Proposta de reflexão do Pe. Miguel Peixoto na Festa de São João – 2020

Pistas de reflexão que o Pe. Miguel Peixoto preparou para a Festa de São João, Padroeiro do Município de Tabuaço.

João Batista

A importância de celebra e fazer festa – momento de alegria, convívio, oportunidade para estreitar relações.

A festa cristã ganha ainda um destaque maior porque nos introduz na vida de alguém que soube dizer o seu sim a Deus, ao seu modo, no seu tempo, com a sua vida.

Assim, hoje somos introduzidos na vida de João Batista…

João é o único santo que liturgicamente celebramos o seu nascimento. Geralmente celebramos a sua morte, nascimento para o Céu, mas visto a importância da sua vida, a igreja desde os seus começos teve sempre presente a celebração do nascimento de S. João Batista.

Três ideias para a nossa vida, partindo da vida de S. João

1 – Estremecer com a presença de Deus

2 – O silêncio de Zacarias e a grandeza do mistério de Deus

3 – Eis o cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo – O percursor

1 – Estremecer com a presença de Deus

O sinal da presença de Deus junto da humanidade é um convite a desinstalar uma vida que se supõe autossuficiente sem referências ao outro.

João no seio de sua mãe Isabel, podia perfeitamente ter deixado passar despercebida a presença de Jesus no seio de Maria, mas foi sinal e confirmação para Isabel da presença de Deus.

Era um Deus escondido, um Deus invisível aos olhos, mas não ao coração pelo que o único gesto que João podia realizar foi o estremecimento.

Na vida temos muitos momentos em que estremecemos devido ao medo, à insegurança, à incerteza.

Contudo, a experiência que João Batista nos convida a viver, é um estremecimento de outro nível, é aquele estremecimento do encontro que derruba toda a solidão e egoísmo e abre as portas do coração para o amor.

Estremecer, por reconhecermos a presença de Deus na nossa vida, é um dos maiores desafios que o cristão tem. Quem estremece não voltará a viver da mesma forma pois são muitos os momentos que se alterarão tendo em conta esse reconhecimento.

Assim, João Batista é aquele que nos introduz na escola do encontro com Jesus!

O facto de João ter estremecido não quer dizer que a sua vida fosse circunscrita a um plano que não permitia a liberdade de dizer sim a Deus. Pelo contrário, esse encontro de duas crianças no seio de suas mães é uma belíssima narrativa de valorização da vida que hoje temos necessidade de voltar a propor ao mundo, de voltar a narrar àquele que está ao nosso lado, tendo em conta a perda de humanização que nos envolve.

O encontro de Jesus e João não é apenas um aproximar de vidas, é sim o reconhecimento do outro como parte da sua vida, esteja ele em que momento esteja da sua vida.

O estremecer também é sinal de uma forte consciência em que se valoriza o que somos e o projeto de vida a que somos chamados. Se João ainda não possuía uma capacidade para manifestar a sua consciência, certamente que este encontro animou e marcou a sua missão: ser aquele que vem preparar os caminhos do Senhor.

Assim deste ponto de meditação lanço uma questão para guiar a nossa reflexão pessoal: será que já senti este estremecimento na minha vida percebendo como Deus está a meu lado?

2 – O silêncio de Zacarias e a grandeza do mistério de Deus

A grandeza das ações de Deus, muitas vezes, só têm uma reação: o silêncio. A dúvida da parte de Zacarias de poder gerar na sua velhice era de todo mais que justa: a sua mulher, Isabel, era idosa, ele a mesma coisa, para complicar ainda mais a situação Isabel era estéril. Então como poderia Zacarias ser Pai?

Esta sua dúvida compara-se a tantos momentos da nossa vida em que a incerteza, em relação aos planos de Deus para a nossa vida, fala mais alto do que a própria voz de Deus.

