Domingo XIV do Tempo Comum – ano A – 2023

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Domingo XIV do Tempo Comum – ano A – 2023

1 – Só a humildade nos permite aprender, dialogar, partilhar, comungar a vida com os outros. Só a humildade nos permite apreciar a vida, agradecer os dons recebidos, cultivar os talentos a favor dos outros e em prol de uma sociedade renovada. Só a humildade nos permite ser pessoas, diante dos outros e, para quem tem fé, diante de Deus. Só a humildade nos enriquece, nos humaniza e nos aproxima uns dos outros. Só a humildade nos leva a reconhecer as falhas, a pedir perdão e a tentar corrigir os erros. Só a humildade nos capacita para compreendermos os outros, sermos tolerantes com as suas falhas e apreciadores das suas qualidades. Só a humildade nos leva a construir pontes e derrubar muros, a juntar as nossas energias às energias dos outros, procurando a paz e a justiça. Só a humildade nos coloca à escuta e nos predispõe a aprender sempre mais. Olhos e ouvidos abertos ao que nos rodeia, coração atento a outros corações.

Humildade não é o mesmo que ingenuidade, ignorância, descuido ou o não querer-saber. Humildade não é renunciar a valores e convicções, não é aderir, sem mais, aos valores, ideias e projetos dos outros. Humildade não é abdicar da própria vida para viver a vida dos outros. Humildade não é achar que os outros são bons e eu sou mau, que os outros são capazes de tudo e eu não sou capaz de nada. Humildade não é autocomiseração, fazer-se de coitadinho/a para que todos reparem em mim e me apapariquem. Humildade não é cruzar os braços, não é encolher-se ou remeter-se ao seu canto para não incomodar ninguém.

A humildade compromete-nos, abre o meu e o teu coração à vida e aos outros, leva-nos a sair do nosso egoísmo para, com os outros, formarmos família. A humildade faz-nos reconhecer que estamos a caminho, somos limitados, podemos crescer e aprender sempre mais e que os outros são uma oportunidade e não um estorvo. A humildade leva-nos a reconhecer que não somos deuses e que não sabemos tudo.

A prepotência, a sobranceria, a arrogância, ao invés da humildade afastam-nos dos outros, uma vez que nos coloca acima, à parte, num mundo virtual ou ideal, longe do alcance de todos. Sou tão bom que não preciso de ninguém, já aprendi tudo, já não existe nada que possa surpreender-me ou que possa enriquecer-me. Se alguma coisa corre mal, foram os outros que não estiveram à altura. Eu não falho. Numa palavra, sou o meu deus, pelo que não preciso de Deus, não existem em mim insuficiências, limitações, não existe caminho a percorrer, sou perfeito e acabado!

2 – As palavras de Jesus começam por ser oração, mas são também desafio: «Eu Te bendigo, ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque escondeste estas verdades aos sábios e inteligentes e as revelaste aos pequeninos. Sim, Pai, Eu Te bendigo, porque assim foi do teu agrado».

Na continuação, Jesus fala na mediação necessária: só o Pai conhece verdadeiramente o Filho e só o Filho conhece verdadeiramente o Pai e aquele a quem o Filho O revelar. Jesus revela o Pai e a Sua ternura pela humanidade, mas só um coração dócil, humilde, solidário será capaz de escutar, de acolher e de reconhecer a voz, a palavra e a vida de Deus. Voltamos ao ponto de partida: só a humildade nos predispõe para a fé, para a esperança, para o encontro com Deus e com os outros.

Jesus há de estar ao centro, no meio, unindo, congregando. Depois da Sua morte e da ressurreição faz-Se presente, faz-Se ver, da mesma forma que durante a Sua vida pública, no cuidado e no serviço aos mais pobres. Ele coloca como referência as crianças e os pequeninos: «Sempre que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, a Mim mesmo o fizestes» (Mt 25, 40). Na verdade, «se não voltardes a ser como as criancinhas, não podereis entrar no Reino do Céu. Quem, pois, se fizer humilde como este menino será o maior no Reino do Céu. Quem receber um menino como este, em Meu nome, é a Mim que recebe» (Mt 18, 3-5). Em certa ocasião trazem crianças para Jesus as abençoar e os discípulos, muito zelosos, tentam afastá-las. Então Jesus diz-lhes: «Deixai as crianças e não as impeçais de vir ter comigo, pois delas é o Reino do Céu (Mt 19, 14). Em verdade vos digo: quem não receber o Reino de Deus como um pequenino, não entrará nele» (Lc 18, 17).

3 – Quase a abrir o evangelho de São João, o encontro e diálogo de Jesus com Nicodemos. Diz-lhe Jesus: «Em verdade, em verdade te digo: quem não nascer do Alto não pode ver o Reino de Deus». Nicodemos contrapõe: «Como pode um homem nascer, sendo velho? Porventura poderá entrar no ventre de sua mãe outra vez, e nascer?» (Jo 3, 3-4).

Na resposta, Jesus aponta a conversão, o deixar-se moldar pelo Espírito de Deus. A pequenez e a humildade, para se deixar iluminar pela Luz que vem de Deus.

