Domingo XX do Tempo Comum – C – 2022

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Domingo XX do Tempo Comum – C – 2022

1 – «Eu vim trazer o fogo à terra e que quero Eu senão que ele se acenda? Tenho de receber um batismo e estou ansioso até que ele se realize. Pensais que Eu vim estabelecer a paz na terra? Não. Eu vos digo que vim trazer a divisão. A partir de agora, estarão cinco divididos numa casa: três contra dois e dois contra três. Estarão divididos o pai contra o filho e o filho contra o pai, a mãe contra a filha e a filha contra a mãe, a sogra contra a nora e a nora contra a sogra».

As palavras de Jesus aos Seus discípulos são, de todos os pontos de vista, desafiadoras e, talvez, problemáticas, pelo menos, se lidas e/ou escutadas sem ligação à Sua postura ao longo de toda a vida pública. Mesmo contextualizadas, estas palavras interpelam, questionam, colocam em causa frases feitas e saberes pretensiosos. Pensais que vim trazer a paz à terra? Digo-vos que não. Vim trazer a divisão, colocar-vos uns contra os outros!

Custa ouvir Jesus a dizer que não vem trazer a paz, mas a divisão! Vem trazer o fogo à terra! E, se vem trazer o fogo, é para que se acenda! Em sentido figurado, claro, podemos reconhecer que Jesus é incendiário! Mas logo concluímos que não se trata de destruir, desbaratar, provocar conflitos e revoluções, incentivar as pessoas a guerrear, a gerar contendas! A revolução é outra, é interior, é do perdão, do amor e do serviço!

Vale a pena recuperar dois momentos em que Jesus nos desafia: «Deixo-vos a paz, dou-vos a minha paz. Não vo-la dou como a dá o mundo. Não se perturbe nem intimide o vosso coração» (Jo 14, 27). «Vinde a Mim, todos os que andais cansados e oprimidos, e Eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de Mim, que sou manso e humilde de coração, e encontrareis descanso para as vossas almas» (Mt 11, 28-30).

A paz não é, apenas, um acordo de cavalheiros, pode ser um ponto de partida, mas corresponde à conversão interior e ao desejo de querer bem ao outro e mobilizar-nos para criar as condições favoráveis para que o outro viva!

2 – A opção pelo bem e pela verdade não tem que conduzir à divisão, ao conflito, mas por vezes é inevitável, sobretudo quando expõe pessoas ou situações que se baseiam na mentira, na instrumentalização, no engodo!

A primeira leitura apresenta-nos o caso do Profeta Jeremias e as maquinações dos seus inimigos, que procuram coloca-lo em cheque diante do rei e diante do povo, desacreditando-o. Além das palavras, a própria postura de Jeremias é um contraponto aos falsos profetas, pelo que estes se sentem incomodados. Basta que as pessoas olhem para eles e para Jeremias para vislumbrarem as diferenças, o fingimento dos primeiros e a santidade do segundo.

No episódio de hoje, são os ministros do rei de Judá que pedem a cabeça do profeta: «Esse Jeremias deve morrer, porque semeia o desânimo entre os combatentes que ficaram na cidade e também todo o povo com as palavras que diz. Este homem não procura o bem do povo, mas a sua perdição». O rei, ao jeito de Pilatos, séculos depois, lava as mãos e entrega-lhes Jeremias para fazerem com ele o que entenderem. Apoderam-se dele e lançam-no numa cisterna. Então, um estrangeiro, o etíope Ebed-Melec, chama o rei à razão, que o encarrega de resgatar Jeremias!

3 – As dificuldades e perseguições advirão para quem persistir no anúncio e na vivência da verdade e do bem, da justiça e da paz. Hão de levar-vos aos tribunais, previne Jesus os seus discípulos, hão de acusar-vos e até matar-vos pensando que estão a fazer um favor a Deus. Porém, quem perseverar será salvo. Jesus não promete vida fácil, mas promete vida em abundância, alegria e felicidade pelo bem, pela dádiva e pelo serviço, pelo compromisso na transformação do mundo pela caridade.

Os profetas confiam em Deus. No meio das adversidades e das contendas, das injúrias e perseguições confiam-se a Deus, sabendo que Ele não os deixa sós.

O salmista faz eco desta confiança: «Esperei no Senhor com toda a confiança e Ele atendeu-me. Ouviu o meu clamor e retirou-me do abismo e do lamaçal, assentou os meus pés na rocha e firmou os meus passos. / Pôs em meus lábios um cântico novo, um hino de louvor ao nosso Deus. Vendo isto, muitos hão de temer e pôr a sua confiança no Senhor. / Eu sou pobre e infeliz: Senhor, cuidai de mim. Sois o meu protetor e libertador: ó meu Deus, não tardeis».

Jeremias soube colocar a sua vida nas mãos de Deus e, por conseguinte, resiste à maldade dos seus inimigos, que são os inimigos dos mandamentos, da Lei de Deus.

4 – O apóstolo Paulo tem-nos desafiado a afeiçoar-nos às coisas do alto, morrendo para o que em nós é morte, a inveja, o conflito, o ódio, o desejo de vingança, a maledicência, e aderindo ao que em nós é vida, o que nos liga a Deus, o que nos faz ser cristãos, imitando Cristo, na caridade e na justiça.

O que anuncia para os Seus apóstolos, Jesus experimentou-o na sua vida. «Renunciando à alegria que tinha ao seu alcance, Ele suportou a cruz, desprezando a sua ignomínia, e está sentado à direita do trono de Deus. Pensai n’Aquele que suportou contra Si tão grande hostilidade da parte dos pecadores, para não vos deixardes abater pelo desânimo».

O exemplo de Jesus deve fortalecer na nossa fé e enraizar a nossa esperança, movendo-nos para a caridade, para a santidade. «Estando nós rodeados de tão grande número de testemunhas, ponhamos de parte todo o fardo e pecado que nos cerca e corramos com perseverança para o combate que se apresenta diante de nós, fixando os olhos em Jesus, guia da nossa fé e autor da sua perfeição».

A referência é Jesus. D’Ele partimos e para Ele nos encaminhamos! Fixemo-nos n’Ele e deixemo-nos guiar pelo Seu Espírito de amor. Consequentemente, não nos guiemos por nós, na possibilidade fácil de nos ensoberbarmos ou nos desencantarmos. Confiemos no Senhor e confiemos-Lhe a nossa pobreza, para que Ele nos enriqueça com o Seu amor.

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia (C): Cr 15, 3-4. 15-16; 16, 1-2; Sl 131 (132); 1 Cor 15, 54b-57; Lc 11, 27-28.