Domingo XIX do Tempo Comum – ano A – 9 de agosto de 2020

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Domingo XIX do Tempo Comum – ano A – 9 de agosto de 2020

1 – «Tende confiança. Sou Eu. Não temais».

No dia 22 de outubro de 1978, João Paulo II iniciava o seu pontificado com o grito: “não tenhais medo de acolher Cristo e de aceitar o Seu poder! Não, não tenhais medo! Antes, procurai abrir, melhor, escancarar as portas a Cristo!” No dia 24 de abril de 2005, Bento XVI, também em início de pontificado, fazia suas as palavras do Predecessor. Em diversas situações, Jesus diz aos seus discípulos ou mesmo à multidão: não temais! Se recuarmos um pouco, também o Arcanjo Gabriel as utiliza na anunciação do nascimento de João Batista – “Não temas, Zacarias: a tua súplica foi atendida” (Lc 1, 13) – e na anunciação do Senhor – “Maria, não temas, pois achaste graça diante de Deus” (Lc 1, 30).

A segurança é essencial para todas as pessoas. O medo pode ser demolidor, ainda que tenha um papel de alerta, pois avisa do perigo, coloca-nos de atalaia, faz-nos vigilantes e cuidadosos em relação ao que enfrentamos, seja em questões de saúde ou nos relacionamentos pessoais, familiares, profissionais. Mas, como em tudo, com conta peso e medida. Ter medo é natural! Deixar que o medo nos paralise já não é tão natural. Há muitas situações que nos assustam. O futuro envolve sempre algum receio. Situações novas, provocam medo, ansiedade e hesitação. O desconhecido provoca medo e precaução, seja futuro ou sejam pessoas!

Para nos sentirmos seguros, é essencial a confiança em nós, nos outros, na vida, no futuro. Esta confiança pode ser cimentada e fortalecida com a ajuda dos outros, mas depende muito e primeiramente da nossa vontade e nossa decisão. Importa ter em conta o que nos diz Augusto Cury, não sejamos espetadores, mas atores da nossa vida, não deixemos que o medo nos controle, que o que os outros dizem, quando negativo, nos faça desesperar e tornar-nos inseguros. Nós valemos o mundo. Somos filhos amados de Deus. Ninguém pode nada contra nós. Nada nos separa do amor do Pai.

2 – «Tende confiança. Sou Eu. Não temais».

As tempestades assustam, a chuva intensa, o vendaval, a trovoada, o granizo! Em poucos minutos fica tudo de pantanas. Imaginemo-nos em alto-mar! E no tempo de Jesus. Pequenas embarcações, assoladas por ondulações maiores, pela chuva e vento agrestes. Entra água por todo o lado! Em instantes, o risco de o barco ir ao fundo torna-se uma realidade.

Esta imagem tem servido de inspiração para alguns alertas feitos em Igreja, como barca, a barca de Pedro, no meio de um mar revolto, entranhada no mundo e em correlação com o contexto social, cultural e político de cada tempo. O Papa Paulo VI chamou à atenção para a Igreja qual barco no qual entra água por todos os lados e que quase parece afundar-se, não fora o timoneiro, Jesus Cristo, a assegurar a permanência da mesma e o seu peregrinar. Bento XVI, em mais de uma ocasião usou esta imagem, apelando à confiança no Senhor: “O Senhor deu-nos muitos dias de sol e brisa suave, dias em que a pesca foi abundante; mas houve também momentos em que as águas estavam agitadas e o vento contrário – como, aliás, em toda a história da Igreja – e o Senhor parecia dormir. Contudo sempre soube que, naquela barca, está o Senhor; e sempre soube que a barca da Igreja não é minha, não é nossa, mas é d’Ele. E o Senhor não a deixa afundar; é Ele que a conduz, certamente também por meio dos homens que escolheu, porque assim quis” (27 de fevereiro de 2013).

