Domingo XXVI do Tempo Comum – C – 2022

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Domingo XXVI do Tempo Comum – C – 2022

1 – «Vede bem: guardai-vos de toda a ganância, porque, mesmo que alguém possua em abundância, a sua vida não consiste nos seus bens» (Lc 12, 15). Sabemos bem que os bens materiais, a riqueza, não resolve nem preenche a vida, não responde às questões existenciais, medos e sonhos, adversidades e conquistas.

Desde sempre, desde pequeninos, que precisamos uns dos outros. Não nascemos por vontade própria ou por autorrecriação. Recebemos a vida que se entrelaça na vida dos outros, os que vieram antes e os que caminham connosco e, consequentemente, os que virão depois. Pertencemo-nos, dependemos uns dos outros. Recebemos e damos. Precisamos do olhar, do abraço retribuído, da companhia.

A vida em família, e desta com as famílias vizinhas, os grupos, tribos e povos sobreviveram na entreajuda, na solidariedade, na troca de bens e de trabalho, enriquecendo-se mutuamente com as técnicas que foram sendo inventadas e desenvolvidas. No tempo da expansão portuguesa, por exemplo, levávamos produtos para trocarmos por outros que não tínhamos! O mesmo acontecia, e acontece, nas nossas aldeias.

Não faltou também, ao longo do tempo, o egoísmo encerrado na desconfiança, no medo, na ganância, com alguns, pessoas e famílias, tribos e povoações, a procurarem acumular para si, roubando, escondendo, enganando, com os conflitos inerentes à avareza e prepotência.

No mundo em que vivemos, para acedermos à cultura, aos bens, à saúde, ao desporto, para comermos, bebermos e vestirmos, precisamos de dinheiro ou valores! O problema, diz Augusto Cury, não é quando possuímos dinheiro, ainda que muito! O problema é quando o dinheiro nos possui! E, como sublinha Jesus, não podemos servir a Deus e ao dinheiro. Há prioridades que são inclusivas e há outras que são excludentes, que conduzem à prepotência e avareza, à corrupção e à marginalização.

Os tempos que se avizinham merecem preocupação. A tendência de subida de preços, em bens de primeira necessidade, que se acentuou com a pandemia e se agudizou com a guerra da Rússia contra a Ucrânia, e que ameaça todo o mundo ocidental, tornou vulnerável a vida das pessoas. Os muros entre pobres e ricos, pessoas e povos, tornou-se manifesto! Aí está bem viva a parábola de Jesus: o pobre Lázaro, fora das muralhas, prostrado, pedinte, em sofrimento, na incerteza, não apenas do futuro, mas também do presente; e, por outro lado, o rico avarento, tranquilo, desligado das necessidades e sofrimentos dos seus irmãos, que se mantém à distância, para não ver e não se deixar interpelar!

Os pobres são os primeiros a pagar a fatura das crises económico-financeiras! Sempre foi assim e assim continuará a ser. O aumento de uns cêntimos no pão para quem sobrevive com pouco é muito e para quem tem muito passa despercebido.

2 – «Havia um homem rico, que se vestia de púrpura e linho fino e se banqueteava esplendidamente todos os dias. Um pobre, chamado Lázaro, jazia junto do seu portão, coberto de chagas. Bem desejava saciar-se do que caía da mesa do rico, mas até os cães vinham lamber-lhe as chagas».

Uma história intemporal. Junto a cidades de luxo, multiplicam-se os bairros de lata! A pobreza e a guerra aliam-se e geram milhares de refugiados. A pobreza já era um indicador do desequilíbrio social, a guerra, além de destruir o sonho, a esperança e o futuro, cava mais fundo a miséria material, destruindo bens e impedindo que outros bens se semeiem, se plantem, se produzam.

O discurso pela justiça social e pela erradicação da pobreza ainda não produziu os frutos desejáveis e o fosso continua a aumentar entre os que têm muito e os que não possuem o mínimo para sobreviver.

Ao longo da Sua vida pública, Jesus manifesta uma enorme proximidade em relação aos desvalidos, pobres, excluídos, marginalizados pela sociedade, pela política, pela economia e até mesmo pela religião. É a opção preferencial pelos mais pobres. São os doentes que precisam de médico, são os pecadores que precisam de salvação, são os desprezados deste mundo que precisam de ser reabilitados, incluídos, reintegrados na sociedade. A preferência descrimina positivamente, para restabelecer igualdade, para construir fraternidade. Não é possível construir fraternidade sem igualdade, tanto quanto possível, desde logo ao nível das oportunidades.

O que fizerdes ao mais pequeno dos meus irmãos é a Mim que o fazeis. Atender os pobres, procurar erradicar a pobreza, não é uma opção ao lado de outras, é um compromisso inadiável. É um mandamento dentro do mandamento do amor. Os lázaros têm nome! Os ricos, anónimos, também podemos ser nós, eu e tu, quando nos fechamos aos outros, quando mantemos distâncias e somos indiferentes ao sofrimento alheio.

3 – Há uma responsabilidade temporal e histórica. O Céu, a vida eterna, não são um prémio que surge no final da vida! A eternidade inicia-se aqui e agora. Deus salva-nos, gratuitamente. Cabe-nos acolher a Sua misericórdia, ao nível das intenções e propósitos, mas sobretudo pelas palavras e pelas obras. A fé dispõe o nosso coração para amar. Ama-se servindo e cuidando.

