Domingo XIX do Tempo Comum – ano A – 2023

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Domingo XIX do Tempo Comum – ano A – 2023

1 – Diante de tantos problemas, dificuldades e contratempos, poderá advir o desânimo, a desistência, o cruzar de braços. Vemos, no Evangelho, em situações diversas, como os discípulos se focam nas insuficiências e défices, nos obstáculos, na adversidade, prontos para passar ao lado ou responsabilizar outros ou as circunstâncias pelo que sucederá.

Por sua vez, Jesus centra-se nas respostas, nas soluções, na procura por minorar ou sanar os medos, as doenças, o sofrimento.

O Evangelho, neste XIX Domingo do Tempo Comum, abre situando-nos no instante posterior à multiplicação dos pães, episódio no qual Jesus compromete os discípulos: «Não têm necessidade de se ir embora. Dai-lhes vós de comer» (Mt 14, 13-21). Eles levaram a Jesus um problema com a solução mais fácil, mandar a multidão embora, para que se amanhassem; Jesus encaminha-os para a solução mais justa, não se fixando nas dificuldades, mas no que podem e devem fazer.

No seguimento, Jesus envia os discípulos de barco para a outra margem e despede-se da multidão. Um gesto dócil, empático. Não apenas sacia a sua fome, comunica-lhes vida, esperança, envolve-os no seu abraço caloroso. Não lhes deu de comer para os despachar, não, não, dá-lhes de comer e mostra-lhes, à multidão e aos discípulos, que somos responsáveis uns pelos outros, na fragilidade como na bonança.

2 – A vida pode bem ser comparável à ondulação do mar, umas vezes serena e silenciosa, outras, agitada, violenta, revoltosa. Os discípulos, cumprindo a ordem de Jesus, fizeram-se ao mar. Para trás deixaram o Mestre da Vida, que despede a multidão e Se recolhe em oração, o alimento que O sustenta em todos os momentos, especialmente quando o sofrimento e o sacrifício advêm.

O barco é açoitado pelas ondas do mar, fazendo perigar a vida dos discípulos. Noite dentro, Jesus vai ter com eles, caminhando sobre o mar, fazendo-nos ver que nada O impede de vir ao nosso encontro, apenas a nossa vontade O pode afastar ou excluir, pois Ele vem. A primeira reação dos discípulos, ao vê-l’O, é de medo, pois julgam estar perante um fantasma. Jesus acalma o nosso medo: «Tende confiança. Sou Eu. Não temais». Tantas vezes que não precisamos que resolvam os nossos problemas, mas tão somente que estejam connosco e nos deem alento para prosseguirmos.

Nesta como em outros situações, Pedro aventura-se: «Se és Tu, Senhor, manda-me ir ter contigo sobre as águas». É simultaneamente um desafio e uma provação. Às palavras de Jesus – «Vem!» – Pedro desceu do barco e caminhou sobre as águas. Apoiado na confiança em Jesus, Pedro prossegue seguro, mas logo que sente a violência do vento começa a afundar-se. Olhando para Jesus e confiando n’Ele, avança, quando se fixa nas suas fragilidades, deixa-se dominar pelo medo e paralisa. Assim nos pode suceder quando nos fixamos (apenas) em nós e não no amor de Deus e na Sua presença. Também como Pedro, precisamos da humildade para saber que não nos salvamos apenas com as nossas forças, mas precisamos de ser salvos. «Salva-me, Senhor!». Para sermos salvos, precisamos de tomar consciência de que estamos a afundar-nos e de abrirmos o nosso coração e a nossa vida ao Senhor da vida e do tempo. Jesus estende-nos a mão e segura-nos, por maior que seja a tempestade.

Com Jesus o vento acalma e o mar deixa de ser um monstro.

Jesus desafia a nossa fé: «Homem de pouca fé, porque duvidaste?».

Se Ele está connosco, como enfrentar as tempestades da vida?

3 – A oração é uma constante na vida de Jesus. Os evangelhos, como é expectável, fixam-nos nas palavras, nos gestos, nos milagres de Jesus, no mistério da Sua morte e ressurreição, e que celebramos e tornámos presente, especialmente no sacramento da Eucaristia. Porém, quase como a espreitar por detrás da cortina, podemos ver Jesus em oração, sobretudo nos momentos mais “áridos” e decisivos da Sua vida. Depois da multiplicação dos pães, enviados os discípulos para a outra margem e despedida a multidão, Jesus retira-se para o monte em oração.

Na verdade, a oração silencia a nossa ansiedade, a nossa pressa, coloca-nos à escuta, dilata o nosso coração, predispõe-nos para escutar a voz de Deus e nos sintonizarmos com a Sua vontade. Quanto mais próximos e sintonizados com a vontade de Deus, querendo o que Ele quer, mais disponíveis estaremos para respondermos, com amor e em atitude de serviço, aos irmãos, sobretudo, aos irmãos que sofrem.

