Domingo XXX do Tempo Comum – ano B – 2024
1 – Há um homem à beira do caminho que não vê! Somos homens e mulheres que muitas vezes cerramos os olhos para não ver. Há um homem na estrada de Jericó que quer muito ver! Nas estradas do nosso tempo há um mar de gente à beira do caminho, à espera de uma mão, de um olhar, de alguém que passe e vá devagar! Naquela estrada e naquele tempo, há um homem a clamar, a chamar por Jesus que vai a passar. E ainda hoje, há tanta gente cansada de gritar, de procurar, de esperar; tanta gente sem vez nem voz, sem ver além do imediato, a tentar sobreviver.
Aquele homem tem nome, Bartimeu, filho de Timeu, e pede esmola a quem passa. Existem hoje muitas pessoas a pedir esmola, anónimas, que contam apenas para a estatística. Já não têm nome, são um número. Mas aquele homem tem nome, os homens e as mulheres que estão à beira do caminho, fora da estrada, excluídos da cidade, nas periferias da vida, também têm rosto, também têm nome. Têm de contar como pessoas, e não apenas para a percentagem.
É por Jesus que Bartimeu clama, gritando cada vez mais: «Filho de David, tem piedade de mim».
Há discípulos e há uma grande multidão. E há Jesus. E tu e eu! E Bartimeu! Ele chama por Jesus. Alguns incomodam-se com aquela voz, com aquela gritaria e repreendem-no, querem que se cale. Também hoje há quem silencie o pobre, o pedinte, o justo e se afaste para não ouvir, desviando o olhar para não ver. Eu, tu e Bartimeu, e Jesus!
Jesus pára, ouve e compromete-nos: chamai-o. A vista, a voz e o andar para que servem se não forem para ver os outros, para ouvir os seus clamores, para nos encaminharem ao seu encontro? Então ponhamos em movimento e encaminhemos outros para Jesus: «Coragem! Levanta-te, que Ele está a chamar-te». E já sabemos como fazer: pela voz e pela vida, com palavras e com obras. Levemos Jesus aos outros. Conduzamos os outros a Jesus.
2 – Aquele homem, Bartimeu, posso ser eu, podes ser tu! Umas vezes cegos, outras vezes com vontade de ver e enxergar. Mais cegos são os que não querem ver e ativamente se recusam a olhar para os outros, a ouvir os seus apelos e a confrontar-se com as suas dificuldades. Senhor, “quando foi que te vimos com fome, ou com sede, ou peregrino, ou nu, ou doente, ou na prisão, e não te socorremos?” A resposta clarifica a nossa falta de visão: «sempre que deixastes de fazer isto a um destes pequeninos, foi a mim que o deixastes de fazer».
Bartimeu ouviu dizer que Jesus passava por ali e decide-se. Senhor, tem piedade de Mim. Está disposto a ver Jesus, quer ver Jesus, quer ver como Jesus. Esta vontade firme é meio caminho andado para Jesus. Com efeito, o cego, diz-nos o evangelista, atirou fora a capa e tudo o que lhe pesava do passado, deu um salto, libertando-se de qualquer amarra, antes que pudesse voltar atrás, e foi ter com Jesus. Ao escutarmos o relato, parece que este homem afinal tinha a vista em condições para ver, mas faltava-lhe dar o salto, e ver com o olhar de Jesus. A resposta de Jesus é muito curiosa: «Vai: a tua fé te salvou». Poderíamos esperar que Jesus lhe dissesse: Vê. Mas Jesus diz-lhe “Vai”. O caminho faz-se caminhando. Parados não vemos nada. Ensimesmados, o nosso olhar adoece e morre.
O encontro com Jesus devolve-nos a vista, dá-nos um olhar novo. Depois cabe-nos segui-l’O. Bartimeu recuperou a vista e seguiu Jesus pelo caminho. Além da cura física, importa a cura que nos devolve a humanidade e nos conduz a Jesus, nos envolve na fraternidade, tornando-nos ágeis para servir e amar, sem pausas nem reservas.
3 – Como cristãos, discípulos missionários de Jesus, temos a missão de transportar a alegria da Boa Nova: Deus ama-nos como Pai e mais como Mãe, e, de tanto nos amar, nos deu o Seu Filho único, que faz da Sua vida uma constante de entrega, gastando-Se para nos redimir, para nos inserir na vida divina, para nos garantir, de uma vez para sempre, uma morada junto do Pai.
