Domingo XVI do Tempo Comum – ano A – 19 de julho de 2020

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Domingo XVI do Tempo Comum – ano A – 19 de julho de 2020

1 – Judas é uma figura admirável, não pela traição, mas pelo percurso, pela proximidade a Jesus e pela confiança que Jesus depositou nele até ao fim. Em Jesus, Deus não desiste, por mais pequena que seja a possibilidade de conversão, qual pequeno grão de mostarda! Deus confia e aposta em nós! Até ao fim. Deus acredita em mim e em ti, mesmo que nos mantenhamos renitentes e distantes!

Não é caso único, mas é colocado em maior evidência porque traiu o Mestre da Vida e, a partir de então, os escritores sagrados conseguiram “apelidá-lo” de vários defeitos e pecados. Mas todos os apóstolos traíram Jesus, deixando-O sozinho quando Ele mais precisava. Pedro, outro dos apóstolos em evidência, espelha bem como o medo leva à fuga, ao escondimento, à negação. Mas estão lá todos! Melhor, todos fogem quando Jesus é preso, mantendo-se à distância, observando, fazendo de conta serem o que não são e não se assumindo como amigos e discípulos. O Evangelho de São João ainda nos arranja um discípulo amado que se manteve por perto, ou, como propõem alguns, o discípulo amado é um desafio que se contrapõe à postura dos demais discípulos. Porém, Jesus não desiste de nenhum… para que nenhum se perca e é a eles que entrega o Evangelho e lhes confia o anúncio do Reino de Deus.

Sobre esta pedra – Pedro, e cada um dos apóstolos, eu e tu – Jesus constrói a Igreja que é o Seu Corpo visível pelo tempo e pela história. Como diria o papa Bento XVI, a paciência de Deus, qual Pai misericordioso, constrói, sabe esperar, confiar, é o amor. O amor, diz São Paulo, é paciente. Reagir a quente nem sempre é benfazejo. Ou, como sói dizer-se, o travesseiro é bom conselheiro. Contrariando o amor de Deus e a Sua paciência, a nossa pressa, por vezes, precipita-se, destrói, estraga o caminho percorrido.

2 – Na semana passada, foi-nos proposta a parábola do semeador que sai a semear e lança a semente à terra e a semente cai em diferentes tipos de solos, mais pedregosos ou mais férteis. A semente, a Palavra de Deus, é eficaz e tornar-se-á produtiva segundo o terreno que encontra. Cabe-nos cuidar, cultivar a terra, o nosso coração, a nossa vida, para que a semente em nós semeada produza em abundância.

Os frutos dependem do nosso acolhimento, pois a semente é de boa qualidade, a melhor, cabe-nos garantir as condições para que não se torne infrutífera. Há outros fatores que não dependem tanto de nós, mas das circunstâncias que nos rodeiam. Afinal, somos nós e as nossas circunstâncias, como nos lembra o filósofo castelhano, Ortega y Gasset. A terra é cavada, arada, esterroada, revolvida, a fim de criar as melhores condições para o germinar e o amadurecer da semente. Mas há outros fatores que nos escapam, alguma erva daninha, mais resistente, mais funda, que sobrevive silenciosa e sub-repticiamente.

As parábolas que se seguem continuam a falar-nos de semente.

«O reino dos Céus pode comparar-se a um homem que semeou boa semente no seu campo. Enquanto todos dormiam, veio o inimigo, semeou joio no meio do trigo e foi-se embora. Quando o trigo cresceu e começou a espigar, apareceu também o joio. Os servos do dono da casa foram dizer-lhe: ‘Senhor, não semeaste boa semente no teu campo? Donde vem então o joio?’. Ele respondeu-lhes: ‘Foi um inimigo que fez isso’. Disseram-lhe os servos: ‘Queres que vamos arrancar o joio?’. ‘Não! – disse ele – não suceda que, ao arrancardes o joio, arranqueis também o trigo. Deixai-os crescer ambos até à ceifa e, na altura da ceifa, direi aos ceifeiros: Apanhai primeiro o joio e atai-o em molhos para queimar; e ao trigo, recolhei-o no meu celeiro’».

A nossa reação é cortar o mal pela raiz. Somos todos um pouco assim. E se for alguém que não é do nosso grupo e fizer alguma coisa que não nos agrade… vai tudo ao ar! Mas, diz-nos Jesus, há que dar tempo ao tempo e não fazer juízos definitivos, pois também dos outros há de florir o bem! A seu tempo, mesmo que seja de um jeito diferente do nosso!

3 – Tal como em relação à parábola do semeador que sai a semear, também hoje os discípulos pedem a Jesus que lhes explique o significado da parábola do trigo e do joio. E também agora, antes de outras divagações, importa prestar atenção à explicação de Jesus: «Aquele que semeia a boa semente é o Filho do homem e o campo é o mundo. A boa semente são os filhos do reino, o joio são os filhos do Maligno e o inimigo que o semeou é o Diabo. A ceifa é o fim do mundo e os ceifeiros são os Anjos. Como o joio é apanhado e queimado no fogo, assim será no fim do mundo: o Filho do homem enviará os seus Anjos, que tirarão do seu reino todos os escandalosos e todos os que praticam a iniquidade, e hão de lançá-los na fornalha ardente; aí haverá choro e ranger de dentes. E os justos brilharão como o sol no reino do seu Pai. Quem tem ouvidos, oiça».

