Domingo XXVII do Tempo Comum – C – 2022

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Domingo XXVII do Tempo Comum – C – 2022

1 – O filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a vida por todos. A resposta de Jesus, dada aos Seus discípulos quando eles discutiam sobre quem seria o maior para Lhe suceder, clarifica a prevalência do serviço sobre o poder, da humildade sobre a prepotência, da caridade sobre a arrogância, da ternura sobre a violência.

A fé faz-nos humildes, coloca-nos diante de Deus e dos outros em atitude de serviço, sem preconceitos, sem exceções. Os Apóstolos rezam a Jesus para que lhes aumente a fé e, por sua vez, Jesus desafia-os ao serviço, de forma desinteressada, simplesmente porque isso agrada ao Senhor e por que essa é a missão de todos os seus seguidores. O poder do cristão é o amor, é o serviço.

Santa Teresa do Menino Jesus dirá que nos momentos de dúvida, prevalecerá a fé. “Não sinto a alegria da fé, mas esforço-me por praticar as obras da fé”. Na verdade, como ela própria sublinha, inspirada pelo apóstolo são Paulo, a sua vocação é o amor. “A caridade ofereceu-me a chave da minha vocação… compreendi que a Igreja tem coração, um coração ardente de amor; compreendi que só o amor fazia atuar os membros da Igreja e que, se o amor viesse a extinguir-se, nem os Apóstolos continuariam a anunciar o Evangelho nem os mártires a derramar o seu sangue; compreendi que o amor encerra em si todas as vocações, que o amor é tudo e que abrange todos os tempos e lugares, numa palavra, que o amor é eterno… A minha vocação é o amor. Sim, encontrei o meu lugar na Igreja, e este lugar, ó meu Deus, fostes Vós que mo destes: no coração da Igreja, minha Mãe, eu serei o amor; com o amor serei tudo; e assim será realizado o meu sonho”.

Em momentos de “trevas”, Santa Teresinha, como outros santos místicos, ou como Santa Teresa de Calcutá, não cessam de amar, se servir, de se gastar pelos mais pequeninos. Dessa forma, cumprem o mandado de Jesus, encontrando-O.

2 – A fé faz milagres, alguns mais visíveis do que outros. Jesus é perentório, garantindo aos discípulos que, se tiverem fé, farão os prodígios que Ele realiza e ainda maiores. «Se tivésseis fé como um grão de mostarda, diríeis a esta amoreira: ‘Arranca-te daí e vai plantar-te no mar’, e ela obedecer-vos-ia».

Na verdade, a fé cura a alma, abre horizontes, faz-nos acolher o que está além de nós, reconhecer a Sua omnipotência, mas também a Sua proximidade. A fé dilata o nosso coração, faz-nos ver a nossa pequenez, ponto de partida para se deixar envolver pela grandeza e pela graça de Deus. A fé é garantia para a vida toda, até à eternidade. Move o nosso coração e faz-nos levantar, correr, ir ao encontro dos outros, ajudar, não como peso ou obrigação, mas como compromisso, como amor, o amor de Deus que enche e preenche o nosso coração.

Sendo um dom, não o esqueçamos, a fé não é conquista, nem deriva de nós. É Deus que nos concede o dom da fé. Cabe-nos acolhê-lo e, como o amor, cultivá-lo. O dom que não se alimenta, que não tem raízes, que não tem chão onde se apoiar, também não tem Céu, não tem asas para voar. É que mesmo para voar precisamos de um chão, como ponto de apoio, com a gravidade que permite o impulso, mas também a ligação. A oração é a gravidade que nos atrai para Deus e nos liga com os irmãos. A oração é o combustível da fé.

É, de facto, relevante que ao pedido dos apóstolos, Jesus não responda com um tratado sobre a fé, mas os oriente para o serviço. «Quem de vós, tendo um servo a lavrar ou a guardar gado, lhe dirá quando ele voltar do campo: ‘Vem depressa sentar-te à mesa’? Não lhe dirá antes: ‘Prepara-me o jantar e cinge-te para me servires, até que eu tenha comido e bebido. Depois comerás e beberás tu’?. Terá de agradecer ao servo por lhe ter feito o que mandou? Assim também vós, quando tiverdes feito tudo o que vos foi ordenado, dizei: ‘Somos inúteis servos: fizemos o que devíamos fazer’».

Sabendo de que massa somos feitos, Jesus alerta-nos para a tentação do exibicionismo, que nos pode distrair do serviço alegre. Não estamos no mundo para escolhermos entre o bem e o mal, entre o compromisso e a indiferença. Não, como filhos de Deus, só temos um caminho, agir segundo os Seus desígnios de amor. Nada mais, nada menos. Não há fé em Deus que não nos faça inclinar para os irmãos para os servirmos.

3 – Na primeira leitura, o Senhor responde a Habacuc: «Põe por escrito esta visão e grava-a em tábuas com toda a clareza, de modo que a possam ler facilmente. Embora esta visão só se realize na devida altura, ela há de cumprir-se com certeza e não falhará. Se parece demorar, deves esperá-la, porque ela há de vir e não tardará. Vede como sucumbe aquele que não tem alma reta; mas o justo viverá pela sua fidelidade».

