Domingo XXI do Tempo Comum – ano A – 2023

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Domingo XXI do Tempo Comum – ano A – 2023

1 – Há momentos em que precisamos de clarificar a nossa relação com os outros, seja por palavras, seja por gestos ou atitudes. Na dúvida, mais vale perguntar para não deixar incertezas a pairar como ameaça a uma sadia convivência. Se o elefante está no meio da sala e ninguém quer falar, ele vai-se agigantando e acabará por ocupar todo o espaço que seria útil e recomendável para a harmonia e proximidade das pessoas.

Os discípulos falam entre eles, murmuram, questionam-se. Jesus desafia-os a expressar-se. No caminho, como poderemos constatar no Evangelho, por vezes, ficam para atrás, em acalorada discussão. Chegados a casa ou a um lugar de repouso, Jesus interroga-os sobre o que discutiam ou, também acontece, sem questionar, responde-lhes, diretamente ou através de parábolas.

Hoje é Jesus que pergunta. A jornada já tem alguns meses, já se conhecem bastante bem, convivem há tempo suficiente para compreenderem as fragilidades e qualidades uns dos outros. Para prosseguir a missão, Jesus quer saber até que ponto pode contar com eles, até que ponto estão prontos para testemunhar o Evangelho.

2 – Alguns de nós ligam muito ao que os outros dizem. Alguns de nós ligam pouco às opiniões que circulam entre o povo. Mas ninguém aprecia particularmente andar nas bocas do mundo e ser malfalado! É certo que alguns sublinham que mais vale dizerem mal deles, do que não serem nomeados, pois se dizem mal é porque se sentem incomodados, é sinal que a pessoa desperta a atenção de quem fala. De quem não se fala nada é porque passa indiferente, insignificante, sem marcas, nem positivas nem negativas.

Jesus pergunta aos discípulos, em primeiro lugar, sobre a opinião que circula a Seu respeito, sonda-os sobre a opinião pública.

Por sua vez, os discípulos, não se fazendo rogados, respondem, deixando perceber o filtro que fazem sobre as opiniões: «Uns dizem que é João Baptista, outros que é Elias, outros que é Jeremias ou algum dos profetas».

Se é isto que se diz acerca d’Ele, até que nem está mal. Sabemos, porém, que há outras passagens do Evangelho em que se murmura sobre a Sua sanidade mental, chegando a afirmar-se que está possesso de um espírito impuro ou tresloucado. Os discípulos, por amizade ou adulação, evitam as opiniões negativas, transmitindo apenas o que Lhe é favorável. O que não se sabe para descanso serve. Há informações, melhor, ditos que não acrescentam nada ao que somos e não nos ajudam a crescer como pessoas. São perfeitamente dispensáveis e, quando muito, enredam-nos em situações de conflito, pois, na verdade, nem sabemos se o que se diz corresponde totalmente ou em parte à verdade.

3 – Se nos magoa ouvir opiniões (negativas) de estranhos ou meramente conhecidos, quanto mais ouvi-las daqueles a quem queremos bem e por quem temos grande estima?

«E vós, quem dizeis que Eu sou?». Se a primeira pergunta de Jesus é (quase) neutra, pois não implica os seus interlocutores, já esta segunda questão compromete os discípulos. Na resposta, vai também a pessoa e a impressão que têm sobre Jesus. Já não é o que os outros pensam ou dizem, mas o que eu penso e o que digo sobre Jesus.

Pedro adianta-se e responde: «Tu és o Messias, o Filho de Deus vivo».

E eu? E tu? Se tivermos que apresentar Jesus, que diremos d’Ele? Que importância tem para nós, de que forma modifica a nossa vida, até onde altera as nossas atitudes e comportamentos? Como podemos contagiar outros com a nossa relação com Jesus?

É um caminho de amadurecimento, encontrar Jesus, acolhê-l’O em nossa casa, deixar que Ele ocupe todas as divisões, que ilumine todos os compartimentos, segui-l’O, sermos de tal forma transparentes, no dizer e no fazer, que os outros vejam Jesus em nós e através de nós. Apesar da confissão de fé de Pedro, também ele terá um longo caminho de amadurecimento a percorrer.

