Domingo XXIX do Tempo Comum – ano A – 2023
1 – A Deus o que é de Deus. Os pobres são de Deus. Não podem ser usados em nome deste ou daquele partido, do poder ou da oposição, desta ou daquela organização. Estão salvaguardados por Deus e para Deus. A opção preferencial de Jesus pelos pobres é a garantia que estes não serão instrumentalizados, nem espezinhados, nem ignorados, nem esquecidos. Não está em causa qualquer qualificação moral, isto é, são pobres logo são pessoas boas. Não. Como vimos no domingo anterior, Deus chama bons e maus. Pobres e ricos. Brancos e pretos e amarelos. Homens e mulheres. Adultos e crianças e idosos. Portugueses e chineses. Todos são criados, amados, chamados por Deus. No entanto, para reconhecermos Deus há que O reconhecer sobretudo escondido nos pobres, nos desvalidos. Foi esse o propósito e a vida de Jesus. Jesus não pede o Bilhete de Identidade ou o Cartão de Cidadão. Jesus aproxima-Se rapidamente dos pobres, dos que sofrem. Ora a pessoa está antes do seu pecado!
A César o que é de César. Não useis a religião, e/ou a fé, como desculpa ou justificação para o vosso compromisso/descompromisso social, político, económico. Em todos os campos, em todas as dimensões da vida, o cristão deverá agir como cristão, irradiando os valores do serviço, da verdade, da competência, da honestidade, da transparência, da justiça, do apoio preferencial àqueles e àquelas que têm mais dificuldades, ou que não têm nem voz nem vez. Se um cristão vai para a política e deixa de ser cristão para ser político, prestará um mau serviço à política. Se se compromete politicamente, há de colocar a mais-valia de ser cristão em todas as decisões, mesmo reconhecendo que na concretização de soluções e entendimentos possa ser necessário e inevitável fazer cedências. Quando estas acontecem, que não firam a dignidade da pessoa, o valor da vida humana, não coloquem em causa o bem comum.
2 – Se os pobres são de Deus, teremos que os tratar como trataríamos Deus. Afinal, Deus esconde-Se no ser humano. Em Jesus, Deus assumiu a nossa natureza humana. Nos gestos, nas palavras, na postura, Jesus vive para servir, amando, aproximando-Se, curando. Toca nas feridas das pessoas, mistura-se com o rebanho, não tem receio de ser apontado por comer com publicanos e pecadores, ou ser considerado impuro por se deixar tocar pela mulher pecadora, ou por afagar o rosto da mulher surpreendida em flagrante adultério.
Com Ele não há discussão sobre quem é o maior. Ou melhor, dá-se a inversão da primazia: maior é aquele que serve.
Um grupo de fariseus aproxima-se de Jesus, passa à frente da multidão que O escuta e acompanha. Já vimos como anciãos do povo e doutores da lei se colocam na primeira fila, não para escutar melhor, mas para evitar que as suas posições (de liderança) e o seu estatuto social não se altere, ou para remediarem alguma “subversão” que as palavras de Jesus possam provocar.
Aproximam-se com o intuito de lhe armarem uma cilada: «Mestre, sabemos que és sincero e que ensinas, segundo a verdade, o caminho de Deus, sem te deixares influenciar por ninguém, pois não fazes aceção de pessoas. Diz-nos o teu parecer: É lícito ou não pagar tributo a César?». Ou seja: colocas-te ao lado de César ou ao lado dos pobres?
Do que não estavam à espera era da resposta de Jesus: «Porque Me tentais, hipócritas? Mostrai-me a moeda do tributo». Eles apresentaram-Lhe um denário e Jesus perguntou: «De quem é esta imagem e esta inscrição?». Eles responderam: «De César». Disse-Lhes Jesus: «Então, dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus».
A opção preferencial pelos pobres não é contra ninguém, é a favor dos pobres. Quando a mãe ou o pai dão mais atenção ao filho que está doente, não estão a esquecer-se dos outros filhos, mas debruçam-se sobre o que mais precisa naquele momento, para que recupere e possa sentar-se na sala com toda a família! Obviamente que esta opção e esta postura denuncia a prepotência, a corrupção, as injustiças sociais, a arbitrariedade política e económico-financeira.
3 – Seguir Jesus também implica opções políticas e partidárias. Os cristãos devem ser os primeiros a dar a cara, a comprometerem-se e a envolverem-se em projetos de transformação do mundo e da sociedade, partindo da certeza de que nenhum sistema político é perfeito. Estaríamos já no paraíso! Pelo que não se pode divinizar/endeusar. Quando isso acontece, nada de bom virá pela frente. Haverá lugar à corrupção, às ditaduras, ainda que encapotadas, ou, o sério risco dos mesmos de sempre se perpetuarem nos cargos de responsabilidade, com todo o tipo de artimanhas. Com todos os riscos inerentes, os cristãos têm de se comprometer, não para fazer igual, ou para fazer diferente, têm de se comprometer para fazer o melhor a favor do maior número de pessoas. Sem tréguas.
