Domingo XIII do Tempo Comum – B – 2021

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Domingo XIII do Tempo Comum – B – 2021

1 – «A tua filha morreu. Porque estás ainda a importunar o Mestre?»

Acalmar as ondas do mar, vá que não vá! Ressuscitar os mortos é “fora da caixa”, escapa completamente a qualquer possibilidade racional! Fomos aprisionando Deus nos Céus, transformando a autonomia (do mundo) em independência. Acreditamos, mas apoiamo-nos sobretudo nas nossas forças, talentos, engenho e arte, esforço e intuição. Deus inspira-nos, mas somos nós que realizamos a vida, fazemos a história, construímos ou destruímos o mundo. Deus será o que nós quisermos e encaixará nas paredes racionalistas da cultura e da ciência.

O povo judeu olhou para os acontecimentos da sua história e percebeu que Deus agiu, guiando-o pelas adversidades, no Egipto e no deserto, no regresso à terra prometida, em tempos de paz e de guerra, no exílio e na pátria, em casa e na diáspora. Deus não está ausente da história e faz-Se presente nos acontecimentos e através de mensageiros, patriarcas, juízes, reis, profetas e sacerdotes. É possível ver a nuvem de fogo e saborear o maná, recolher as codornizes e alcançar a paz.

A fé vai amadurecendo, Deus comunica-Se ao povo de Israel e, através de Israel, aos povos do mundo inteiro. Acolhe-Se nas circunstâncias de cada pessoa e de cada comunidade. Houve épocas e culturas que acentuaram a superstição e o medo de Deus, a Quem era necessário aplacar a ira, um Deus juiz e guerreiro. O judaísmo revela um Deus bom e misericordioso, que age com sabedoria e compaixão. O sonho de Deus, desde a criação, é a harmonia entre todos os homens, entre todos os povos, e com a própria natureza. Jesus revela-nos um Deus que, sendo Pai, é Amor, que não apenas Se aproxima, mas faz-Se um de nós, caminha connosco, está vivo na história e no evoluir do tempo. A partir de certa altura apossámo-nos de Deus e retirámos-lhe o poder de intervir no mundo, cristalizamos as leis da natureza, contrapusemos à omnipotência divina a afirmação do poder humano, da ciência e da técnica. Privatizamos a fé, a religião, e retirámos Deus da história e do dia a dia.

2 – «A minha filha está a morrer. Vem impor-lhe as mãos, para que se salve e viva».

Um dos graves défices na nossa vida, na família, nas nossas comunidades e no mundo é mesmo a falta de fé. Temos uma fezada ou, em alternativa, confiamos em Deus, mas sempre com cuidado para não ofender o diabo. A religiosidade atual tem menos de fé e de luz e mais de superstições, trevas, medos e ameaças. Jesus expulsou muitos espíritos impuros e limpou a fé das escravidões mágicas e temerosas. Esquecendo Deus, esquecendo-O como Pai, facilmente recaímos em medos diabólicos, e deixamos de ser irmãos. Depois agarramo-nos a qualquer coisa ou a coisa nenhum. No Evangelho, Jesus revela-nos um Deus que intervém, que está connosco e caminha na nossa vida, um Deus que salva, cura e ressuscita. Nem sempre compreenderemos todo o mistério, mas transparece, com Jesus, a certeza que Deus não é passível de ser encerrado nos nossos limites racionais.

Deus é Pessoa e uma das características da pessoa é a relação. Ele relaciona-Se connosco, pois nos criou à Sua imagem e semelhança. Se tiramos a Deus a possibilidade de Se relacionar connosco, se O esvaziarmos da capacidade de amar, ficaremos mais sós e talvez vazios. Se retirarmos a Deus o poder de agir no mundo deixamos de ter Deus. Se ficarmos sem Deus, acabaremos por substituí-l’O por uma pessoa, um povo ou uma ideologia. Nesse caso, o homem tornar-se-á a medida das leis e dos direitos, que mudarão conforme mudam as vontades.

Há oito dias, no Evangelho, Jesus transparece o cuidado pelos discípulos e a intervenção em relação ao mar e a tempestades. Não anula as leis da criação, de que é origem, mas também não anula a Sua omnipotência. Jesus tem poder e traz o poder de Deus para acalmar as tempestades do mar e da nossa vida. Hoje, sobressai o amor de salvar, curar, ressuscitar, dar vida.

3 – Jairo, um dos chefes da Sinagoga, aproxima-se e suplica-lhe por ajuda: «A minha filha está a morrer. Vem impor-lhe as mãos, para que se salve e viva». A resposta de Jesus é imediata. Connosco seria diferente, pois temos uma agenda preenchida e nem sempre nos dá jeito ir, ajudar, ouvir, sentar, falar, perceber o mistério e as dificuldades do outro. Há uma multidão que rodeia e aperta Jesus por todos os lados.

Focado em socorrer a filha de Jairo, a atenção de Jesus e a Sua disponibilidade não estão suspensas, pois, pelo caminho, uma mulher aproxima-se e toca-Lhe no manto: «Se eu, ao menos, tocar nas suas vestes, ficarei curada». A mulher irrompe por entre a multidão, chega-se à frente, até Jesus, até Lhe tocar nas roupas. É possível que tivesse receio de se mostrar. Tem uma história de sofrimento, de exclusão e escondimento. Não tem vida social. Há muito tempo tem um fluxo de sangue que a impedem de conviver, estando também impedida de aceder ao culto. Aproxima-se sorrateiramente e obtém o que suplica com fé.

