Domingo XXV do Tempo Comum – ano A – 20 de setembro de 2020

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Domingo XXV do Tempo Comum – ano A – 20 de setembro de 2020

1 – Amar a meias, na condicional, com reservas, não é amar.

A linguagem que utilizamos ajuda a exprimir os sentimentos e as emoções e, por vezes, parece que precisamos de adjetivos que acentuem o que sentimos: amo muito, amo-te mais do que a mim mesmo, amo-te de coração. Ou até uma linguagem que deveríamos referir apenas a Deus: adoro-te. Queremos tanto chegar ao outro/a, queremos tanto que ele/a sinta o que sentimos por ele/a, que qualificámos as palavras e os sentimentos.

Para dizermos que amamos, basta isso mesmo: ou amo-te! (Gosto de Ti). Amar não é menos que amar muito, pois não se ama pouco, ou “assim-assim” ou “mais-ou-menos”. Ama-se. Ponto. Somos seres humanos e precisamos de uma linguagem que nos aproxime mais, que faça com que os outros percebam o nosso amor, a nossa gratidão, a nossa sintonia. Mas amar devagarinho, aos poucos, a ver como os outros vão responder, a ver como encaixamos, é o caminho mais rápido para que tudo se desfaça. É o caminho que leva à instrumentalização ou à idolatria. Por um lado, o risco de colocarmos o outro em função do que sentimos ou que poderemos vir a sentir. O outro está enquanto me responde, me agrada, enquanto corresponde aos meus propósitos e ideais. Ou, em alternativa, projetamos no outro uma imagem de perfeição, divinização, nunca alcançável e, por isso, também não nos entregamos. Caso vislumbremos alguma imperfeição, tudo se desmorona.

Amar é um tudo! No amor vamos por inteiro. É também por isso que se diz que o amor nos faz pobres, mendigos, indigentes! Quem ama quer o bem do outro e sujeita-se ao outro, está despojado de artifícios e maquilhagens. Estamos desnudados, predispostos a tudo para fazermos o outro feliz. É assim que Deus faz connosco, em Jesus Cristo, dá-Se por inteiro.

2 – Quem ama perdoa.

A nossa reação imediata a esta afirmação seria: às vezes ou depende das situações (a perdoar). Somos frágeis e limitados. Somos peregrinos, estamos em andamento, a caminhar. O amor ferido, traído, não correspondido; a repetição das ofensas e dos esquecimentos; as maldades e injustiças; a honorabilidade sob suspeita ou o desprezo e/ou indiferença, podem antever dificuldades em perdoar, esquecer, aceitar as falhas, em voltar a confiar. Perdoar implica levar a sério o outro e o relacionamento posto em causa e, em algumas situações, implica a procura de justiça; pode não implicar o retomar de uma relação, mas tão simplesmente aceitar que falhámos, mas que não precisamos de nos destruir!

Há oito dias, Jesus sublinhava como Deus, o Rei da parábola, perdoa, perdoa-nos as nossas dívidas, os nossos pecados, por maiores que sejam. O servo devia-lhe uma fortuna incalculável. Mas a misericórdia do rei, de Deus, é infindamente maior, sem termo de comparação. Quem muito ama, muito perdoa. Não se ama às prestações, também não se perdoa às prestações ou na condicional do que vier a acontecer. Deus perdoa sempre, muito para lá da nossa expetativa, antes da nossa perfeição, que só atingiremos na eternidade.

3 – Hoje, no Evangelho, Jesus apresenta-nos mais uma parábola luminosa, comparando o Reino dos Céus a um proprietário que sai em busca de trabalhadores para a sua vinha, a várias horas do dia, de manhã muito cedo, a meio da manhã, por volta do meio-dia e pelas três horas da tarde. Ao entardecer, volta a sair e encontra outros que estavam sem trabalhar: “Porque ficais aqui todo o dia sem trabalhar?… Ide vós também para a minha vinha”. Ora acerta um denário, ora promete que lhes pagará o que for justo.

Ao anoitecer, chama o capataz para que pague a todos o salário devido, a começar pelos últimos. A todos é pago um denário. Os que trabalharam durante o dia todo acharam que iam receber mais, mas o capataz paga-lhes o que tinha sido ajustado: um denário. Então começaram a murmurar contra o proprietário, sublinhando a injustiça, pois receberam o mesmo, tendo trabalhado todo o dia, sob o calor e o peso do dia, enquanto os que vierem mais tarde, e que pouco trabalharam, recebem o mesmo.

A resposta do proprietário, também a nós nos surpreende: «Amigo, em nada te prejudico. Não foi um denário que ajustaste comigo? Leva o que é teu e segue o teu caminho. Eu quero dar a este último tanto como a ti. Não me será permitido fazer o que quero do que é meu? Ou serão maus os teus olhos porque eu sou bom?’. Assim, os últimos serão os primei­ros e os primeiros serão os últimos».

A nossa justiça é retributiva: mais tempo de trabalho, mais salário! Convenhamos, a resolução deste proprietário é no mínimo questionável e até contraproducente! Também murmuramos! No dia seguinte, faríamos por ser os últimos a ser contratados.