Lázaro morreu e o rico também morreu. Não sabemos muito acerca do pobre, sabemos dos seus sofrimentos e que entrou no reino de Deus e que tem nome. O pobre tem rosto e tem nome, não é um número, não é um número numa estatística, mas uma pessoa. Do homem rico, sabemos que se encerrou e se perdeu na sua riqueza. O homem rico, ainda que a sua riqueza seja honesta, enquanto ser humano e filho de Deus, não pode fechar os olhos à miséria dos outros, sabendo que muitos deles até contribuíram para a sua riqueza, com o seu trabalho ou comprando-lhe os bens.

Se fôssemos meros animais irracionais guiar-nos-íamos pelas leis da sobrevivência e pela lei do mais forte. Como seres humanos ligamo-nos uns aos outros e ao mundo. O que temos, temo-lo graças ao que os outros nos deixaram previamente, se não no resultado, nas invenções, no desenvolvimento de técnicas e de instrumentos laborais. Queiramos ou não, estamos de facto no mesmo barco. Ninguém consegue ser rico, materialmente, falando, se não for à custa dos outros. Afinal, não vivemos e não somos ilhas isoladas. Se temos muitos bens derivado a uma herança… foram outros que trabalharam; se nos dedicamos de alma e coração a um trabalho e/ou profissão, a uma empresa, a uma iniciativa, dependemos de outros para adquirirem, para vendermos, para levarmos por diante um empreendimento, para obtermos sucesso pelo acolhimento de outros.

Como cristãos, o comprometimento com a solidariedade, com a justiça social, é um mandamento. Não se trata de ajudar o outro por que é boa pessoa, porque merece, mas porque é nosso irmão, é filho amado de Deus. Amamos Deus nos Seus filhos, nossos irmãos.

4 – O Profeta Amós é contundente ao comunicar-nos a mensagem de Deus. Ser indiferente às necessidades do próximo, deixando-o a sofrer, fora do portão, encerrado na exclusão e na pobreza, é pecado que brota aos Céus.

São as palavras do Senhor nosso Deus: «Ai daqueles que vivem comodamente em Sião e dos que se sentem tranquilos no monte da Samaria. Deitados em leitos de marfim, estendidos nos seus divãs, comem os cordeiros do rebanho e os vitelos do estábulo. Improvisam ao som da lira e cantam como David as suas próprias melodias. Bebem o vinho em grandes taças e perfumam-se com finos unguentos, mas não os aflige a ruína de José. Por isso, agora partirão para o exílio à frente dos deportados e acabará esse bando de voluptuosos».

Na verdade, quando criamos muros, parecendo que nos protegemos, estamos a impedir que os outros nos ajudem quando precisarmos e a desperdiçar os seus talentos e os seus dons. Os muros que deveriam proteger-nos, com o tempo, são os muros que nos desumanizam, nos tornam enfermos, nos isolam.

O salmista faz-nos ver, e rezar, a benevolência e a proximidade de Deus para com os mais frágeis: «O Senhor faz justiça aos oprimidos, dá pão aos que têm fome e a liberdade aos cativos. O Senhor ilumina os olhos dos cegos, o Senhor levanta os abatidos, o Senhor ama os justos. / O Senhor protege os peregrinos, ampara o órfão e a viúva e entrava o caminho aos pecadores».

Esta é a justiça de Deus, o Seu amor e cumplicidade com os desvalidos. Se queremos sentir o sopro da Sua presença, sejamos pobres, amando e servindo; cuidemos uns dos outros, especialmente dos indigentes, para dessa forma estarmos em sintonia com Ele e na Sua presença.

5 – Na segunda leitura, São Paulo, ao dirigir-se a Timóteo, faz a ponte entre as obras que praticamos e a vida eterna que acolhemos. Não são estanques, separáveis, não se situam em tempos e espaços intocáveis. O Céu, em Cristo, desceu claramente à terra e, com Ele, a terra beneficia e inclina-se para o Céu.

As recomendações a Timóteo, e a cada um de nós, são concretas: «Pratica a justiça e a piedade, a fé e a caridade, a perseverança e a mansidão. Combate o bom combate da fé, conquista a vida eterna, para a qual foste chamado e sobre a qual fizeste tão bela profissão de fé perante numerosas testemunhas».

Como se vê, não se dissociam as boas obras da vida eterna. O apóstolo conclui, desafiando: «Ordeno-te na presença de Deus, que dá a vida a todas as coisas, e de Cristo Jesus, que deu testemunho da verdade diante de Pôncio Pilatos: Guarda o mandamento do Senhor, sem mancha e acima de toda a censura, até à aparição de Nosso Senhor Jesus Cristo, a qual manifestará a seu tempo o venturoso e único soberano, Rei dos reis e Senhor dos senhores».

O reino de Deus aguarda-nos, não no futuro, mas agora. O reino de Deus é Jesus Cristo a agir em nós, a guiar e iluminar a nossa vida.

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia (C): Am 6, 1a. 4-7; Sl 145 (146); 1 Tim 6, 11-16; Lc 16, 19-31.