Com efeito, como tem sublinhado o papa Francisco, a política é uma das formas mais sublimes de servir a humanidade. Ou deveria ser. Gerir a coisa e a causa pública deverá ser uma honra, uma dignidade e sobretudo um serviço, uma missão. A política é para servir a cidade (a polis), as pessoas. Quando alguém usa a política para se servir ou ao seu grupo, dá-se a deformação da mesma. A polis não é propriedade privada para satisfazer o capricho, a ganância ou a opulência de alguns.
O mesmo se diga de todos os políticos, também os cristãos que assumem essa missão. Não são perfeitos. Idolatrar alguém, endeusar como senhor, como único detentor da verdade, será sempre subverter a política mas também a dignidade humana. Ninguém é Deus. Todos temos as nossas limitações, os nossos pecados, e as nossas manias. Ou haverá por aí alguém perfeito, impecável, deus?
Como sabiamente concluiu Winston Churchill, a democracia é o pior sistema político à exceção de todos os outros, reconhecendo que a história já adotou sistemas políticos que se pensava seriam perfeitos. Tiveram o seu tempo. A democracia permite que todos os cidadãos participem, direta ou indiretamente, no governo de determinado país. O direito ao voto, livre e consciente, permite escolher os que nos representam no governo da autarquia ou do governo central, e posteriormente poderemos alterar em nossas escolhas, sem sacralizar ideologias ou pessoas. Sagrada é a vida e a dignidade humana!
4 – A garantia de que Deus é Deus, protege-nos e coloca-nos em situação de igualdade. Onde Deus não existe, o homem pode tornar-se Deus. Aliás, essa é a filosofia da morte de Deus. Matar Deus, para que o homem se torne Deus. Quando e onde isso sucedeu deu-se a involução da civilização. Caso paradigmático, o nazismo, ou o nacional-socialismo, centrado na figura de Hitler, aparecendo como o Super-Homem (ideia veiculada por Nietzsche), assumindo-se como Senhor e Juiz da história. Deu o que deu, a morte de 6 milhões de judeus e a devastação da Europa. (60 milhões de vítimas do nazismo, mas se fôssemos a outros regimes, como a China, 70 milhões de mortes, ou Rússia, com uns milhões à custa do comunismo. Como não lembrar, por exemplo, o Holodomor – o deixar morrer à fome milhões de ucraniano, política levada a cabo por Estaline…).
Escutemos o que Deus nos diz através do Profeta: «Por causa de Jacob, meu servo, e de Israel, meu eleito, Eu te chamei pelo teu nome e te dei um título glorioso, quando ainda não Me conhecias. Eu sou o Senhor e não há outro; fora de Mim não há Deus. Eu te cingi, quando ainda não Me conhecias, para que se saiba, do Oriente ao Ocidente, que fora de Mim não há outro. Eu sou o Senhor e mais ninguém».
Se só Deus é Deus, e nesse caso só é possível que haja um Deus, havendo dois, um seria a limitação do outro, está garantido que nenhum homem, nenhuma realidade, nenhuma ideologia ou sistema político, social, económico, poderá ser endeusado. E nessa medida, também a proteção dos mais desvalidos, pois a justiça de Deus há de cumprir-se, aqui e agora, e, em última instância, na eternidade, pelo que nos exige já uma tomada de posição sobre os outros.
5 – O apóstolo dir-nos-á, repetidamente, ainda que se perceba a acentuação sobre a fé, que a caridade, o amor, a compaixão, é a realidade que se vive no tempo e na história e nos leva à eternidade.
Conjuntamente com Silvano e Timóteo, São Paulo deixa-nos esta belíssima saudação, englobando a fé, a esperança e a caridade, com origem em Deus que é Amor: «A graça e a paz estejam convosco. Damos continuamente graças a Deus por todos vós, ao fazermos menção de vós nas nossas orações. Recordamos a atividade da vossa fé, o esforço da vossa caridade e a firmeza da vossa esperança em Nosso Senhor Jesus Cristo, na presença de Deus, nosso Pai. Nós sabemos, irmãos amados por Deus, como fostes escolhidos. O nosso Evangelho não vos foi pregado somente com palavras, mas também com obras poderosas, com a ação do Espírito Santo».
A fé, o Evangelho, tem nas obras a confirmação do que se professa e anuncia. São conhecidas as coletas que o apóstolo promove nas suas comunidades a favor de outras mais desfavorecidas, nomeadamente a comunidade de Jerusalém e como deixa rasgados louvores àqueles cuja fé os comprometeu na caridade para com os outros.
Em Dia Mundial das Missões, a mesma missão, anunciar o Evangelho, em toda a parte, com palavras e obras, com a voz e a vida, com a oração e a partilha solidária.
Pe. Manuel Gonçalves
Textos para a Eucaristia (ano A): Is 45, 1. 4-6; Sl 95 (96); 1 Tes 1, 1-5b; Mt 22, 15-21.