4 – Deus não Se dá pela metade! Perdoa uma dívida incalculável. Agora, paga o mesmo a todos. O “mesmo” aqui é o Reino de Deus. É amor por inteiro. Não se pode pedir a uma mãe, a um pai, que ame os filhos em conformidade com os seus méritos, os pais amam antes dos filhos serem merecedores e mesmo quando não o são continuam a amá-los com o amor inteiro. Na parábola do filho pródigo, aquele Pai, mais que dar, dá-se, liberta o filho, dá-lhe parte da herança e na volta faz festa pelo seu regresso. Ou qual bom Pastor, que deixa 99 ovelhas no aprisco e vai em busca da ovelha perdida.

Deus procura-nos a todas as horas do dia, em todas as idades da nossa história. Cada um de nós é, a um tempo, trabalhador da primeira hora, do meio do dia, do entardecer. Deus desafia-nos, convoca-nos, espera pela nossa resposta. Todos têm lugar à Sua mesa. Todos são acolhidos com todo o Seu amor. Não desiste de ninguém. Não nos retira parte da herança. Dá-nos tudo o que temos direito, ou melhor, mesmo que tenhamos perdido esse direito, Deus não deixa de ser um Pai que nos ama com coração de Mãe.

Não nos compete olhar para os outros, cabe-nos saber que Deus nos dá tudo, a mim e a ti. E se estamos preenchidos, se o nosso prato está cheio, porque é que haveríamos de nos preocupar se os outros também têm tudo? E se formos nós os da última hora? Quereríamos que Deus nos excluísse? Ou nos fizesse esperar?

5 – O nosso sentido de justiça tem a marca das nossas limitações e do nosso egoísmo. Ao avançarmos na idade, tomamos consciência de que a nossa visão sobre a vida e sobre as pessoas se vai alterando. Quando ajuizamos em relação a outros, ou a estranhos, ou a inimigos, temos uma justiça; quando ajuizamos em relação a amigos e familiares, somos mais benevolentes. É fácil falar menos bem dos filhos dos outros, mas ai de alguém que nos fale mal dos nossos filhos! Um juiz que é pai, deixa de ter a melhor clareza para “julgar” um filho, ou talvez a clareza do amor o faça ver muito para lá dos erros e das falhas.

A Eucaristia convida-nos a viver segundo o que suplicamos: «Senhor, que fizestes consistir a plenitude da lei no vosso amor e no amor do próximo, dai-nos a graça de cumprirmos este duplo mandamento, para alcançarmos a vida eterna».

O salmo conduz-nos na mesma direção: «Grande é o Senhor e digno de todo o louvor, insondável é a sua grandeza. O Senhor é clemente e compassivo, paciente e cheio de bondade. O Senhor é bom para com todos e a sua misericórdia se estende a todas as criaturas. O Senhor é justo em todos os seus caminhos e perfeito em todas as suas obras. O Senhor está perto de quantos O invocam, de quantos O invocam em verdade».

É também este o desafio do profeta Isaías. O salmo reza a palavra de Deus que nos é servida como alimento na primeira leitura. Os dois textos interpelam-se e completam-se mutuamente: «Procurai o Senhor, enquanto se pode encontrar, invocai-O, enquanto está perto. Deixe o ímpio o seu caminho e o homem perverso os seus pensamentos. Converta-se ao Senhor, que terá compaixão dele, ao nosso Deus, que é generoso em perdoar». Em tudo isto, a certeza que a misericórdia de Deus supera as nossas insuficiências e egoísmos: «Porque os meus pensamentos não são os vossos, nem os vossos caminhos são os meus. Tanto quanto o céu está acima da terra, assim os meus caminhos estão acima dos vossos e acima dos vossos estão os meus pensamentos».

6 – “Procurai somente viver de maneira digna do Evangelho de Cristo”.

Mais uma vez, São Paulo apresenta-nos, na segunda leitura, uma belíssima síntese da Palavra de Deus. Não basta sabermos a identidade de Deus que Jesus nos mostra com as Suas palavras, com o Seu proceder, com a Sua postura. Há consequência se O queremos levar a sério. Para sermos discípulos missionários temos que procurar sintonizar com o Evangelho ao ponto de dizermos como o Apóstolo: «Porque, para mim, viver é Cristo e morrer é lucro. Mas, se viver neste corpo mortal me permite um trabalho útil, não sei o que escolher. Sinto-me constrangido por este dilema: desejaria partir e estar com Cristo, que seria muito melhor; mas é mais necessário para vós que eu permaneça neste corpo mortal». O dilema de Paulo: encontro imediato com Jesus Cristo na eternidade, pois está pronto para morrer, ou continuar a anunciar o Evangelho para mais pessoas se convertam a Cristo. Numa ou noutra situação, “Cristo será glorificado no meu corpo, quer eu viva quer eu morra”.

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia (ano A): Is 55, 6-9; Sl 144 (145); 2 Filip 1, 20c-24. 27a; Mt 20, 1-16a.