O salmista, na resposta à Palavra de Deus, proclamada na Eucaristia, faz ressoar em nós a certeza de que Deus Se encontra e Se deixa ver e escutar na nossa súplica, no silêncio e nas palavras. «Deus fala de paz ao seu povo e aos seus fiéis e a quantos de coração a Ele se convertem».

Através da oração percebemos a proximidade de Deus e a paz que Ele nos traz. «A sua salvação está perto dos que O temem e a sua glória habitará na nossa terra / Encontraram-se a misericórdia e a fidelidade, abraçaram-se a paz e a justiça. A fidelidade vai germinar da terra e a justiça descerá do Céu. / O Senhor dará ainda o que é bom e a nossa terra produzirá os seus frutos. A justiça caminhará à sua frente e a paz seguirá os seus passos».

Fechados em nós, envolvidos pelas tempestades da vida, por certo será difícil vislumbrar um futuro sorridente e viver um presente sem temor.

4 – No monte Horeb, o monte de Deus, Elias é desafiado a sair da gruta, onde pernoitou, pois o Senhor vai passar. Sair é um ato de coragem, sair da sua zona de conforto, do seu abrigo, de onde se sabe seguro, mas Deus chama-nos, a Elias como a Abraão ou a Moisés, a sair para a claridade do dia, prontos para percorrer os caminhos que nos humanizam.

Percorramos a narrativa do autor sagrado: «Diante d’Ele, uma forte rajada de vento fendia as montanhas e quebrava os rochedos; mas o Senhor não estava no vento. Depois do vento, sentiu-se um terramoto; mas o Senhor não estava no terramoto. Depois do terramoto, acendeu-se um fogo; mas o Senhor não estava no fogo. Depois do fogo, ouviu-se uma ligeira brisa. Quando a ouviu, Elias cobriu o rosto com o manto, saiu e ficou à entrada da gruta».

No mar revoltoso, Jesus faz serenar os discípulos; no monte santo, Deus revela-Se, não na agitação, na confusão ou no ruído, mas na calmaria do coração. Quando Pedro escuta a tempestade e o vendaval, deixa-se abater e vai ao fundo, quando escuta a voz de Jesus, para lá da ventania, pode caminhar sobre as águas, está em condições de enfrentar as adversidades.

Isto é a oração! Só conseguiremos escutar o Senhor quando calarmos todas as vozes que nos distraem e confundem. A própria oração é um pedido para que Deus acalme a nossa inquietude e nos faça ver a paz, a esperança, a justiça e a verdade. «Deus todo-poderoso e eterno, a quem o Espírito Santo nos ensina a chamar confiadamente nosso Pai, fazei crescer o espírito filial em nossos corações para merecermos entrar um dia na posse da herança prometida».

5 – Com Jesus Cristo, Deus torna-Se um de nós, vem caminhar connosco, estende-nos a mão, mostra-nos o caminho, faz-nos sentir seguros e na direção que nos conduz à vida, à eternidade, a certeza de que não nos tornaremos náufragos, nem seremos engolidos pelas trevas.

A missão do apóstolo, e de cada um de nós, é testemunhar esta esperança e transparecer o amor de Deus por todos. Todos, todos, todos, como sublinhou o santo Padre em Lisboa, na JMJ 2023. Na vida, dizia o Papa Francisco, tudo, tudo se paga, apenas o amor de Jesus é gratuito. São Paulo faz-se tudo para que ninguém fique de fora, ninguém desconheça o mistério de amor com que Jesus nos salva. «Quisera eu próprio ser anátema, separado de Cristo para bem dos meus irmãos, que são do mesmo sangue que eu, que são israelitas, a quem pertencem a adoção filial, a glória, as alianças, a legislação, o culto e as promessas, a quem pertencem os Patriarcas e de quem procede Cristo segundo a carne, Ele que está acima de todas as coisas, Deus bendito por todos os séculos».

O Apóstolo faz-se tudo para todos, para ganhar, a todo o custo, alguns para Jesus Cristo. “Ai de mim se não evangelizar!”. Levar a Boa Notícia a todas as pessoas, em toda a parte, para que todos sejam resgatados pela luz, pela verdade e pelo amor. É o mistério da Encarnação, o mistério pascal, é a missão apóstolo, é a nossa missão, acolher o amor de Deus e deixar que este amor transpareça para todas as pessoas que encontramos, a fim de também elas encontrarem sentido e salvação para as suas vidas.

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia (ano A): 1Rs 19, 9a. 11-13a; Sl 84 (85); Rm 9, 1-5; Mt 14, 22-33.