Festa da Sagrada Família – ano C – 2021

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Festa da Sagrada Família – ano C – 2021

1 – “Tudo seria bem melhor se o Natal não fosse um dia, se as mães fossem Maria e se os pais fossem José; e se a gente parecesse com Jesus de Nazaré”. Na canção do Pe. Zezinho está o desafio a fazermos com que o espírito do Natal esteja presente nas relações pessoais, familiares e profissionais, os valores do respeito, do amor e do cuidado, da vida, da alegria e da ternura, da simplicidade, da pobreza e da comunhão. Por outro lado, a referência à família de Nazaré como modelo, ainda hoje, para as famílias.

São Lucas apresenta-nos a perda e o encontro de Jesus no Templo, entre os Doutores da Lei (5.º mistério gozoso). Os pais de Jesus iam todos os anos a Jerusalém para celebrarem a Páscoa (judaica). Sem ostentação nem sobranceria, José e Maria assumem-se crentes entre os crentes, família como tantas outras, que procuram cumprir com os requisitos da religião.

No “Bar Mitzvá” (filho do mandamento), os jovens judeus são inseridos como membros maduros na vida da comunidade. A idade para as meninas é de 12 anos e para os rapazes é de 13 anos. São Lucas parece referir-se a esta cerimónia. O jovem passa a ser responsável pelos seus atos e pode participar nas cerimónias religiosas, podendo ler publicamente a Sagrada Escritura. Assim se entende o diálogo de Jesus com os Doutores da Lei.

A família de Jesus está inserida na vida da comunidade, temente a Deus, cumpridora!

2 – A vida não é branco ou preto, vermelho ou azul, é multicolor. Assim também as famílias não são totalmente catalogáveis, ainda que o façamos para uma melhor compreensão. Nucleares ou alargadas, estruturadas ou disfuncionais, inseridas na comunidade ou alheadas. Há novos tipos de família que devemos encarar como desafio. Os vínculos são diferentes e talvez a estabilidade também o seja, a vulnerabilidade é maior, pois maiores são as janelas e mais frágeis as cortinas. A tradição já não é o que era! As luzes e sombras, alegrias e esperanças são de sempre, ainda que hoje seja tudo mais rápido, acelerado e, talvez, mais violento.

O matrimónio (cristão) dava início a uma nova família. Namoro, conhecimento mútuo e integração na família do futuro esposo/a, noivado, casamento, filhos e educação destes no ambiente alargado da família e da comunidade crente. Hoje tende a começar ao contrário: primeiro, os filhos e, depois, os pais talvez se juntem, talvez se casem civilmente e, talvez, em menos casos, se contraiam matrimónio pela Igreja! O Papa Francisco tem sublinhado que o mais importante é os cristãos e as famílias cristãs mostrarem a alegria de serem o que são. E, também neste campo, como diria Bento de XVI, mais que proselitismo, há de valer a atração!

A família de Nazaré está imersa na tradição judaica, ainda que habitualmente houvesse a geração de mais filhos, sinal de bênção divina.

Na pequena cidade de Nazaré, as famílias entreajudam-se, vivendo do que a terra produz. Nas hortas e nos campos, têm árvores de fruto, vinha, animais de pequeno porte, cabras e ovelhas, que garantem o leite, o fabrico do queijo e a lã; ajudam-se, trocando produtos e trabalho, e potenciam a arte de alguns (são José era carpinteiro). Ao sábado reúnem-se em família e em comunidade, para rezar, ler e meditar a Sagrada Escritura. Partilham as alegrias, o nascimento de uma criança, e as tristezas, a morte de um familiar.

3 – Maria, José e Jesus vão a Jerusalém com outras famílias. No regresso, apercebem-se da ausência de Jesus. Sabem-n’O ajuizado e julgam que vem com outros jovens da sua idade, em brincadeiras ou a falar da passagem à idade madura. Ao fim do dia, a família mais estrita junta-se para a última refeição e para dormirem no mesmo espaço, juntos. É aí que se dão conta que Ele não está. Procuram-n’O e verificam que não está na caravana. Têm de voltar atrás. Voltam a Jerusalém, onde O viram da última vez. Tinham feito um dia de viagem, fazem outro dia no regresso à cidade santa e encontram-n’O ao terceiro dia.

Onde deveria estar Jesus? No Templo a ouvir os doutores da Lei e a fazer-lhes perguntas. Os que O ouvem ficam admirados com a Sua inteligência e com as Suas respostas. Antevê-se já o diálogo que Jesus fará com os Doutores da Lei, não aceitando tudo o que Lhe dizem, mas interrogando, interpretado, refletindo e apondo à Lei a vida, o amor, a compaixão.

Também os seus pais são surpreendidos ao encontrarem Jesus a falar com os doutores.

