Festa Sagrada Família de Nazaré – B – 2023

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Festa Sagrada Família de Nazaré – B – 2023

1 – A família continua a ser berço, alicerce, fundamento, baliza para uma sociedade saudável. Independentemente das características que tenha adquirido ao longo do tempo, continua a ser uma referência incontornável, uma realidade insubstituível, um espaço de equilíbrios, onde se vivem e se aprendem valores e comportamentos, onde se desenvolvem talentos e se testam os limites, onde se cultivam as regras e a criatividade, espaço em que a pessoa se torna ela mesma sem fingimento, sem máscaras, descobrindo a sua identidade.

É a partir da família que a pessoa se envolverá na sociedade, levando consigo as raízes, a identidade, os valores, a capacidade de comprometimento social. Uma família doente, desestruturada, conflituosa arrastará os seus membros para a indiferença ou para a conflitualidade social. Uma maçã que apodrece fará com que as outras também apodreçam à sua volta. Assim também a família em relação à sociedade, sendo que também esta influi sobre aquela.

Há climas sociais e opções políticas que sabem da importância da família e, por conseguinte, apostam claramente em protegê-la, com medidas que potenciem a saúde, a educação, o compromisso solidário e comunitário.

Com efeito, refira-se, as instituições que acolhem crianças, ou jovens mães desamparadas, não se substituem às famílias, pois tendem, tanto quanto possível, a serem estações intermédias até que as famílias se recomponham ou procurando outras que assumam essa missão.

A família, a rua, a tribo, o bairro são grupos que promovem, facilitam e tornam possível a integração, a inclusão, a convivência saudável, o sentido de pertença, a casa ou refúgio de onde se parte e onde se regressa. As notícias fazem prevalecer os problemas, os conflitos, as rixas familiares. Como se costuma dizer, para haver conflito basta haver duas pessoas. Muitos desses conflitos são consequência de maleitas do passado, desenvolvidas em ambientes familiares e sociais miseráveis. A pobreza não gera bandidos, nem pouco mais ou menos, contudo, alguns ambientes de pobreza são facilitadores de revolta e de conflito. Diz a sabedoria popular que onde não há pão todos ralham e ninguém tem razão.

2 – A família de Nazaré é uma referência de fé, de fidelidade aos mandamentos, de vivência religiosa, mas não está isenta de dificuldades. Mesmo hoje seria tida como uma família atípica: Maria fica grávida antes de ela e José conviverem, portanto, antes da efetivação do matrimónio, e José não é o pai do Menino Jesus. Sem a fé, Maria ficaria em maus lençóis. Como outras famílias, andam com a casa às costas, de Nazaré para Belém, de Belém para o Egito, foragidos, e do Egito para Nazaré. Na adolescência de Jesus, ainda que confiando no filho, Maria e José deixam-no para trás, perdendo-o. Claro que percebemos os contornos, mas não deixa de ser uma situação embaraçosa e preocupante para a família.

Desde cedo, Maria soube que a vida não lhe traria tempos nem fáceis nem sossegados.

Passados quarenta dias do seu nascimento, Maria e José levam Jesus a Jerusalém, ao Templo, para O apresentarem ao Senhor: «Todo o filho primogénito varão será consagrado ao Senhor».

José e Maria, como se vê, vivem a fé judaica, cumprindo as prescrições da Lei de Moisés. A sagrada família vive os valores da tradição, da família, da religião, não como fardo, mas com alegria, com fé, criando espaço para Deus, sabendo que com Ele nada perdem e tudo tem luz e sentido.

No Templo, o velho Simeão confirma o mistério em que está envolvido Jesus. «Agora, Senhor, segundo a vossa palavra, deixareis ir em paz o vosso servo, porque os meus olhos viram a vossa salvação, que pusestes ao alcance de todos os povos: luz para se revelar às nações e glória de Israel, vosso povo».

O evangelista diz-nos que Simeão era um homem justo e piedoso. “O Espírito Santo revelara-lhe que não morreria antes de ver o Messias do Senhor; e veio ao templo, movido pelo Espírito. Quando os pais de Jesus trouxeram o Menino, para cumprirem as prescrições da Lei no que lhes dizia respeito, Simeão recebeu-O em seus braços e bendisse a Deus”.

Também Ana, uma profetisa, se encontra no Templo, louva a Deus, falando acerca deste Menino a todos quantos esperavam a libertação de Jerusalém.

3 – Com a bênção vêm o compromisso e a responsabilidade e um aviso à navegação. Diz o velho Simeão a Maria: «Este Menino foi estabelecido para que muitos caiam ou se levantem em Israel e para ser sinal de contradição; – e uma espada trespassará a tua alma – assim se revelarão os pensamentos de todos os corações».

