Domingo XXI do Tempo Comum – ano A – 23 de agosto de 2020

Watch Now

Download

Domingo XXI do Tempo Comum – ano A – 23 de agosto de 2020

1 – O homem prudente é aquele que escuta a palavra de Deus e a põe em prática, edificando a sua casa sobre a rocha. O homem insensato, que escuta as Suas palavras mas não as põe em prática, é aquele que constrói a sua casa sobre a areia, que desaparecerá com às primeiras chuvas e ventanias (cf. Mt 7, 24-27). De que adianta correr se não sabes para onde vais? Ressoa uma vez mais a voz da fadista de Portugal. Parafraseando Séneca, todos os ventos são desfavoráveis à embarcação que não tem rumo certo! Acabará por se perder.

Jesus prepara os Seus discípulos para que tenham um norte e saibam o chão que pisam. Ninguém vai ao Pai senão por Mim. Os três anos da Sua vida pública são uma escola para quem O segue de perto. Gestos, palavras, prodígios! Discursos, questionamentos, parábolas! Em nenhum momento, Jesus se esconde! Vai por aldeias e cidades, vilas e lugarejos para anunciar a Boa Nova, para mostrar Deus, para abençoar, curar, para redimir, para ressuscitar, para recuperar as pessoas que encontra. Jesus não Se esconde! Está no meio da multidão. Vai à Sinagoga! Vai a casamentos e a festas. Levanta-Se para ler a Sagrada Escritura, comentando-a.

Quando Jesus Se afasta é para rezar, para se imbuir em absoluto do Espírito do Pai. Ele está onde a vida pulula. O deserto ficou para trás, por lá andou João Batista; Jesus entrou na cidade, Ele é a Terra Prometida! Ide dizer a Herodes: Eu estou na cidade, hoje, amanhã e depois! E só então seguirei o Meu caminho! Há multidões que seguem Jesus, mas outros que estão fora também O encontram, Ele deixa-Se encontrar e tocar, deixa-Se ver, deixa-Se abraçar! Que o diga Zaqueu, a Samaritana ou a viúva de Naim, que o digam os gregos, Natanael, Mateus, que o digam os publicanos, os pecadores, os doentes, as mulheres e as crianças, o cego de nascença, que o diga a mulher de vida duvidosa que Lhe lava os pés! Querendo, é tão fácil encontrar Jesus!

2 – Da multidão para o discipulado! A multidão esconde-se no anonimado para se descomprometer, para se desculpar, e, noutros casos, para agir à falsa-fé, porque tudo se dilui no ajuntamento… não se sabe quem foi, quem disse, quem fez! Poderia ser qualquer um! Ora Jesus fala e age, pelo menos, em três círculos que interagem: a multidão (ou grupos, como doutores da Lei, anciãos, autoridades) – os discípulos – os 12 Apóstolos. E, dentro deste grupo restrito, ainda um círculo mais fechado: Pedro, Tiago e João.

Encarnando, Jesus faz com que o universal e divino (Deus) se particularize na história (humanidade). Este mistério kenótico (abaixamento, identificação de Deus com o ser humano) tem agrafada a missão de chegar ao mundo inteiro. O geral tende a diluir-se; o particular torna visível, palpável e concreto o geral. Como o amor! Não se ama no geral! Ama-se esta pessoa concreta e age-se em concreto a favor dos outros.

Jesus conta com um grupo mais restrito para instruir, para educar, para formar. Jesus explica-lhes as parábolas, repreende, corrige, aponta caminhos, mostra como se faz, usa os momentos, os encontros, ou “provoca” situações para que os discípulos não se fiquem pela rama nem andem ao sabor do vento! Faz e depois diz-lhes: fazei como Eu vos fiz! E lava-lhes os pés! As palavras movem, os exemplos arrastam!

O mal do nosso tempo não é ter convicções, é precisamente o contrário, o não ter pontos de referência e embarcar em qualquer ideologia. Os fundamentalismos não nascem da verdade, da (in)formação, mas da ignorância; os extremismos (à esquerda e à direita) evidenciam estupidez, prevalecendo a ditadura de um sobre os demais… as pessoas deixam de pensar pela própria cabeça e passam a idolatrar o chefe!

