Domingo XIII do Tempo Comum – ano B – 2024

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Domingo XIII do Tempo Comum – ano B – 2024

1 – Deus não é um Deus de mortos, mas de vivos, como claramente o afirma Jesus (cf. Mc 12, 18-27), é Deus de Abraão, de Isaac e Jacob, de Moisés e Elias, de Isaías e Jeremias, é o Deus de nossos pais (cf. Atos 3,13), de João Batista e de Jesus Cristo. É a vida em abundância que Deus quer para aqueles que criou por amor e cuja vinda ao mundo do Seu Filho Jesus Cristo o explicita: Eu vim para que tenham a vida e a vida em abundância (Jo 10,10). É o bom Pastor que dá a vida pelas ovelhas, que carrega com as mais débeis aos ombros e que as conduz às melhores pastagens.

A primeira leitura, do livro da Sabedoria, mostra esta certeza inabalável: “Não foi Deus quem fez a morte, nem Ele Se alegra com a perdição dos vivos. Pela criação deu o ser a todas as coisas, e o que nasce no mundo destina-se ao bem. Em nada existe o veneno que mata, nem o poder da morte reina sobre a terra, porque a justiça é imortal. Deus criou o homem para ser incorruptível e fê-lo à imagem da sua própria natureza. Foi pela inveja do Diabo que a morte entrou no mundo, e experimentam-na aqueles que lhe pertencem”.

Como é que continua a perpassar a ideia que Deus é terrífico, sequioso de vingança, de sacrifício dos homens e das mulheres, que é um vigilante justiceiro, sempre pronto para destruir, para castigar, para exigir?!

O texto inspirado da Sabedoria não poderia ser mais clarificador. Deus não se alegra com o sofrimento das pessoas. Quantas vezes o dizemos: Ele sofreu, logo temos de sofrer com paciência?! É urgente modificar o paradigma: Ele amou, até ao fim, gastando-Se por inteiro. “Amo, logo existo” (Pe. João André, Da minha janela). De que forma, hoje, aqui e agora (hic et nunc), posso amar melhor? Tudo o que Deus criou e nos confiou destina-se à vida e ao bem. Somos imagem e semelhança de Deus, pertencemos-Lhe. A nossa natureza liga-nos à eternidade, à vida em Deus.

A morte física faz parte da nossa condição humana e finita. Somos criaturas. O que tem origem também tem um termo. Com o pecado, adveio outra morte: a dúvida, a desconfiança, a hesitação, a falta de fé ou uma fé muito incipiente. Perdeu-se a ligação a Deus, a confiança no Criador. Quisemos cortar o cordão umbilical e perdemos a familiaridade, colocamos barreias onde havia comunhão, proximidade e cumplicidade. Agarrámo-nos ao presente, à vida biológica, à história, à terra. A cumplicidade com o Céu dilui-se ao ponto de nos esquecermos da nossa origem.

2 – Compreende-se, portanto, que a missão de Jesus seja salvar, envolver, curar, reabilitar, incluir e inserir na comunidade dos filhos de Deus, promover o bem, a verdade, a justiça, a conciliação entre todos, a solidariedade, a partilha efetiva e concreta de bens materiais e espirituais. A defesa dos mais desfavorecidos não procura desfavorecer os demais mas criar iguais oportunidades para que todos possam viver em abundância, sentindo-se filhos e herdeiros de Deus, irmãos, família, incluídos, parte importante da sociedade atual, responsáveis pelo mundo a que pertencem. Por conseguinte, muitas vezes se refere, no ponto concreto da relação entre pessoas e povos, que só é possível diálogo e concertação entre iguais, e não entre uma pessoa/povo credor e uma pessoa/povo sujeito de ajuda. Aí haverá domínio e imposição!

Enquadram-se nesta dinâmica as curas narradas no Evangelho de São Marcos: “Jesus olhou em volta, para ver quem O tinha tocado. A mulher, assustada e a tremer, por saber o que lhe tinha acontecido, veio prostrar-se diante de Jesus e disse-Lhe a verdade. Jesus respondeu-lhe: «Minha filha, a tua fé te salvou».

Antes deste encontro, já um dos chefes da Sinagoga tinha suplicado a intervenção e Jesus. Entretanto, com esta paragem para atender esta pobre mulher, chega a triste notícia: «A tua filha morreu. Porque estás ainda a importunar o Mestre?». Mas Jesus, ouvindo estas palavras, disse ao chefe da sinagoga: «Não temas; basta que tenhas fé». A fé! Um dom que nos salva da morte! Chegados a casa do chefe da Sinagoga, Jesus”entrou no local onde jazia a menina, pegou-lhe na mão e disse: «Talita Kum», que significa: «Menina, Eu te ordeno: Levanta-te». Ela ergueu-se imediatamente e começou a andar, pois já tinha doze anos”.