Estamos à volta de Jesus, somos hoje os seus discípulos… O que nos diz a parábola, como encaixamos a explicação de Jesus na nossa vida? Somos os justos que brilhamos como o sol? Somos os que praticam a iniquidade? Se calhar não encaixamos em nenhuma definição. Somos os filhos do reino! Batizados, enxertados em Cristo, filhos amados do Pai… mas quantas vezes esquecemos a nossa identidade cristã! Quando vezes deixamos que o nosso egoísmo nos afaste de Deus, nos afaste dos outros! Quantas vezes os nossos critérios se distanciam dos de Deus!

4 – A humildade e a pequenez, como opção, possibilitam a partilha, a comunhão, o enriquecimento mútuo. Em Jesus, Deus mostra uma clara opção pela pobreza. Ele faz-Se pobre para nos enriquecer com a Sua pobreza, com o Seu amor. Não engana: Deus vê o coração. Nós vemos as aparências. Desafio permanente: ver com o coração, olhar, para as coisas, para o mundo e sobretudo para as pessoas com o olhar de Deus. E então tudo será diferente, pois Deus não é senão Amor e o amor vê, não a grandeza dos gestos, mas a autenticidade, o esforço e o caminho, e a possibilidade do que há de vir.

Quem ama, espera; quem não ama, desespera; quem ama, confia, quem não ama, duvida, desconfia; quem ama, acredita no pouco, para quem não ama tudo é insuficiente e inútil, pura perda de tempo; quem ama, olha para o significado dos pequenos gestos, como expressão do amor, expressão da pessoa, quem não ama, faz cálculos e só se deixa impressionar pelo preço elevado; quem ama, intui o valor da pessoa, quem não ama, só se interessa pelo valor das coisas e dos benefícios que determinada amizade e/ou relacionamento poderá trazer ao seu cobre; quem ama, vê o coração, quem não ama, olha apenas para o bolso e para a carteira.

E Jesus prosseguiu com outra parábola: «O reino dos Céus pode comparar-se ao grão de mostarda que um homem tomou e semeou no seu campo. Sendo a menor de todas as sementes, depois de crescer, é a maior de todas as plantas da horta e torna-se árvore, de modo que as aves do céu vêm abrigar-se nos seus ramos». E logo ajuntou outra: «O reino dos Céus pode comparar-se ao fermento que uma mulher toma e mistura em três medidas de farinha, até ficar tudo levedado».

As palavras de Jesus são um desafio à resiliência, à paciência e à confiança. O reino de Deus está em andamento. A Palavra de Deus foi lançada à terra, como semente, e cresce contando com o solo cuidado mas também com as adversidades. Por vezes não é tão visível e percetível, mas está a germinar, é a garantia de Jesus.

5 – Ninguém é bom juiz em causa própria. É um aforismo que usamos muitas vezes quanto se trata de justificarmos as nossas palavras e ações. Mas o mesmo se diga em relação aos outros. O nosso juízo é moldado pela amizade ou pelo distanciamento, pelos laços que nos unem ou os des-laços que nos afastam. Creio, contudo, que somos mais verdadeiros e mais honestos quando ajuizamos a partir da amizade e do amor, mesmo que alguns refiram que somos parciais. E não somos parciais quando fazemos juízos de valor sobre desconhecidos ou em relação a quem temos preconceitos? E não seremos ainda mais parciais quando temos algo contra o outro? Se a pessoa nos é estranha ou indiferente, como poderemos ser justos e honestos em relação a ela?

Só se vê bem com o coração, lembra o Principezinho. Parafraseando Bento XVI, amar implica olhar para os outros com os olhos do coração. É no coração que nos encontramos com Deus. É no coração, lugar de encontro com Deus, que encontramos e descobrimos os outros como irmãos, filhos amados do mesmo Pai. À nossa pressa, frontal e destrutiva, apõe-se a paciência de Deus, amorosa e reconciliadora.

“Vós, o Senhor da força, julgais com bondade e governais-nos com muita indulgência, porque sempre podeis usar da força quando quiserdes. Agindo deste modo, ensinastes ao vosso povo que o justo deve ser humano e aos vossos filhos destes a esperança feliz de que, após o pecado, dais lugar ao arrependimento”.

Deus, todo-poderoso, usa para connosco a força do amor, do abaixamento e da bondade. Como não lembrar o hino da Epístola aos Filipenses: Ele que era de condição divina, não Se valeu da Sua igualdade com Deus, mas assumindo a condição de servo, tornou-Se semelhante aos homens.

6 – Como pessoas e como cristãos, estamos a caminho, a crescer e aprender. O que hoje temos como garantido, amanhã pode alterar-se. Somos com as circunstâncias que nos envolvem e, por vezes, as circunstâncias alteram-se ao ponto de nos fazer duvidar, hesitar, temer o que está a chegar. Mas também nestas horas há um chão seguro: a confiança em Deus.

“O Espírito Santo vem em auxílio da nossa fraqueza, porque não sabemos que pedir nas nossas orações; mas o próprio Espírito intercede por nós com gemidos inefáveis. E Aquele que vê no íntimo dos corações conhece as aspirações do Espírito, pois é em conformidade com Deus que o Espírito intercede pelos cristãos”.

Encontremo-nos no coração, em oração, com as aspirações do Espírito Santo, para que os nossos desejos e vontades possam configurar-se cada vez mais ao amor e a vontade Deus.

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia (ano A): Sab 12, 13. 16-19; Sl 85 (86); Rom 8, 26-27; Mt 13, 24-43.