Ao longo dos últimos Domingos, fomos vendo como Jesus instrui os seus discípulos acerca do seguimento e das opções do Reino. Quem quiser ser o primeiro seja o último e o servo de todos, ser como crianças, simples, humildes, não fazendo acessão de pessoas, ultrapassando as fronteiras da religião, da pureza e da impureza. A condição única é o serviço ao outro, o cuidado, o amor ao jeito de Jesus, que veio para servir e dar a vida por todos. Hoje, o Evangelho mostra o desejo de conversão, dar passos firmes até Jesus, chamar por Ele, rezar, levantar-se, deixar para trás o que pesa desnecessariamente e é inútil, segui-l’O com a nossa vida, com a nossa Cruz, e deixar que a Sua Cruz nos liberte de toda a mágoa, do pecado, das trevas e da morte.
A promessa de Deus revelada por Jeremias convoca-nos, antecipadamente, para a alegria. «Soltai brados de alegria por causa de Jacob, enaltecei a primeira das nações. Fazei ouvir os vossos louvores e proclamai: ‘O Senhor salvou o seu povo, o resto de Israel’. Vou trazê-los das terras do Norte e reuni-los dos confins do mundo. Entre eles vêm o cego e o coxo, a mulher que vai ser mãe e a que já deu à luz. É uma grande multidão que regressa. Eles partiram com lágrimas nos olhos e Eu vou trazê-los no meio de consolações. Levá-los-ei às águas correntes, por caminho plano em que não tropecem. Porque Eu sou um Pai para Israel e Efraim é o meu primogénito».
Aquele homem à beira do caminho experimenta a salvação que vem de Cristo e de cego que era passa a discípulo, seguindo Jesus, procurando ver em cada pessoa um irmão a servir e a cuidar.
4 – «Tu és meu Filho, Eu hoje Te gerei… Tu és sacerdote para sempre, segundo a ordem de Melquisedec». Jesus, o Filho bem Amado do Pai é também o Sumo Sacerdote que Se oferece de uma vez para sempre e por todos.
Com efeito, diz-nos o autor da Epístola aos Hebreus, “todo o sumo sacerdote, escolhido de entre os homens, é constituído em favor dos homens, nas suas relações com Deus, para oferecer dons e sacrifícios pelos pecados. Ele pode ser compreensivo para com os ignorantes e os transviados, porque também ele está revestido de fraqueza; e, por isso, deve oferecer sacrifícios pelos próprios pecados e pelos do seu povo”. É uma eleição. Ninguém atribui a si mesmo esta missão, a não ser aquele que foi chamado por Deus. Assim com Aarão. Assim com Jesus, o Sumo Sacerdote por excelência, o Mediador perfeito entre Deus e os homens. É o Pai que Lhe atribui esta missão sacerdotal.
Sublinhe-se a identificação de Jesus com a humanidade. O sacerdote pode ser compreensivo com os ignorantes e transviados, porque também ele está revestido de fraqueza. Jesus que era de condição divina, revestiu-Se de humanidade, em tudo igual a nós, exceto no pecado, e, por conseguinte, foi constituído a favor de todos, para nos libertar dos pecados e nos ligar a Deus.
A cura daquele cego é expressão desta intervenção de Jesus. Olhando para nós, compadecendo-se das nossas fraquezas, procura curar-nos de toda a cegueira, de todo o mal, de todas as trevas e desafiar-nos a acompanhá-l’O pelo caminho, como Bartimeu. Não nos cura para ficarmos no mesmo sítio ou na mesma situação, cura-nos para que também nós sejamos curadores das feridas e dos sofrimentos dos outros.
5 – Reconhecendo a nossa frágil condição humana, apesar de salvos em Cristo, pelo Batismo, mas ainda peregrinos, peçamos ao Senhor o Seu auxílio e a Sua misericórdia: «Deus eterno e omnipotente, aumentai em nós a fé, a esperança e a caridade; e para merecermos alcançar o que prometeis, fazei-nos amar o que mandais».
A consciência, como nos recorda o Papa Francisco, da nossa condição pecadora e dos nossos pecados, faz-nos dar um primeiro passo em direção a Jesus Cristo – Senhor tem compaixão de Mim. Salvos por Ele, prossigamos com Ele pelo caminho, como Bartimeu, que bem poderia ser eu ou tu. Quais Bartimeus deste tempo, tenhamos a coragem de nos deixarmos curar por Jesus para O seguirmos!
Pe. Manuel Gonçalves
Textos para a Eucaristia (ano B): Jer 31, 7-9; Sl 125 (126); Hebr 5, 1-6; Mc 10, 46-52.