Nas bem-aventuranças, o mesmo registo: «Felizes os pobres em espírito…Felizes os mansos… Felizes os puros de coração… Felizes os pacificadores… porque deles é o Reino de Deus» (Mt 5, 3-10).

Com a delicadeza, transparência, disponibilidade das crianças, mas na certeza de que ninguém pode voltar a ser criança. Seria, além disso, doentio voltar à infantilidade. Diz São Paulo: «Quando eu era criança, falava como criança, pensava como criança, raciocinava como criança. Mas, quando me tornei homem, deixei o que era próprio de criança» (1 Cor 13, 11). Não se trata então de voltar a ser criança, infantil, ingénuo, mas como criança, humilde, ávido de aprender e crescer, disponível para se admirar com a vida e com os dons dos outros, aberto às surpresas de Deus e a aceitar o que não se compreende totalmente, confiar, lançar-se nas mãos de Deus.

Ser humilde dá muito mais trabalho do que ser arrogante, prepotente, sobranceiro. A humildade exige vigilância e cuidado, para não se ensoberbecer, treino diário para não se fechar no seu saber. A humildade exige uma conversão permanente, um esforço (da vontade) para se deixar vencer pela graça de Deus, pela força do amor, para se deixar preencher pelo Espírito de Cristo. Qualquer um pode ser arrogante, nem todos conseguem ser humildes, sabendo-se que, mais que palavras, a vida, a delicadeza dos gestos e das obras!

4 – É a confiança que nos faz viver, viver bem e com qualidade. A confiança, como a humildade, não é ingenuidade, estupidez, mas capacidade de se entregar a Alguém que é confiável e apostar que, no final, apesar do caminho tortuoso, com altos e baixos, com opções que exigem renúncias e sacrifícios, nada terá sido em vão, porque vivemos, gastamos a vida por amor, e a vida não desaparecerá para sempre: será plenizada em Deus.

Impressiona ver uma criança lançar-se nos braços da mãe ou do pai. Assusta-nos ver que pode cair! Como é que se atira com tanta facilidade? Basta o olhar materno/paterno, um sorriso, um gesto e a criança deixa-se cair, atira-se, entrega-se, porque sabe, porque acredita e, mais, porque confia. Vale a pena recuperar uma pequena estória que escutámos ao Pe. Joaquim Dionísio na pregação da novena da Imaculada Conceição, no ano de 2016:

Um malabarista chegou a uma aldeia. Na praça onde as pessoas se juntaram, atou a ponta de uma corda a um poste, num dos lados da praça, e a outra ponta da corda noutro poste do outro lado da praça. Perguntou: quem acredita que eu passo de um lado para o outro sem cair? Se caísse corria o sério risco de morrer, tal era a altura a que estava colocada a corda. Todos responderem que acreditavam. E passou para o outro lado. Voltou a perguntar se acreditariam se regressaria em segurança ao ponto inicial. Todos responderam que acreditavam. Depois pegou numa vara e, à pergunta idêntica, responderam que acreditavam, e também no regresso ao ponto inicial. Pegou numa carreta, colocou-a sobre a corda e perguntou quem acreditava que ele passasse de um para outro lado. Todos disseram que sim. E ele mais uma vez passou em segurança. Quando chegou ao outro lado, perguntou quem queria colocar-se na carreta para ir para o outro lado. Ninguém se ofereceu. A não ser o filho. Acreditavam nele e nos seus feitos, mas não confiavam. Por vezes temos de confiar. Confiar em Deus. Confiar como crianças, confiar como filhos!

É o convite de Jesus: «Vinde a Mim, todos os que andais cansados e oprimidos, e Eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de Mim, que sou manso e humilde de coração, e encontrareis descanso para as vossas almas. Porque o meu jugo é suave e a minha carga é leve».

5 – Na primeira leitura anuncia-se a alegria pela proximidade da salvação. «Exulta de alegria, filha de Sião, solta brados de júbilo, filha de Jerusalém. Eis o teu Rei, justo e salvador, que vem ao teu encontro, humildemente montado num jumentinho, filho duma jumenta… Anunciará a paz às nações».

O Messias que está para vir vencerá, não pela violência, mas pela força do amor. Cristo Jesus, o Messias que vem de Deus, mostra-nos que o caminho para regressar a Deus é feito de delicadeza, de amor, de compaixão, é tecido de perdão e de serviço, de ternura e de misericórdia.

Foi assim com Ele, será assim connosco, seus discípulos e suas testemunhas. Ele libertou-nos da ignomínia do pecado e da morte, pela Sua entrega, até ao fim, como cordeiro, inocente e imaculado, levado ao matadouro. Já não estamos sujeitos ao mal e às trevas. Coloquemo-nos sob o domínio do Espírito de Deus que nos habita. Se o Espírito de Deus habita em nós, então, diz-nos São Paulo, pertencemos a Cristo e se Lhe pertencemos caminhemos à Sua luz pelo caminho do bem, da verdade, da justiça e da paz.

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia (ano A): Zac 9, 9-10; Sal 144 (145); Rom 8, 9. 11-13; Mt 11, 25-30.