No primeiro caso, uma mulher há muito afastada do convívio saudável, cujas maleitas físicas não lhe permitiam viver em sociedade, e integrar-se na vivência religiosa. A sua doença é também espiritual e “social”. Vê-se obrigada a sobreviver. Jesus cura-a e integra-a. Doravante estará como igual na família e nas relações sociais e religiosas.

No segundo caso, a certeza que Jesus vem salvar, redimir, devolver-nos a uma vida nova, pré-anunciada na ressurreição desta menina, ao mesmo tempo que dá tempo e vida a esta família. Ele está definitivamente do nosso lado. Caminha connosco. Também está connosco quando sofremos.

As adversidades são inevitáveis, a fé far-nos-á sentir a presença de Deus, dando a confiança para prosseguirmos, alimentando a esperança firme de que a última palavra é do Senhor da vida e do tempo.

3 – A vocação do cristão é seguir Jesus Cristo, imitá-l’O, acolhendo a vontade de Deus, fazendo com que seja o verdadeiro alimento, prosseguindo para se tornar perfeito e misericordioso como Deus, incluindo, sendo bênção para os outros, em palavras e em gestos, pela boca e pela vida, fazendo o que está ao seu alcance para acudir a todos, dando o melhor de si, comprometendo-se desde logo com as pessoas que Deus colocou à sua beira. Somos cristãos também em casa, ou sobretudo em casa, com a família. Cuidar da família e ter paciência com o marido ou a esposa, com os filhos, com os pais ou com os irmãos, nem sempre é fácil e muitas vezes não é a prioridade. A delicadeza, a atenção, o cuidado são para com os outros, os de fora, os estranhos. Mas é em casa que começa o testemunho e a veracidade da nossa fé e o seguimento de Jesus Cristo, prosseguindo para a vizinhança.

Reflitamos, atenta e demoradamente, nas palavras do apóstolo São Paulo: “Já que sobressaís em tudo – na fé, na eloquência, na ciência, em toda a espécie de atenções e na caridade que vos ensinámos – deveis também sobressair nesta obra de generosidade. Conheceis a generosidade de Nosso Senhor Jesus Cristo: Ele, que era rico, fez-Se pobre por vossa causa, para vos enriquecer pela sua pobreza. Não se trata de vos sobrecarregar para aliviar os outros, mas sim de procurar a igualdade. Nas circunstâncias presentes, aliviai com a vossa abundância a sua indigência para que um dia eles aliviem a vossa indigência com a sua abundância”.

São Paulo sublinha a fé dos coríntios, mas desafia-os a dar corpo a essa fé, na coleta para com a comunidade de Jerusalém, cujas perseguições, provocou carências e necessidades. O apóstolo dá como exemplo a generosidade dos macedónios que, embora pobres, foram exemplares. Agora é a vez dos coríntios mostrarem como a fé se converte em generosidade!

Mastiguemos bem, ruminemos estas palavras, abrindo-nos para o compromisso sério com os outros. É aqui que podemos e devemos intrometer-nos na vida dos outros. Somos guardas dos nossos irmãos. Somos corresponsáveis pela sua felicidade. A intromissão na vida alheia, para o cristão, vale apenas e quando há um claro empenho por ajudar, sem expor, por promover uma vida condigna e humana. Não podemos ser Abel nem Pilatos, não lavamos as mãos, não nos descartamos dos outros. É com os outros que vamos até ao Céu de Deus.

4 – A comunhão com os outros é saudável na medida em que nos reconhecemos como iguais e, mais ainda, como irmãos. O fundamento duradouro e inabalável é o próprio Deus. N’Ele nos reconheceremos como filhos, portanto, irmãos, sem privilégios ou poder sobre os demais, quando muito, a primazia há de ser do serviço, ao jeito de Jesus que, sendo rico, Se faz pobre para nos enriquecer com a Sua pobreza, com o Seu amor.

Com o salmo, respondemos à palavra de Deus, em modo de súplica, ação de graças, louvor, confiança no Seu amor: “Eu Vos glorifico, Senhor, porque me salvastes / Tirastes a minha alma da mansão dos mortos, vivificastes-me para não descer ao túmulo. / Ao cair da noite vêm as lágrimas e ao amanhecer volta a alegria. / Ouvi, Senhor, e tende compaixão de mim, / Senhor, sede Vós o meu auxílio. / Vós convertestes em júbilo o meu pranto: Senhor meu Deus, eu Vos louvarei eternamente”.

A oração é o terreno fértil para alimentarmos a fé, granjeando a cumplicidade com Deus, certos que Ele nos salva, nos protege e nos garante vida além da vida. Assim iniciamos a Eucaristia: “Senhor nosso Deus, que, pela graça de adoção nos tornastes filhos da luz, não permitais que sejamos envolvidos pelas trevas do erro, mas permaneçamos sempre no esplendor da verdade”.

Unidos a Ele, em comunhão com todos, ao serviço dos irmãos, para cuidarmos, prevalentemente, dos mais desprotegidos.

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia: Sab 1, 13-15; 2, 23-24; 2 Cor 8, 7.9.13-15; Mc 5, 21-43.