4 – À confissão de Pedro, Jesus responde confirmando-o na liderança dos Doze e no futuro da Igreja: «Tu és Pedro; sobre esta pedra edificarei a minha Igreja e as portas do inferno não prevalecerão contra ela. Dar-te-ei as chaves do reino dos Céus: tudo o que ligares na terra será ligado nos Céus, e tudo o que desligares na terra será desligado nos Céus».

Antes, contudo, a certeza que a profissão de fé só é possível quando o próprio Deus nos inspira: «Feliz de ti, Simão, filho de Jonas, porque não foram a carne e o sangue que to revelaram, mas sim meu Pai que está nos Céus».

Simão Pedro será líder, não pelas suas aptidões ou competências, mas pela fé, manifestada na adesão ao Evangelho, no seguimento do Mestre, na vivência da caridade. No quarto evangelho, já depois da Ressurreição, Jesus questionará Pedro sobre o amor: Pedro, amas-Me, amas-Me mais do que estes? Se amas, então sim, estás preparado para apascentar o meu rebanho. A proclamação da fé enformada pelo amor!

5 – «Dar-vos-ei pastores segundo o meu coração, que vos apascentarão com sabedoria e inteligência» (Jer 3, 15). Jeremias traz-nos a promessa do Senhor nosso Deus, que se cumpre, em plenitude, com a vinda de Jesus Cristo, ainda que seja preparada nos líderes que O precedem, no tempo, e naqueles que Lhe sucederão, ao longo da história, como são Pedro.

Na primeira leitura, Isaías traça o perfil dos líderes que Deus deseja para o seu povo. Revela, a propósito de Eliacim, filho de Elcias: «Ele será um pai para os habitantes de Jerusalém e para a casa de Judá. Porei aos seus ombros a chave da casa de David: há de abrir, sem que ninguém possa fechar; há de fechar, sem que ninguém possa abrir. Fixá-lo-ei como uma estaca em lugar firme e ele será um trono de glória para a casa de seu pai».

A nossa vocação passa por fazermos coincidir a nossa vida com a vontade de Deus. O Senhor Deus criou-nos por amor, à Sua imagem e semelhança; em Jesus Cristo, assume-nos como filhos, para que nos reconheçamos como irmãos. Fazer a sua vontade levar-nos-á a praticar o bem, seguindo o caminho da verdade, colocando-nos diante dos outros em atitude de serviço, privilegiando o cuidado e a atenção ao nosso semelhante. Quando almejamos (apenas) a nossa vontade, sem balizas nem referências, corremos o risco de agirmos por impulsos, segundo os nossos caprichos, sem olhar (nem respeitar) as pessoas que estão à nossa frente. Procurar traduzir e concretizar a vontade de Deus, faz-nos corresponsáveis pelos sofrimentos e pelas alegrias uns dos outros.

A oração da Eucaristia prepara-nos para a fidelidade à nossa vocação, à nossa identidade cristã. «Senhor nosso Deus, que unis os corações dos fiéis num único desejo, fazei que o vosso povo ame o que mandais e espere o que prometeis, para que, no meio da instabilidade deste mundo, fixemos os nossos corações onde se encontram as verdadeiras alegrias».

6 – «Como é profunda a riqueza, a sabedoria e a ciência de Deus! Como são insondáveis os seus desígnios e incompreensíveis os seus caminhos!». Diante da majestade de Deus, como sublinha são Paulo, cabe-nos acolhê-l’O na oração, no louvor e no trabalho de cada dia. «Glória a Deus para sempre».

Na oração aprenderemos a acolher Deus nos outros. Rezemos por aqueles que o Senhor coloca à frente da Sua casa, pedindo-Lhe igualmente que nos dê um coração desperto ao acolhimento e ao reconhecimento da Sua presença, nos sinais que nos dá e nas pessoas que coloca na nossa vida.

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia (ano A): Is 22, 19-23; Sl 137 (138); Rm 11, 33-36; Mt 16, 13-20.