Então, Maria, Sua Mãe, diz-Lhe: «Filho, porque procedeste assim connosco? Teu pai e eu andávamos aflitos à tua procura». O primeiro impulso talvez fosse dar-Lhe uma valente repreensão! Com Maria, uma vez mais, aprendemos a paciência do amor, o silêncio que escuta e a palavra que abraça. Pergunta-Lhe e diz-Lhe da aflição paterna/materna. A resposta de Jesus – «Porque Me procuráveis? Não sabíeis que Eu devia estar na casa de meu Pai?» – faz-nos compreender que o mistério de Deus é sempre mistério, acedemos-lhe mas sem O conter.

Jesus volta com os pais, sendo-lhes submisso e crescendo em sabedoria, estatura e em graça, diante de Deus e dos homens. Por sua vez, Maria, mesmo que o mistério lhe escape em parte, guarda tudo no coração, pois sabe que pode confiar em Deus.

4 – Deste encontro no Templo podemos encontrar lições importantes:

– Podemos e devemos rezar em qualquer lado, em casa e no trabalho, e até fazer da vida uma oração, mas a ida ao Templo permite-nos sair do nosso espaço e conforto para nos encontrarmos com Deus e com os outros. A oração há de ser, diz-nos Jesus, em espírito e verdade, em casa ou no Templo, e para isso terá que transparecer a nossa alma, comprometendo-se com a verdade, com a justiça e com a misericórdia.

– Ao Templo levamos a nossa vida, o louvor a Deus, a gratidão pelas graças recebidas; levamos também as nossas súplicas, pedidos e preocupações. Reencontramo-nos ao encontrá-l’O, fazendo silêncio e deixando que Ele nos fale ao coração. Os outros e a oração conjunta permitem-nos avalizar da nossa sintonia com Deus, afastando o risco da (auto)idolatria!

– O Templo, a Igreja, retempera a nossa vida, e faz-nos regressar a casa, à vida do dia-a-dia, com os outros, iluminados pela Graça de Deus, revestidos do Seu amor.

– O regresso não nos dispensa de vigilância. Podemos perder-nos, iludir-nos, dispersarmos do essencial. Como Maria e José, se perdemos Jesus, se Ele não está, é bom que voltemos ao Templo, voltemos a perscrutar a Sua presença.

– Onde podemos encontrá-l’O? Entre os parentes e conhecidos. Minha Mãe e meus irmãos são os que escutam a Palavra de Deus e a põem em prática! Podemos encontrar Jesus nas pessoas crentes e praticantes. Mas teremos, sempre, que ir mais atrás, até ao Templo, até ao coração, pelo silêncio, pela oração, pela Palavra, para que Ele nos fale ao coração.

– Três dias depois… o texto remete-nos para a vida nova que reencontramos em Jesus Cristo. Ele ressuscitará ao terceiro dia!

– E novamente, voltar a casa, à terra, à vida quotidiana e ser-Lhe submissos, isto é, dispostos a acolher a Sua vontade, traduzindo-a em obras de caridade.

5 – A primeira e a segunda leitura apontam-nos o caminho para sermos verdadeiramente família. Paciência, escuta, oração, tolerância, respeito, fazer a vontade de Deus. 

Ben Sirá recorda-nos o mandamento divino: honra pai e mãe e terás longa vida. “Quem honra seu pai obtém o perdão dos pecados e acumula um tesouro quem honra sua mãe…. Filho, ampara a velhice do teu pai e não o desgostes durante a sua vida… a tua caridade para com teu pai converter-se-á em desconto dos teus pecados”.

São Paulo é perentório: “Revesti-vos de misericórdia, de bondade, humildade, mansidão e paciência… Acima de tudo, revesti-vos da caridade, que é o vínculo da perfeição. Reine em vossos corações a paz de Cristo”. A referência é o próprio Deus que em Jesus Cristo nos mostra o Seu amor e o Seu perdão. Se aos filhos cabe escutar e obedecer, aos pais compete usar de bom senso, sem exasperar os filhos. “Tudo o que fizerdes, por palavras ou por obras, seja tudo em nome do Senhor Jesus, dando graças, por Ele, a Deus Pai”. Também neste enquadramento o amor mútuo dos esposos: à obediência das mulheres aos maridos corresponde o amor dos maridos às mulheres. E, como sabemos, a verdadeira obediência só acontece no amor.

6 – “Senhor, Pai santo, que na Sagrada Família nos destes um modelo de vida, concedei que, imitando as suas virtudes familiares e o seu espírito de caridade, possamos um dia reunir-nos na vossa casa para gozarmos as alegrias eternas”.

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia (C): Sir 3, 3-7. 14-17; Sl 127; Col 3, 12-21; Lc 2, 41-52.