Jesus chama-a. Todos merecem atenção, também os doentes, também os pobres e os pequeninos. Ele sentiu que a Sua força foi bênção e cura para alguém. Os discípulos, e nós com eles, ficam atónitos, não querem acreditar que Ele tenha percebido alguém concreto no meio de empurrões e apertos. A verdade, contudo, é que Deus nos vê e nos escuta, mesmo quando somos invisíveis e indiferenciáveis no meio da multidão. Esta mulher deixa-se descobrir por Jesus. Primeiro a cura. Depois da salvação: «Minha filha, a tua fé te salvou».

A falta de fé encerra-nos nos nossos esquemas e capacidades, que ao longo do tempo, se manifestarão insuficientes para realizarmos a vida e nos sentirmos abençoados, apesar e além dos contratempos e fragilidades.

4 – «A tua filha morreu. Porque estás ainda a importunar o Mestre?».

Há dias uma criança desapareceu de casa. O pai saiu de madrugada para trabalhar e o filho, Noah, acordou e foi ao seu encontro. A mãe só se apercebeu quando foi chamar os filhos para tomarem o pequeno-almoço. Durante 36 horas os pais viveram horas de aflição, mas com esperança de encontrar o filho com vida. Juntaram-se-lhes autoridades e voluntários. Para alguns, nas primeiras horas, a sentença: mais uma Maddie. Está tudo perdido. Mas prevaleceu a firmeza de o encontrar. E em toda a parte não faltou a oração confiante para que Deus protegesse o menino e este fosse encontrado com vida.

Perante as notícias que chegam de sua casa, para Jairo e para a multidão, parece que já não há mais nada a fazer. Tudo está consumado. Mas a Deus tudo é possível. «Não temas; basta que tenhas fé».

Não basta que as pedras se transformem em pão, é necessário que as sementes sejam lançadas à terra, e esta seja trabalhada, cuidada, para que a seu tempo o fruto se possa recolher, se converta em pão e em partilha.

5 – «Porquê todo este alarido e tantas lamentações? A menina não morreu; está a dormir».

Ao alarido e lamentações, Jesus contrapõe a fé e a confiança no Deus da vida.

Como reagiríamos às palavras de Jesus? Talvez fizéssemos com os circunstantes, rindo-nos de Jesus. Porém, Ele não se deixa afetar pela incredulidade. Lleva consigo Pedro, Tiago e João e o pai da menina. “Entrou no local onde jazia a menina, pegou-lhe na mão e disse: «Talita Kum», que significa: «Menina, Eu te ordeno: Levanta-te». Ela ergueu-se imediatamente e começou a andar, pois já tinha doze anos”.

O impossível para nós, pela fé, pela ação de Deus, torna-se possível. Como em outros momentos, Jesus recomenda descrição, não há lugar a exibicionismo, e manda que deem de comer à menina, mostrando atenção e sensibilidade para com uma necessidade básica.

6 – No livro da Sabedoria, desmistifica um pouco velhas imagens sobre Deus. Ao invés de um Deus distante, vindicativo, violento, o sábio de Israel contrapõe para a benevolência divina e com a Sua misericórdia. “Não foi Deus quem fez a morte, nem Ele Se alegra com a perdição dos vivos. Pela criação deu o ser a todas as coisas, e o que nasce no mundo destina-se ao bem. Em nada existe o veneno que mata, nem o poder da morte reina sobre a terra, porque a justiça é imortal. Deus criou o homem para ser incorruptível e fê-lo à imagem da sua própria natureza. Foi pela inveja do Diabo que a morte entrou no mundo, e experimentam-na aqueles que lhe pertencem”.

Se Deus cria, não cria para a destruição, mas para o bem. Quem se deixa enrodilhar pela maldade diaboliza a vida como dom e como bênção. O salmista reza a confiança em Deus que salva, fazendo sobressair a Sua bondade: “Eu Vos glorifico, Senhor, porque me salvastes… Tirastes a minha alma da mansão dos mortos, vivificastes-me para não descer ao túmulo. / A sua ira dura apenas um momento e a sua benevolência a vida inteira. Ao cair da noite vêm as lágrimas e ao amanhecer volta a alegria”.

Como estamos sujeitos às contingências espácio-temporais, socorremo-nos da oração para que em nós opere a bondade de Deus. “Senhor, que pela vossa graça nos tornastes filhos da luz, não permitais que sejamos envolvidos pelas trevas do erro, mas permaneçamos sempre no esplendor da verdade”.

7 – «Ele, que era rico, fez-Se pobre por vossa causa, para vos enriquecer pela sua pobreza».

A vida em abundância multiplica-se pela partilha, pelo compromisso com os outros, procurando, em tudo, agir em conformidade com Jesus, que veio, não para ser servido, mas para servir e dar a vida por todos.

Aos coríntios, Paulo sublinha as qualidades que possuem: “Já que sobressaís em tudo – na fé, na eloquência, na ciência, em toda a espécie de atenções e na caridade que vos ensinámos”! Logo depois apela a generosidade para com a comunidade de Jerusalém, que passava por dificuldades. A referência é Jesus que Se gasta por inteiro, até à morte, a nosso favor.

A generosidade procura a justiça e a igualdade. “Não se trata de vos sobrecarregar para aliviar os outros, mas sim de procurar a igualdade. Nas circunstâncias presentes, aliviai com a vossa abundância a sua indigência para que um dia eles aliviem a vossa indigência com a sua abundância”. A regra de ouro, faz aos outros o que queres que te façam a ti, é plenizada com a referência a Jesus que não Se guarda nem guarda nada para Si.

Pe. Manuel Gonçalves


Leituras para a Eucaristia: Sab 1, 13-15: 2, 23-24; Sl 29 (30); 2 Cor 8, 7. 9. 13-15; Mc 5, 21-43.