Domingo XXIII do Tempo Comum – C – 2022

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Domingo XXIII do Tempo Comum – C – 2022

1 – A vida é feita de escolhas, algumas pontuais, outras para a vida inteira; algumas mexem connosco, outras implicam as pessoas que estão à nossa volta, família, amigos, colegas de trabalho; algumas têm a ver com a nossa comodidade, a casa, o carro, a roupa, o alimento, outras envolvem os sentimentos e as emoções!

Optar quase sempre exige renúncia. Podemos valorizar o que fica para trás, o que deixámos, aquilo a que renunciámos, ou valorizar o que escolhemos, o que temos pela frente, os desafios, os sonhos e projetos que abraçámos. Quem olha constantemente para trás, para o que deixou, talvez se tenha enganado na escolha, talvez esteja a percorrer um caminho que não é o seu, uma vida de que não é ator, mas somente espetador, talvez se tenha perdido ou esquecido dos motivos da escolha!

Há escolhas de fundo que alteram a nossa vida em todas as dimensões, pessoal, familiar e socialmente! Podemos chamar a essas escolhas opções fundamentais. Todas as outras estarão em função destas. Escolhi ir para médico… tenho que renunciar a muitas noites de borgas ou então a minha profissão passa a ser a de estudante! Escolhi ser jogador de futebol… então terei que ter uma alimentação cuidada, dormir as horas recomendadas, chegar a tempo aos treinos! Escolhi casar… terei que renunciar a todas as outras mulheres / a todos os outros homens!

Escolhi seguir Jesus Cristo… então é Ele que ilumina, orienta, guia, marca, fundamenta, baliza, envolve, preenche toda a minha vida, todas as minhas escolhas! Qualquer escolha que faça terá que ser confrontada e validada pelo Evangelho, pelo modo de ser de Jesus! Se não condiz, então não é viável, está a distrair-me ou a destruir-me!

2 – «Se alguém vem ter comigo, e não Me preferir ao pai, à mãe, à esposa, aos filhos, aos irmãos, às irmãs e até à própria vida, não pode ser meu discípulo. Quem não toma a sua cruz para Me seguir, não pode ser meu discípulo».

As palavras de Jesus provocam-nos inquietação! Talvez não estejamos dispostos a segui-l’O da forma como Ele nos pede! Queremos segui-l’O, mas do nosso jeito, com as nossas condições, segundo as nossas limitações, os nossos projetos! Dará para ajeitarmos o seguimento com a nossa vida? Que aspetos podemos adotar? Que é que podemos colocar de lado, esquecer, secundarizar? Sabemos das exigências de Jesus, estamos dispostos a cumpri-las segundo o Seu propósito e os Seus desafios? Pedimos que se faça a Sua vontade ou que a nossa vontade se cumpra?

Tomo a minha cruz para seguir a Cruz de Jesus? Ou será que tenho medo de me perder ou que Ele exija mais do que estou disposto a dar? Em muitos aspetos, somos meio-cristãos e meio-nós! No campo social, gostamos de ser Jesus! Mas talvez no campo moral, sigamos as nossas impressões e emoções! Na família e na Igreja, deixamos que o Seu Espírito nos arrebata! Mas talvez nos negócios e nos divertimentos possamos esquecer um pouco Quem é Jesus para nós!

“Eis a serva do Senhor, faça-se em Mim segundo a Tua Palavra”! Onde é que ficam os meus projetos quando escolho os desígnios de Deus? Será que Maria saberia o que Deus lhe pedia? Como foi capaz de responder sim sem reservas ou condições? Hoje, sim! Mas, e amanhã? Hoje posso dizer sim, mas logo vejo se amanhã tenho condições de manter o mesmo sim ou se terei que dizer não!

A opção de fundo de Maria altera-lhe todos os planos que pudesse ter. Esse sim renova-se cada dia, em cada palavra, sonho, a cada instante! É a sua missão, a sua vida: ser Mãe do Filho de Deus.

Do mesmo jeito, Jesus faz a vontade do Pai! Sempre! Faça-se como Tu queres! E é desta forma que somos salvos por Ele! Por amor, porque assim foi do Seu agrado, dar a Sua vida por nós, até ao fim!

3 – Preferir e optar por Jesus! Como é possível preferi-l’O ao pai, à mãe, à esposa, aos filhos, aos irmãos e até à própria vida? Não é fácil para nós que vivemos em modo de posse: meu, teu, nosso! A preferência leva-nos à exclusão. Obviamente, como se disse anteriormente, uma opção pressupõe renúncia, mas não necessariamente exclusão ou secundarização de outras dimensões da vida. Seguir Jesus é totalizante, abarca-nos inteiramente, e dá cor a todas as outras nossas escolhas.

Quando estamos preenchidos de amor tendemos a abarcar, expandir, a alargar as interações; tornámo-nos dóceis, não apenas para a pessoa amada, mas para todas as pessoas. Se estamos bem, preenchidos, em paz, estamos mais disponíveis e dispostos para acolher, para ajudar, para nos deixarmos ajudar. Como disse Bento XVI, em Colónia, na Jornada Mundial da Juventude, Cristo não nos tira nada, dá-nos tudo! Segui-l’O implica querer o que Ele quer e agir do mesmo jeito que Ele. Então o compromisso com a família, com os amigos, e até com aqueles de quem não gostamos tanto, vai além da preferência, vai além do momento ou das disposições, implica-nos em todas as circunstâncias. Amamos, não porque preferimos, mas porque é o mandato do Amado, a vontade Jesus Cristo, por Quem deixamos tudo para gastarmos a vida por todos, pelo pai, pela mãe, pelo filho, pelos amigos, sem instrumentalizar nem endeusar!