Como se depreende das palavras de Simeão, Aquele Menino, Jesus, é a luz para se revelar às nações, glória de Israel, salvação, mas é também um sinal de contradição. Com a Sua chegada, muitos hão cair e muitos hão levantar-se. A luz clarifica o bem e coloca a descoberto o mal. Alguém “luminoso” é instrumento de bênção, de alegria e festa, mas também gera inveja, ciúme, irritação.

Por outro lado, sabendo-se que o filho estará exposto, os pais, Maria e José, sofrerão do mesmo jeito, ainda que a confiança em Deus lhes permita prosseguir com o “sim” que assumiram. O aviso a Maria não deixa margem para dúvidas, uma espada de dor a trespassará.

A Sagrada Família regressa a Nazaré e, “entretanto, o Menino crescia, tornava-Se robusto e enchia-Se de sabedoria. E a graça de Deus estava com Ele”.

Se acompanharmos este evangelista, só teremos notícia de Jesus por volta dos 12 anos, passagem simbólica e religiosa à idade adulta, e, posteriormente por ocasião do início da vida pública. Nesses trinta e poucos anos, Maria, José e Jesus vivem numa pequena povoação, com outros familiares e vizinhos, numa vida normalíssima, participando das alegrias e tristezas da comunidade. Antes de Jesus iniciar a sua vida pública, são José terá morrido, uma vez que, depois dos 12 anos, não temos mais notícias dele.

4 – «Senhor, Pai santo, que na Sagrada Família nos destes um modelo de vida, concedei que, imitando as suas virtudes familiares e o seu espírito de caridade, possamos um dia reunir-nos na vossa casa para gozarmos as alegrias eternas».

A oração abre o nosso coração a Deus e aos Seus desígnios de amor para nós e para o mundo. A palavra de Deus é clarividente. Nos seus desígnios, Deus criou-nos por amor, criou-nos como povo, em família. Pertencemo-nos. Temos a missão de cuidar uns dos outros. Quando Caim interroga – acaso sou guarda do meu irmão? –, sabe que traiu o Seu criador, esconde-se, justifica-se, não encontra as palavras certas porque sabe que, não apenas matou o seu irmão, também atraiçoou a sua própria identidade e envergonha-se por isso.

O sábio de Israel é taxativo: «Deus quis honrar os pais nos filhos e firmou sobre eles a autoridade da mãe. Quem honra seu pai obtém o perdão dos pecados e acumula um tesouro quem honra sua mãe. Quem honra o pai encontrará alegria nos seus filhos e será atendido na sua oração. Quem honra seu pai terá longa vida, e quem lhe obedece será o conforto de sua mãe». E o autor sagrado prossegue, dizendo: «Filho, ampara a velhice do teu pai e não o desgostes durante a sua vida. Se a sua mente enfraquece, sê indulgente para com ele e não o desprezes, tu que estás no vigor da vida, porque a tua caridade para com teu pai nunca será esquecida e converter-se-á em desconto dos teus pecados».

5 – A fé, o amor a Deus, passa pelo amor e serviço aos outros.

São Paulo, evocando a nossa identidade, eleitos de Deus, santos e prediletos, recomenda-nos o caminho a seguir: «Revesti-vos de sentimentos de misericórdia, de bondade, humildade, mansidão e paciência. Suportai-vos uns aos outros e perdoai-vos mutuamente, se algum tiver razão de queixa contra outro. Tal como o Senhor vos perdoou, assim deveis fazer vós também. Acima de tudo, revesti-vos da caridade, que é o vínculo da perfeição».

Tudo o que fizermos, em família e em sociedade, como cristãos, «por palavras ou por obras, seja tudo em nome do Senhor Jesus, dando graças, por Ele, a Deus Pai». Neste contexto, o apóstolo concretiza o amor que deve envolver as mulheres e os maridos, os pais e os filhos, numa atitude de respeito, amor, obediência, procurando cada um o melhor do outro, tal como Deus, em Jesus, o faz por nós. Jesus gastou-Se por inteiro, dando a vida para que tivéssemos vida abundante, assumindo-nos como irmãos, como Ele, filhos amados de Deus, confiando-nos a Maria como nossa Mãe.

A sagrada Família está envolvida no mistério de Deus que, por sua vez, implica toda a humanidade num projeto de redenção, para que todos formemos um só corpo, uma só família. As dificuldades serão imensas, mas não prevalecerão se deixarmos que a fé contagie a nossa vida e as nossas escolhas.

Pe. Manuel Gonçalves


Leituras para a Eucaristia (ano B): Sir 3, 3-7. 14-17a (gr. 2-6. 12-14); Sl 127 (128); Cl 3, 12-21; Lc 2, 22-40.