Por sua vez, o Papa Francisco, a 27 de março, do corrente ano, quando a pandemia se expandia, voltava a relembrar esta passagem: “À semelhança dos discípulos do Evangelho, fomos surpreendidos por uma tempestade inesperada e furibunda. Demo-nos conta de estar no mesmo barco, todos frágeis e desorientados mas ao mesmo tempo importantes e necessários: todos chamados a remar juntos, todos carecidos de mútuo encorajamento. E, neste barco, estamos todos…. A tempestade desmascara a nossa vulnerabilidade e deixa a descoberto as falsas e supérfluas seguranças com que construímos os nossos programas, os nossos projetos, os nossos hábitos e prioridades. Mostra-nos como deixamos adormecido e abandonado aquilo que nutre, sustenta e dá força à nossa vida e à nossa comunidade… O Senhor interpela-nos e, no meio da nossa tempestade, convida-nos a despertar e ativar a solidariedade e a esperança, capazes de dar solidez, apoio e significado a estas horas em que tudo parece naufragar. O Senhor desperta, para acordar e reanimar a nossa fé pascal”.

3 – «Tende confiança. Sou Eu. Não temais».

Por vezes, por tantas situações vividas, levamos demasiado tempo a confiar e deixamos que prevaleça a desconfiança e o medo. Os discípulos sabem que podem confiar em Jesus; experimentam, veem e ouvem o que Jesus diz, vive e realiza. Um pouco antes veem como Jesus usou da Sua compaixão para ensinar, para curar os doentes, para alimentar a multidão. Pouco depois, visualizam a delicadeza de Jesus que Se despede das pessoas enquanto eles se encaminham para o barco e passam à outra margem. Eis que estão no meio de uma tempestade e perdem o norte!

4 – «Tende confiança. Sou Eu. Não temais».

Depois da oração a sós, Jesus regressa para junto dos Seus discípulos, na quarta vigília da noite. A noite envolve-nos nas trevas, no medo, sempre à espreita do desconhecido e inesperado. A noite… são os momentos de tormenta, de dúvida e de sofrimento que assolam a nossa vida e que, por vezes, nos deixam perdidos em alto-mar. À noite até os gatos são leopardos, pois tudo se agiganta. Já não bastavam os nossos problemas, acrescem os que circundam (e que, direta ou indiretamente, também nos dizem respeito!).

Vendo-O caminhar sobre as águias, os discípulos ficam atónitos, confusos, pensando que é um fantasma. «Tende confiança. Sou Eu. Não temais», diz-lhes Jesus. A voz desperta-os, desperta-nos, Jesus fala-nos ao coração, vai além das aparências. A noite faz-nos duvidar do que vemos, mas a voz, se é amiga, sossega o nosso medo e as trevas que nos percorrem a alma.

«Se és Tu, Senhor, manda-me ir ter contigo sobre as águas». E se, num primeiro momento, ainda estamos atordoados pela presença amiga, façamos como Pedro e supliquemos a Jesus que logo desafia: «Vem!» Pedro desce do barco e caminha sobre as águas, mas, para ele e para nós, o ruído e a intensidade da tempestade faz prevalecer o medo e a desconfiança, fazendo com que esqueçamos Quem nos desafiou a avançar e garante a nossa segurança. Como Pedro, voltemos a pedir, rezando: «Salva-me, Senhor!». Só Ele, em definitivo, nos pode salvar. Não deixemos de Lhe suplicar, de estender a nossa mão para a Sua mão estendida, não deixemos que o nosso olhar Se desvie do Seu olhar de ternura e compaixão. E com Ele avencemos, em conjunto, sem vacilar, é Ele que vai na barca, é Ele que a faz deslizar mesmo no meio da borrasca.

