Domingo X do Tempo Comum – ano B – 2024

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Domingo X do Tempo Comum – ano B – 2024

1 – É possível que ouçamos o rumor dos passos do Senhor a caminhar no nosso jardim! Por vezes os Seus passos assustam-nos porque estamos nus, temos medo do Seu olhar, e talvez pensemos que a Sua misericórdia tenha limites. Mas o problema não é estarmos despidos diante do Senhor, sem as nossas máscaras, o problema é a falta de confiança no Seu amor, a falta de cumplicidade com um Pai que nos ama com o coração de Mãe. É possível que não possamos voltar atrás, é possível que nos tenhamos desabituado do olhar de Deus e O sintamos como um intruso, um intrometido, que queremos afastar, manter longe da nossa vista. Talvez tenhamos deixado de ter aquela cumplicidade que nos fazia correr para os Seus braços, a intimidade que desejamos para encontrar um olhar translúcido de amor, de carinho e de ternura! Há de chegar o tempo em que sentiremos saudades daquele olhar, daquele abraço, sem precisarmos de nos vestir, de nos disfarçarmos, de arranjarmos barreiras!

Houve um tempo em que as nossas Mães nos trouxeram ao colo, nos amamentaram, nos deram banho, nos mudaram as fraldas! Se calhar até temos pudor e recato em falar desse tempo que não nos lembramos mas que sabemos que existiu! Com os anos fomos fazendo a experiência de uma privacidade que anulou aquela intimidade, pele com pele, fomos fechando o quarto, fomo-nos vestindo, deixamos de aparecer nus diante dos nossos pais. E já crescidos acharíamos estranho despir-nos diante deles, pois tal intimidade já não se expressa da mesma maneira.

«Onde estás?». Pergunta Deus a Adão. Onde estás, pergunta-nos Deus! A resposta de Adão mostra o medo e a vergonha: «Ouvi o rumor dos vossos passos no jardim e, como estava nu, tive medo e escondi-me». Como é que nós respondemos a Deus? Temos medo? Vergonha? Achamos que nos exige mais do que estamos dispostos a dar?

2 – Jesus torna audíveis e visíveis os passos de Deus. Podemos continuar a esconder-nos. Deus não Se esconde, pelo contrário, procura-nos, vem ao nosso jardim, ao nosso mundo, chama-nos pelo nome, quer-Se perto de nós. Podemos olhar para o lado, fazer de conta que não é connosco, mas não é possível ignorar que é a nós que Jesus nos chama!

O nosso olhar pode ficar turvo, o nosso coração pode endurecer como pedra, a nossa memória pode adoecer, a nossa vontade pode fraquejar, mas Deus não desiste. Não desistiu de Adão. Não desistiu de Caim. Não desistiu de Noé e dos seus filhos. Apostou em Abraão. Apostou em Moisés. Apostou em Josué. Confiou em David e em Salomão. Confiou em Elias e em Amós. Não cessou de insinuar o Seu rosto e a Sua presença, não tanto na tempestade e na confusão, mas na brisa suave, respeitando-nos na nossa liberdade. Sem Se impor, mas não deixando de Se propor!

É então que, na plenitude dos tempos, Deus vem em carne e osso, encarnando, dando-nos o Seu Filho muito Amado! Não dá mais para ignorar, Deus está no meio de nós. O sim de Deus à humanidade encontra o “sim” de Maria e nasce Jesus, Deus connosco.

Jesus vem fazer a vontade do Pai! Seremos Seus discípulos e Seus parentes se O imitarmos. As Suas palavras são inequívocas: «Quem fizer a vontade de Deus esse é meu irmão, minha irmã e minha Mãe».

3 – O ministério de Jesus é transparente em toda a Sua vida. Ele vem para nos libertar de todos os demónios e de tudo o que nos escraviza, mostrando-nos a beleza e o bem, a verdade e o amor, o perdão e a misericórdia, a compaixão e a ternura. É acusado de blasfémia, é apontado por comer com pecadores e publicanos e de Se fazer rodear de gente pouco recomendável, por pobres e mulheres, por crianças e estrangeiros.

Mas as acusações que Lhe são imputadas são o melhor elogio que se Lhe podia fazer e o reconhecimento da Sua opção preferencial pelos mais pobres, pelos excluídos, por todos os que se encontram à margem, nas periferias existenciais, culturais e até religiosas. O Seu labor é trazer-nos Deus, abrir-nos as portas da vida divina, mas muitas vezes é visto como um rival, um inimigo a abater, pois desinstala, provoca, desafia a darmos o melhor e a colocarmo-nos ao serviço dos outros. Como Ele faz. O discípulo não é maior que o Mestre, logo deve fazer do mesmo modo!

