Domingo XXIII do Tempo Comum – ano B – 2024
1 – Em tempos conturbados, a voz do profeta soa a esperança. (O Livro do Profeta) Isaías atravessa o desmoronamento de Israel como povo, o seu exílio na Babilónia e o desencanto de quem perdeu a pátria, a identidade, e se vê forçado a ambientar-se em outras aragens religiosas e culturais, e a reconstrução do povo no regresso à terra prometida.
Isaías mostra, com palavras de alento, que a promessa de Deus não tarda em cumprir-se. Já reluz no horizonte. Deus virá com toda a força:
“Dizei aos corações perturbados: «Tende coragem, não temais. Aí está o vosso Deus; vem para fazer justiça e dar a recompensa; Ele próprio vem salvar-nos». Então se abrirão os olhos dos cegos e se desimpedirão os ouvidos dos surdos. Então o coxo saltará como um veado e a língua do mudo cantará de alegria. As águas brotarão no deserto e as torrentes na aridez da planície; a terra seca transformar-se-á em lago e a terra árida em nascentes de água”.
A convicção do profeta há de congregar o povo eleito e motivar os crentes para a fidelidade a Deus e aos Seus mandamentos, bem como às práticas e tradições identificadoras da cultura e da religião judaicas. É tempo de recuperar a fé e a esperança em Deus, e com isso a segurança no hoje e no amanhã.
2 – No evangelho, Jesus é apresentado como o Messias esperado, o Deus que vem salvar-nos. Isaías identifica alguns dos acontecimentos que sucederão com a Sua chegada, como por exemplo os surdos voltarem a ouvir.
Atentemos as palavras do Evangelho:
“Trouxeram-Lhe então um surdo que mal podia falar e suplicaram-Lhe que impusesse as mãos sobre ele. Jesus, afastando-Se com ele da multidão, meteu-lhe os dedos nos ouvidos e com saliva tocou-lhe a língua. Depois, erguendo os olhos ao Céu, suspirou e disse-lhe: «Efatá», que quer dizer «Abre-te». Imediatamente se abriram os ouvidos do homem, soltou-se-lhe a prisão da língua e começou a falar corretamente…”
“Ao fazer com que os surdos ouçam”, Jesus confirma que é o Messias que estava para vir. As palavras adquirem vida concreta nesta cura. Ele vem para nos libertar de todo o tipo de prisões. Com Ele, solta-se a língua, abrem-se os ouvidos, ressoa a palavra de Deus, circula vida nova.
“Effatá”, relembremos, é o último dos ritos do Batismo, lembrando que a graça recebida nos há de permitir escutar a Palavra de Deus e professar a fé. A audição não apenas física, mas de coração. O que ouvimos e o que dizemos, como seguidores de Jesus, deve ser para louvor e glória de Deus. Se assim for, purificaremos o que ouvimos com a misericórdia de Deus, e diremos palavras que dimanem da caridade do Senhor.
Expressão disso mesmo é o reconhecimento de Jesus, que se espalha entre as pessoas, em forma de testemunho, gratidão e de louvor: «Tudo o que faz é admirável: faz que os surdos oiçam e que os mudos falem».
3 – O encontro com Jesus Cristo há de transformar-nos, comprometendo-nos. Interiormente. Ele não Se impõe, não chantageia. Convida, desafia, envolve. Obviamente, a resposta que daremos levar-nos-á a alterar hábitos, a postura diante dos outros.
No próximo domingo veremos como Ele nos coloca diante das nossas opções. Não basta conhecer, saber o que os outros dizem, é necessário saber o que Ele é para nós, de que forma nos implica na vida concreta do dia-a-dia, pessoal, familiar, socialmente.
Não é uma mudança pela rama, como se trocássemos de roupa. Agora vestimos a roupa de cristãos e vamos à Missa, dizemos as nossas orações, e logo depois, se necessário, vestimos outra roupa, que diga mais com a ocasião ou com as pessoas que temos pela frente. Como várias mudas de roupa que temos, também podemos mudar conforme a situação. Voltando à celebração do batismo, aquando do rito da veste branca, se interpela a família e a comunidade, a ajudar aquela criança, revestida de Cristo, para que se mantenha na dignidade da nova vida na qual foi enxertada. Assim ela, assim todos os batizados.