O coração dilata! Uma mulher que se torna mãe, percebe melhor as outras mães, as suas alegrias e angústias. Tomar a própria cruz e seguir Jesus, mais do que renúncia é uma opção por Deus. Escolhe-se o amor, sem medida, comprometido com todos, desafiado a superar e conviver com as fragilidades e contradições, mas sem desistir de amar, servir, perdoar e dar a vida pelo outro. É essa a Cruz de Jesus: amar. Amar o Pai, no Espírito Santo, na circularidade do amor, sem buracos (como no queijo), sem reservas ou condições! A Cruz de Jesus é amar cada um de nós, daquele e deste tempo, e submeter-se aos nossos caprichos, esvaziando-Se, sujeitando-Se a ser ignorado, rejeitado, perseguido ou morto, mas ainda assim, dando-Se inteiramente para que tenhamos vida em abundância.

4 – São Paulo, na segunda leitura, dirige-se a Filémon e ilustra bem a preferência por Jesus Cristo e como n’Ele todos adquirem o valor de filhos ou irmãos.

Onésimo foi gerado para Jesus Cristo, convertendo-se ao Evangelho, pelo anúncio e testemunho de Paulo. Era escravo, agora é filho! Paulo faz-nos compreender que Onésimo teria sido escravo de Filémon, mas agora é irmão. Humanamente falando, Filémon terá sido prejudicado, pois deixou de o ter ao seu serviço. Porém, para que não seja uma obrigação, mas uma opção de amor, Paulo devolve-lhe o escravo, para que Filémon o receba, não como escravo, mas como irmão muito querido. «É isto que ele é para mim e muito mais para ti, não só pela natureza, mas também aos olhos do Senhor. Se me consideras teu amigo, recebe-o como a mim próprio».

Se Filémon mantivesse a lógica da posse, sentir-se-ia ressarcido com a devolução do seu escravo e talvez enviasse a fatura a Paulo pelos gastos havidos na ausência de Onésimo. Na lógica do amor, não há fatura, porque tudo é em excesso e nunca se é credor, mas devedor!

5 – Numa linguagem popular e espontânea, diante das adversidades da vida, crentes, acabamos por concluir que Deus nos põe à prova, de diversas maneiras! Na verdade, Deus ama-nos e quer-nos bem, não precisa de provas, pois não é um amor carente, limitado, desconfiado! Ele conhece o nosso interior e sabe do que somos capazes. Como Pai, com coração de Mãe, Deus caminha connosco, assume o nosso sofrimento, sofre connosco. Dá-nos o Filho para que Ele alivie a nossa cruz.

O que nos pesa são os desencontros, os sonhos desfeitos, os conflitos, a inveja, o ciúme, a traição, a indiferença, a incompreensão, a solidão, a posse. O que alivia a nossa cruz? O amor, a amizade, a alegria, a vida partilhada. Essa é a cruz que Jesus nos ensina!

Os desígnios de Deus são insondáveis, ainda que, em Jesus Cristo, Ele nos envolva no Seu mistério! «Os pensamentos dos mortais são mesquinhos e inseguras as nossas reflexões». Se nos baseamos nos nossos critérios, é possível que esperemos que Deus atue do mesmo modo que nós. Por conseguinte, como nos desafia o sábio de Israel, é crucial que nos deixemos guiar pela sabedoria do Senhor, para que desse modo seja “corrigido o procedimento dos que estão na terra, os homens aprenderam as coisas que Vos agradam” e pela Sua sabedoria sejamos salvos.

6 – Apoiados em nós, por mais fortes que sejamos, acabaremos por sucumbir, desencantando-nos connosco, com os outros, com a vida, com o mundo. Também na fé, se nos apoiamos no que somos, no que fazemos, se somos o centro, esbateremos nas adversidades como muros que nos impedirão de caminhar, de prosseguir, de perceber que há mais caminho.

O salmista desafia-nos a confiar em Deus e n’Ele depositarmos a nossa vida, na certeza de que o Senhor tem “sido o nosso refúgio através das gerações”. Esta confiança, reforça a nossa súplica: “Ensinai-nos a contar os nossos dias, para chegarmos à sabedoria do coração. Voltai, Senhor! Até quando… Tende piedade dos vossos servos. Desça sobre nós a graça do Senhor nosso Deus. Confirmai, Senhor, a obra das nossas mãos”.

Ele é a nossa opção fundamental, melhor, a nossa única opção. Então, sim, a vida passa a ter o horizonte do amor, da plenitude, da vida eterna! A mãe, o pai, o filho, a filha, os irmãos já não são meus, mas de Deus e, porque são de Deus, não posso senão amá-los e servi-los com todas as forças!

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia (C): Sab 9, 13-19; Sl 89 (90); Flm 9b-10. 12-17; Lc 14, 25-33.