A promessa de Deus desafia a nossa confiança, a nossa espera, mas também o nosso compromisso com a justiça. O Profeta clama, reza, interpela Deus pelo Seu silêncio. O mundo em que vive é marcado pela injustiça e pela violência, pela iniquidade e pela opressão. O profeta convoca Deus para a sua vida e para as situações do tempo presente. Deus responde-lhe e convoca-o, desafiando-o à resiliência, à confiança, garantindo que o justo prevalecerá. Enquanto não se cumpre o tempo, cabe, a cada um de nós, pôr em marcha a concretização dos mandamentos, para que a justiça de Deus se efetue. Na verdade, Deus ajusta-Se a nós, mas não Se reduz ao nosso tempo e interesses, pois de contrário, nós O dominaríamos e O controlaríamos a nosso bel prazer. Por outro lado, o Seu tempo não é o nosso. Deus age, não segundo a nossa vontade e a nossa pressa, mas segundo a Sua sabedoria e os Seus desígnios de amor.

A oração faz-nos voltar o coração e a vida para Deus: “Deus todo-poderoso e eterno, que, na abundância do vosso amor, cumulais de bens os que Vos imploram, muito além dos seus méritos e desejos, pela vossa misericórdia, libertai a nossa consciência de toda a inquietação e dai-nos o que nem sequer ousamos pedir”. Deus não deixará de vir em auxílio das nossas preces e das nossas dúvidas. Ele está também no silêncio da nossa alma. Escutemo-lo!

4 – O decisivo não é Deus escutar o nosso clamor, que sempre escuta, mas que cada um de nós viva em modo de escuta. A escuta faz parte da oração. Alguns distinguem mesmo a oração do rezar. Rezamos quanto falamos, oramos quando escutamos. Mas à parte essas reflexões, importa que a nossa oração seja efetivamente diálogo. Este pressupõe, não um discurso previamente preparado, mas a escuta atenta, disponível, assertiva. Não podemos responder bem sem termos escutado direito! Se só falamos, sem escutar, não existe verdadeira oração, verdadeiro diálogo. Só a escuta nos faz sintonizar com o sentir do outro, no caso da oração, nos faz sintonizar com a vontade, com o coração de Deus.

A oração deveria ser o paradigma para a nossa vida, nas suas diferentes esferas, na relação interpessoal, na família, no trabalho ou onde quer estejamos ou o quer que façamos. Um dos nossos problemas é a pressa em falar, reagir, responder, e não nos dispormos a escutar, isto é, a ouvir com atenção o que o outro tem para nos dizer ou o que nos diz com a expressão do seu rosto, do seu corpo, com a sua presença. Vale a pena recordar novamente a expressão de Ralph Waldo Emerson “O que tu és fala tão alto que mal consigo ouvir o que tu dizes”. Vale na relação com os outros, vale na relação com Deus. Escutamos além das palavras, também com a presença e o silêncio da alma.

Como não nos escutamos, discutimos, exaltamo-nos, provocamos ruturas, conflitos, guerras. Porque é que gritámos quando estamos tão perto uns dos outros? Não é por sermos surdos, mas porque não estamos prontos para a escuta, não ouvimos com o coração. Receamos que o outro tenha razão ou que nos faça mudar de ideias?

O salmista desafia-nos a escutar: “Se hoje ouvirdes a voz do Senhor, não fecheis os vossos corações…  Quem dera ouvísseis hoje a sua voz: «Não endureçais os vossos corações, como em Meriba, como no dia de Massa no deserto, onde vossos pais Me tentaram e provocaram, apesar de terem visto as minhas obras».

Interpelação que se converte em oração, oração que implica compromisso com o que rezamos.

5 – São Paulo, na segunda leitura, imita Jesus, recomendando a Timóteo, a mim e a ti, que a fé, dom recebido, leve ao testemunho, agrafando a fé e a caridade.

Diz o apóstolo: «Exorto-te a que reanimes o dom de Deus que recebeste pela imposição das minhas mãos. Não te envergonhes de dar testemunho de Nosso Senhor, nem te envergonhes de mim, seu prisioneiro. Mas sofre comigo pelo Evangelho, confiando no poder de Deus. Toma como norma as sãs palavras que me ouviste, segundo a fé e a caridade que temos em Jesus Cristo. Guarda a boa doutrina que nos foi confiada, com o auxílio do Espírito Santo, que habita em nós».

Iniciámos outubro, mês missionário. A abrir a festa de Santa Teresinha do Menino Jesus, co-padroeira das Missões, que nos mostra que o compromisso evangelizador faz-se também em casa, no convento ou mosteiro, e não apenas na longura dos continentes. É também essa a exortação de Paulo: dar testemunho em todo as situações, mais pacíficas ou mais adversas. O cristão experimenta a alegria se ser de Cristo, alegria que transborda pela voz e pela vida.

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia (C): Hab 1, 2-3; 2, 2-4; Sl 94 (95); 2 Tim 1, 6-8. 13-14; Lc 17, 5-10.