seus filhos, assim o Senhor Se compadece dos que O temem».

É o motivo para Lhe respondermos, em tons de louvor e ação de graças: «Bendiz, ó minha alma, o Senhor e todo o meu ser bendiga o seu nome santo. Bendiz, ó minha alma, o Senhor e não esqueças nenhum dos seus benefícios».

5 – São Paulo sublinha a santidade e a sabedoria de Deus que deve orientar as nossas escolhas como discípulos de Jesus Cristo. Mais que os nossos méritos, devemos assentar certezas no Espírito de Deus que nos habita. Não temos que nos gloriar, para sermos referência para os outros ou para nos colocarmos em patamar superior. Tudo nos vem de Deus. Tudo é de Cristo.

«Ninguém tenha ilusões. Se alguém entre vós se julga sábio aos olhos do mundo, faça-se louco, para se tornar sábio. Porque a sabedoria deste mundo é loucura diante de Deus, como está escrito: ‘Apanharei os sábios na sua própria astúcia’. E ainda: ‘O Senhor sabe como são vãos os pensamentos dos sábios’. Por isso, ninguém deve gloriar-se nos homens. Tudo é vosso: Paulo, Apolo e Pedro, o mundo, a vida e a morte, as coisas presentes e as futuras. Tudo é vosso; mas vós sois de Cristo, e Cristo é de Deus».

Somos templo do Espírito Santo, deixemos que prevaleça em nós a santidade de Deus. “Concedei-nos, Deus todo-poderoso, que, meditando continuamente nas realidades espirituais, pratiquemos sempre, em palavras e obras, o que Vos agrada”.

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia (A): Lv 19, 1-2. 17-18; Sl 102 (103); 1Cor 3, 16-23; Mt 5, 38-48.