Vale para o primeiro dos Sacramentos, vale para toda a nossa vida, desde que nascemos para Cristo, até à hora de nos encontrarmos face a face com Ele na eternidade. Não é uma veste exterior, estamos interiormente revestidos de Cristo. Ele habita-nos. Como dirá o são Paulo, já não somos nós, é Cristo que vive em nós. Ou como dirá santo Agostinho, acerca da comunhão eucarística, ao comungarmos somos assimilados ao Seu corpo, somos transformados n’Ele.
4 – O apóstolo são Tiago, na segunda leitura, ilustra como viver ao jeito de Cristo, em situações concretas. No domingo anterior exemplificava com a visita/serviço aos órfãos e às viúvas, as pessoas mais fragilizadas e expostas do seu tempo. Hoje traduz a vivência em Cristo com o amor e respeito igual a todos os que nos aparecem pela frente.
“A fé em Nosso Senhor Jesus Cristo não deve admitir acepção de pessoas. Pode acontecer que na vossa assembleia entre um homem bem vestido e com anéis de ouro e entre também um pobre e mal vestido; talvez olheis para o homem bem vestido e lhe digais: «Tu, senta-te aqui em bom lugar», e ao pobre: «Tu, fica aí de pé», ou então: «Senta-te aí, abaixo do estrado dos meus pés». Não estareis a estabelecer distinções entre vós e a tornar-vos juízes com maus critérios? Escutai, meus caríssimos irmãos: Não escolheu Deus os pobres deste mundo para serem ricos na fé e herdeiros do reino que Ele prometeu àqueles que O amam?”
Sublinha-se uma vez mais como o serviço e a atenção aos mais pobres é a opção de Jesus Cristo, não para excluir, mas para promover e incluir os que não se sentem ou não são tratados como filhos. Aliás, todo o contexto do Evangelho nos mostra como Jesus vem ao encontro de todos, privilegiando, porém, aqueles que não têm direito de cidadania, nem de religião: os pobres, as pessoas doentes, os coxos, os cegos, os surdos, os leprosos, as mulheres, as crianças, os cobradores de impostos (considerados traidores), as viúvas, os estrangeiros, e muitos outros. Nas suas fileiras contam-se também pessoas com relevância social, política e religiosa.
O desiderato é sempre a inclusão. Os doentes é que precisam de médico. Os afastados, precisam de ser incluídos. Os excluídos, precisam de ser povo de Deus. Jesus escancara as portas para que todos possam entrar. Com Ele, todos são filhos de Deus. Só fica fora quem quer. Não há divisões murais no templo que é o Seu corpo. Ele é tudo para todos.
Cada um de nós se deve sentir, e fazer por isso, como parte integrante e agir para que os outros se sintam igualmente incluídos, amados, membros efetivos do mesmo Corpo, de Cristo Jesus.
5 – Este vigésimo terceiro Domingo coincide com o dia 8 de setembro, festa da Natividade de Nossa Senhora. Na sede da diocese de Lamego, na cidade, a festa de Nossa Senhora dos Remédios; em Tabuaço, a peregrinação local ao recinto de Nossa Senhora da Conceição.
Maria exemplifica esta inclusão de todos e a consciência da pertença a Cristo. Cada nascimento deveria ser uma bênção. Com Maria renasce a esperança de um tempo de graça e bênção. É impossível não escutarmos os seus conselhos de mãe de Jesus e mãe da Igreja, bem explicitados e fáceis de entender no mandato: fazei tudo o que Ele vos disser! Ou a sua decisão firme: eis a escrava do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra.
A fé de Maria gera palavras de acolhimento da vontade de Deus, põem-na a caminho para anunciar a alegria e as maravilhas do Senhor, junto de sua prima Isabel, tornam-na atenta às necessidades dos outros, como em Caná, disponível e próxima de Jesus, em todos os momentos, até diante da Cruz, quando tudo parece dor, escuridão, perda! Também aí, Maria nos coloca vigilantes, expectantes, com o coração ferido, mas com o olhar fito nas alturas, em Deus, quem nos pode valer, salvar e rasgar, com a Sua luz, as nossas trevas e hesitações, os nossos lutos e desesperanças. Com ela, confiemos em Deus e a Ele confiemos a nossa vida, para Ele a Sua graça nos faça discípulos, filhos, irmãos, membros da Sua família.
Pe. Manuel Gonçalves
Textos para a Eucaristia (ano B): Is 35, 4-7a; Tg 2, 1-5; Mc 7, 31-37.