5 – O profeta Elias faz a experiência da noite. Mais uma página belíssima da Sagrada Escritura, descontando a violência que está agrafada também aos homens de Deus. Elias, numa espécie de cruzada, passa ao fio da espada todos os profetas de Baal, depois de terem destruídos os símbolos religiosos de Israel e terem rasgado a Aliança com o Senhor. Então, do Palácio real, a rainha, mulher do rei Acab, faz saber que Elias terá a mesma sorte. É neste contexto que Elias se retira para o deserto.

O deserto pode ser comparado à tempestade em mar-alto ou às trevas carregadas pela noite fora. O deserto coloca Elias a sós consigo mesmo, com os seus medos, com as suas trevas. Ali vem ao de cima a fragilidade, olha mais para si e para as adversidades, para a perseguição e a ameaça sobre a sua vida, do que para a confiança em Deus, que é Quem o pode salvar, em definitivo. Elias suplica, em oração: “Basta, Senhor, tira-me a vida, pois não sou melhor do que meus pais”. Deitou-se e adormeceu à sombra de um junípero. O anjo do Senhor desperta-o por duas vezes, dizendo-lhe: “Levanta-te e come, pois tens ainda um longo caminho a percorrer”. Revigorado pelo alimento do Senhor, Elias caminha durante quarenta dias e quarenta noites até ao monte Horeb. Novamente, o Senhor o instiga: que fazes aí escondido? Elias desabafa a sua desilusão: “… os filhos de Israel abandonaram a tua aliança… assassinaram os teus profetas”.

Novo desafio do Senhor a Elias: sai da gruta e permanece neste monte que o Senhor vai passar. Já não apenas as palavras, mas a Presença que Se faz sentir. “Então, o Senhor passou. Diante d’Ele, uma forte rajada de vento fendia as montanhas e quebrava os rochedos; mas o Senhor não estava no vento. Depois do vento, sentiu-se um terramoto; mas o Senhor não estava no terramoto. Depois do terramoto, acendeu-se um fogo; mas o Senhor não estava no fogo. Depois do fogo, ouviu-se uma ligeira brisa. Quando a ouviu, Elias cobriu o rosto com o manto, saiu e ficou à entrada da gruta”. Engraçado! Deus não é estrondo, mas suavidade! Não nos arrasta, passa sem fazer estragos nem nos derrubar. Pelo contrário, Deus respeita os nossos medos e não Se impõe. Mas se lhe estendemos a mão logo Ele acalma as nossas tempestades.

6 – «Tende confiança. Sou Eu. Não temais».

Deus está perto, mesmo que o vendaval não nos permita sentir a Sua presença suave. Se necessário, Ele caminha por ondas revoltas para nos encontrar. Em Cristo, Deus não apenas acalma o mar, mas muito mais “milagroso” do que isso, encarna, faz-Se um de nós. Faz chegar a salvação a nossa casa, à minha e à tua vida. “A sua salvação está perto dos que O temem e a sua glória habitará na nossa terra (Salmo).

São palavras inspiradas, mas é também a nossa resposta orante à Palavra de Deus. Ele está perto de quantos Lhe abrem o coração e a vida. Na mesma linha, diz-nos o Apóstolo: “Sinto uma grande tristeza e uma dor contínua no meu coração. Quisera eu próprio ser anátema, separado de Cristo para bem dos meus irmãos, que são do mesmo sangue que eu, que são israelitas, a quem pertencem a adoção filial, a glória, as alianças, a legislação, o culto e as promessas, a quem pertencem os Patriarcas e de quem procede Cristo segundo a carne, Ele que está acima de todas as coisas, Deus bendito por todos os séculos”.

Depois da conversão, São Paulo tem apenas um propósito: seguir Cristo e testemunhá-l’O em toda a parte, em todas as situações e circunstâncias, mostrando o amor de Deus para connosco, que nos dá o Seu Filho, para nos reconciliar, nos remir, escancarando as portas do Seu Reino de paz, de alegria e de amor.

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia (ano A): 1 Reis 19, 9a. 11-13a; Sl 84 (85); Rom 9, 1-5; Mt 14, 22-33.