Contudo, o silêncio provocado pelo anjo até ao dia da circuncisão do menino, não é um castigo de Deus diante da reação de Zacarias. O silêncio foi a oportunidade de entrar no mistério de Deus, mistério partilhado com a humanidade mediante feitos grandiosos, tal como gerar um menino na velhice.

Este silêncio permitiu, também, a Zacarias meditar na diferença entre o plano de Deus e os planos do homem. Tantas e tantas vezes achamos que os nossos planos e projetos estão edificados com a força do poder, da riqueza, da influência e pensamos que nada nem ninguém os pode contrariar. Contamos apenas com as nossas forças e capacidade e olhamos para elas como fortalezas, sinais de poder, mas também sinais de distanciamento do outro, que também pode ser Deus.

É assim que mais uma vez Deus se intromete connosco, não para nos fazer ver como muitos dos nossos planos são ridículos, mas para nos assegurar que não estamos sós. A nossa vida deve ser uma plena abertura à ação de Deus, manifestação da nossa confiança na providência.

Zacarias teve a oportunidade de meditar, contemplar todo este mistério na primeira pessoa, de forma profunda e sentida porque o viveu em silêncio. Seria bom que na nossa vida, encontrássemos momentos de silêncio que sejam portas de entrada para contemplar o mistério da ação de Deus nas nossas vidas.

Pergunta: Será que experimentamos o silêncio e nele vemos a oportunidade para contemplar o mistério de entrega da nossa vida ao plano de Deus?           

Com a sua vida João Batista deixa-nos um caminho, o caminho que prepara, para a humanidade se encontrar com o Filho de Deus. Por vezes, precisamos de sinais, de indicações para nos guiarmos. Assim, João indica-nos não só o caminho, mas Aquele que é o Caminho, a verdade e a vida.  

3 – “Eis o cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo” – João, o percursor

Um Deus que é apresentado por um homem simples, pobre, que vive no deserto, alimentando-se de mel silvestre e gafanhotos, que se veste de peles de camelo, é um Deus que ultrapassa todos os nossos esquemas.

João viveu para preparar os caminhos de Jesus. A sua vida foi uma radical referência ao Verbo de Deus, por isso João vocalizou o som de uma voz que deu voz ao Verbo, mesmo que esta voz clamasse do meio do deserto.

Por vezes, precisamos dessas vozes que nos clamam das periferias, dos desertos vivenciais, que fogem da ressonância do politicamente correto e transmitem o sinal da frequência do amor e da fraternidade.

João não procurou o interesse próprio, ele que era considerado um grande profeta, alias o próprio Jesus o reconheceu como o maior entre os filhos dos homens. João não se procurava a si mesmo, procurou sempre ser transparência d’Aquele que o fez estremecer, ainda no seio de sua mãe: “depois de mim vai chegar outro que é mais forte do que eu, diante do qual não sou digno de me inclinar para lhe desatar as correntes das sandálias”.

O plano de Deus para João era distinto, naturalmente não queria que este se inclinasse diante de si, muito menos que lhe desatasse as correntes das sandálias, mas que pelas suas mãos, e pelo seu batismo, desse espaço para que Deus se revela-Se aos homens: eis que os céus se rasgam e uma voz e uma pomba testemunham que Jesus é o Filho de Deus. Se os céus já se tinham aberto no momento da incarnação do Filho de Deus no seio de Maria, agora os céus voltam-se a rasgar, não na intimidade do recato da Mãe, mas na expressão da partilha da paternidade de um Deus uno e trino que quer vincular toda a humanidade no seu projeto de amor. Este é o Meu Filho muito amado: escutai-O!

Sim, João batista escutou-O e deu-Lhe a sua voz, voz essa que só a traição e o fascínio foi capaz de silenciar, no dia em que a filha de Herodíade dançou e Herodes inebriado e seduzido, silenciou o maior dos filhos dos homens.

Pergunta: seremos com a nossa vida oportunidade para testemunhar Jesus?