3 – Num ambiente mais tranquilo, com menos pessoas por perto, Jesus pergunta aos Seus discípulos: «Quem dizem os homens que é o Filho do homem?». É uma pergunta genérica, impessoal, informativa. Os discípulos, mesmo que tenham filtrado a informação, não se comprometem com o que é dito pelas pessoas do povo: «Uns dizem que é João Baptista, outros que é Elias, outros que é Jeremias ou algum dos profetas».

Pela resposta, Jesus tinha grande aceitação e uma boa imagem pública, como um dos Profetas maiores. Claro que também se diziam outras coisas, apelidando-O de louco, possesso ou revolucionário. Porém, os discípulos usam de diplomacia e não veem necessidade de Lhe dizerem as coisas negativas. Bela lição para os nossos amigos e para nós em relação a eles! Não precisamos de dizer tudo, o negativo só se for numa lógica de prevenção e ajuda… alguns só informam do negativo e com algum prazer!

Depois da sondagem, vem a pergunta direta e comprometedora: «E vós, quem dizeis que Eu sou?». Desta forma, cabe-nos uma reposta mais pessoal e concreta, não podemos responder com o que os outros dizem e pensam, mas com palavras próprias sobre o que sentimos sobre Ele e o que diremos d’Ele aos outros.

Pedro responde por ele e por nós, pelos discípulos daquele e deste tempo: «Tu és o Messias, o Filho de Deus vivo». Jesus felicita-o: «Feliz de ti, Simão, filho de Jonas, porque não foram a carne e o sangue que to revelaram, mas sim meu Pai que está nos Céus. Também Eu te digo: Tu és Pedro; sobre esta pedra edificarei a minha Igreja e as portas do inferno não prevalecerão contra ela. Dar-te-ei as chaves do reino dos Céus: tudo o que ligares na terra será ligado nos Céus, e tudo o que desligares na terra será desligado nos Céus».

4 – Jesus prepara os discípulos para serem rocha, para que a firmeza da fé os leve ao anúncio permanente e corajoso do Evangelho, mesmo nas contrariedades.

A fé em Cristo não é arbitrária. O Espírito sopra onde quer. Não temos como limitar a ação de Deus. Contudo, se escutamos o chamamento de Deus, aproximamo-nos d’Ele, o que, por sua vez, nos leva a aproximar-nos uns dos outros, procurando conhecer-nos, interagir, adaptar-nos mutuamente.

As palavras proferidas são acolhidas e interpretadas, e, sem confrontação ou um ponto de referência, tornar-se-ão relativas, pessoalizadas. A pessoa não procura sintonizar com a mensagem, mas faz com que esta se sintonize com a sua sensibilidade. Havendo lugar ao confronto-diálogo com outros é possível corrigir, amadurecer, completar a própria interpretação e perceber melhor o “emissor”. É assim que se forma Bíblia! Assim se formam os Evangelhos. Há o acontecimento inicial – Jesus Cristo, com a Sua vida, mensagem, morte e ressurreição –, vem depois a vivência e interpretação desse encontro com Jesus, por parte dos Seus discípulos, que recordam ao grupo e a outros o que Ele disse e fez quando estava fisicamente entre eles, e confrontam as “versões”. Coloca-se por escrito para haver uma maior fidelidade, pois com o tempo a memória levaria a desvios e esquecimentos sem possibilidades de conferir! Quando dois de nós presenciaram a mesma história e, em conjunto, a contamos a terceiros, cada um vai acrescentando pormenores que escapam ao outro!