A Sua família (humana) é metida ao barulho. Não deve ter sido fácil para Maria escutar as fofocas acerca do seu querido Filho. Confia em Jesus, sabe quem criou, mas não deixa de se preocupar e acorrer para se inteirar do que se passa. Será que Jesus enlouqueceu? Estará possesso? A resposta de Jesus é esclarecedora, mas é também oportunidade para avivar a Sua missão: libertar-nos de todo o mal.

Por outro lado, as condições do seguimento centram-se no concretizar a vontade de Deus. Se tivermos dúvidas quanto à vontade de Deus, olhemos para Jesus, escutemos as Suas palavras, insiramo-nos nas Suas parábolas, procuremos ver como Ele age em cada situação! «Deus, fonte de todo o bem, ensinai-nos com a vossa inspiração a pensar o que é reto e ajudai-nos com a vossa providência a pô-lo em prática».

4 – Somos responsáveis uns pelos outros e pelo mundo que habitamos. Cabe-nos zelar para que o mundo continue a ser um Paraíso, mesmo sabendo de antemão das nossas limitações, do nosso pecado e do nosso egoísmo, num espaço em que nos sintamos em casa, membros da mesma família que tem origem em Deus e para Deus se encaminha.

Pelo meio lá vamos sacudindo a água do capote! «A mulher que me destes por companheira deu-me do fruto da árvore e eu comi»! «A serpente enganou-me e eu comi»! Reconhecer que estamos a caminho, que temos a nossa quota-parte de responsabilidade na transformação do mundo, dá-nos a possibilidade de interagirmos com os outros para em conjunto cuidarmos do Jardim.

5 – São Paulo faz-nos ver outro patamar da nossa vida e da nossa relação com Deus. Aquele que nos criou por amor não quer perder-nos, não quer que nos percamos. O amor, bem entendido, anseia pela eternidade. Quem ama quer que o amor permaneça para sempre e que a pessoa amada viva além do tempo. As nossas escolhas e as nossas vivências dependem do caminho a percorrer e da meta a alcançar. Se estamos empenhados numa tarefa, mas esta surgir apenas como um momento para passar ou preencher o tempo, logo chegará o desencanto e o cansaço. Se o que fazemos tem sentido para agora e também porque perdurará connosco, então até os momentos negativos podem ser enquadrados num projeto que não se esgota aqui, que não se destrói em definitivo.

Com efeito, diz-nos o Apóstolo, “Aquele que ressuscitou o Senhor Jesus também nos há de ressuscitar com Jesus e nos levará convosco para junto d’Ele… Ainda que em nós o homem exterior se vá arruinando, o homem interior vai-se renovando de dia para dia. Porque a ligeira aflição dum momento prepara-nos, para além de toda e qualquer medida, um peso eterno de glória. Não olhamos para as coisas visíveis, olhamos para as invisíveis: as coisas visíveis são passageiras, ao passo que as invisíveis são eternas. Bem sabemos que, se esta tenda, que é a nossa morada terrestre, for desfeita, recebemos nos Céus uma habitação eterna, que é obra de Deus e não é feita pela mão dos homens».

6 – Senhor, agora que sei que o rumor no meu jardim eram os Teus passos…

Agora que percebi que era a Tua voz que me chamava pelo nome…

Agora, Senhor, que o meu olhar encontrou o Teu olhar, ou melhor, que Tu quiseste ver-Me…

Agora que sei que vieste ao meu encontro, quiseste habitar comigo…

Ilumina-me, Senhor, com o Teu Espírito, com o fogo do Teu amor…

Senhor, faz com que me sinta perdoado e amado pelo Teu abraço,

Que nos momentos bons, saiba ser grato por tantas bênçãos…

Que nos momentos maus, saiba que não foste embora…!

Agora que me encontraste, não me deixes afastar-me de Ti, do Teu olhar, do Teu amor

Agora que sei que me assumiste como filho no Teu Filho Jesus…

Agora que sei que faço parte da Tua família,

Que saiba fazer com que sejas parte da minha família…

Faz-me atento e disponível, para Te escutar, Te amar, para Te seguir,

Faz-me dócil para acolher a Tua palavra e procurar a Tua vontade…

E como Maria saiba dizer, saiba dizer-Te: faça-se em mim segunda a Tua palavra!

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia (ano B): Gen 3, 9-15; Sl 129 (130); 2 Cor 4, 13 – 5, 1; Mc 3, 20-35.