Assim a Palavra de Deus, assim a fé. Se é a minha fé, como eu quero, penso e interpreto, um pouco mais e deixa de ser a fé de Cristo, como Ele a entendeu, a relação amorosa com o Pai, a viveu e no-la comunicou. Havendo uma rocha, é possível verificar os desvios, as aproximações, a linguagem que traduz e torna mais acessível, em cada tempo e cultura, a mensagem original. Daí a “instrução” mais cuidada de um núcleo de discípulos, o Grupo dos Doze. Ainda no tempo do Novo Testamento vemos como as outras Igrejas, nomeadamente Antioquia, na dúvida, recorrem à Igreja-Mãe, a Jerusalém, onde se encontram Pedro e outros Apóstolos. Paulo e Barnabé são enviados a Jerusalém para exporem as discussões ocorridas em Antioquia, submetendo-as a apreciação e aceitando as decisões que vierem a tomar-se.

A inserção na comunidade leva-nos também à oração comum, para nos deixarmos plasmar pelo Senhor. “Senhor Deus, que unis os corações dos fiéis num único desejo, fazei que o vosso povo ame o que mandais e espere o que prometeis, para que, no meio da instabilidade deste mundo, fixemos os nossos corações onde se encontram as verdadeiras alegrias”.

5 – A firmeza de Pedro, como rocha, apoia-se em Jesus Cristo e, por conseguinte, implica seguimento. Pedro, como os demais apóstolos, como todos os discípulos, terá de aprender os “tiques” e a postura de Jesus, o Seu amor, a atenção a todos, especialmente aos pequeninos. No próximo domingo, veremos que a firmeza da fé implica que vamos atrás, que O sigamos, que aprendamos com Ele, que veio para servir e dar a vida!

Na primeira leitura, pela pena de Isaías, a Palavra de Deus faz saber: «Vou expulsar-te do teu cargo, remover-te do teu posto. E nesse mesmo dia chamarei o meu servo Eliacim, filho de Elcias. Hei de revesti-lo com a tua túnica, hei de pôr-lhe à cintura a tua faixa, entregar-lhe nas mãos os teus poderes. E ele será um pai para os habitantes de Jerusalém e para a casa de Judá. Porei aos seus ombros a chave da casa de David: há de abrir, sem que ninguém possa fechar; há de fechar, sem que ninguém possa abrir. Fixá-lo-ei como uma estaca em lugar firme e ele será um trono de glória para a casa de seu pai».

Clarificador! O poder como serviço. O serviço como único poder que vem de Deus. O próprio Deus, perante o desvio dos pastores, dos reis e dos senhores, virá como o Pastor para o meio do Seu rebanho. Jesus Cristo é, por excelência e em plenitude, o Enviado de Deus, Deus connosco, o Bom Pastor. A referência é Ele. É Ele o chão, o barco, a meta; é Ele o Caminho que nos insere na verdade e nos torna participantes da Sua vida!

6 – Quando o Senhor perguntou a Salomão o que desejava, o jovem Rei pediu sabedoria para guiar o povo. A sabedoria do coração, do amor e do serviço. São Paulo recorda-nos como são insondáveis os caminhos do Senhor. “Como é profunda a riqueza, a sabedoria e a ciência de Deus! Como são insondáveis os seus desígnios e incompreensíveis os seus caminhos! Quem conheceu o pensamento do Senhor? Quem foi o seu conselheiro? Quem Lhe deu primeiro, para que tenha de receber retribuição? D’Ele, por Ele e para Ele são todas as coisas. Glória a Deus para sempre”. A oração predispõe-nos a ver, a sentir, a perceber, a reconhecer o Senhor que passa, que vem e Se faz irmão em Jesus e em cada ser humano.

A oração que nos faz louvar o Senhor também nos agrafa à Sua vontade, ao amor sem medida para com o nosso semelhante. “De todo o coração, Senhor, eu Vos dou graças porque ouvistes as palavras da minha boca. Hei de louvar o vosso nome pela vossa bondade e fidelidade… Quando Vos invoquei, me respondestes, aumentastes a fortaleza da minha alma. O Senhor é excelso e olha para o humilde, ao soberbo conhece-o de longe”. Se nos desviarmos daqueles que são os prediletos do Senhor, os pequeninos, estaremos a afastá-l’O das nossas vidas.

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia (ano A): Is 22, 19-23; Sl 137 (138); Rom 11, 33-36; Mt 16, 13-20.