Domingo IV da Páscoa – ano A – 3 de maio de 2020
1«Eu vim para que as minhas ovelhas tenham vida e a tenham em abundância».
Deus criou-nos por amor e por amor nos faz subsistir. Se a discussão fosse entre crentes e não crentes, prefiro acreditar que sou, que somos, fruto do amor de Deus e que desde sempre existimos no pensamento de Deus (Bento XVI). Se a minha mãe me desejou e/ou, pelo menos, me acolheu por amor, então ela quererá, sempre, que eu viva, que eu seja feliz e que nenhum obstáculo, nenhuma contrariedade, nenhum sofrimento ensombre a minha vida. Deus é Pai e ainda mais Mãe (João Paulo I) e, por conseguinte, quer que vivamos. A glória de Deus é o homem vivo (Santo Ireneu). As palavras inspiradas da Bíblia dizem-nos que, para lá de todas as ameaças ou castigos (que é uma linguagem muito humana e situada no tempo), a vontade de Deus é que o pecador se converta e viva e por isso lhe agrada a misericórdia e a caridade, e não os sacrifícios e holocaustos.
A Encarnação de Deus torna mais visível, mais palpável este amor infindo de Deus por nós, por mim e por ti, ainda que haja situações que nos fazem sofrer e não compreendamos. Contudo, Deus caminha do nosso lado, como Pai, como Mãe, sofre no nosso sofrimento, alegra-se no nosso sorriso, ama nos gestos de cuidado ao outro, entristece-se com o nosso egoísmo e indiferença, manifesta-Se pela bondade e pelo bem que é realizado. Neste tempo de pandemia, Deus continua a encarnar, continua a ressuscitar em tantos que se gastam a favor dos outros, e continua a sofrer e a ser morto e a ser abandonado naqueles que não têm quem os socorra, naqueles que são (ainda) mais excluídos.
2Uma das imagens mais felizes sobre Jesus é a do Bom Pastor, que se enriquece com a de “porteiro” do aprisco ou a da porta pela qual entram as ovelhas.
O salmo que nos é proposto neste Domingo, Dia Mundial de Oração pelas Vocações, Domingo do bom Pastor, é visível em Jesus: “O Senhor é meu pastor: nada me falta. Leva-me a descansar em verdes prados, conduz-me às águas refrescantes e reconforta a minha alma. Ele me guia por sendas direitas por amor do seu nome. Ainda que tenha de andar por vales tenebrosos, não temerei nenhum mal, porque Vós estais comigo: o vosso cajado e o vosso báculo me enchem de confiança. Para mim preparais a mesa à vista dos meus adversários; com óleo me perfumais a cabeça e o meu cálice transborda. A bondade e a graça hão de acompanhar-me, todos os dias da minha vida, e habitarei na casa do Senhor para todo o sempre”.
Por um lado, a certeza que em Jesus se realiza, se concretiza e se visualiza o amor de Deus por nós, por mim e por ti, e que a vontade de Deus é que encontremos um chão seguro, mesmo que as tempestades surjam.
Por outro lado, a nossa atitude diante de Deus. Rezamos a confiança, sabendo que Ele nos estende a mão, que Ele está ali para nós, no tempo e na eternidade, Ele não nos abandona, não nos deixa à nossa sorte.
3«Eu sou a porta das ovelhas. Aqueles que vieram antes de Mim são ladrões e salteadores, mas as ovelhas não os escutaram. Eu sou a porta. Quem entrar por Mim será salvo: é como a ovelha que entra e sai do aprisco e encontra pastagem. O ladrão não vem senão para roubar, matar e destruir. Eu vim para que as minhas ovelhas tenham vida e a tenham em abundância».
Sem rodeios, Jesus diz-nos ao que vem: amar, dar-Se, entregar-Se a nós e por nós, servir, gastar a Sua vida para que a nossa seja vida abundante. Eu Sou o caminho, a Verdade e a Vida, ninguém vai ao Pai senão por Mim. Quem Me vê, vê o Pai. Eu Sou o Bom Pastor que cuida para que nenhuma ovelha se perca.
E Jesus prossegue, dizendo: «Aquele que não entra no aprisco das ovelhas pela porta, mas entra por outro lado, é ladrão e salteador. Mas aquele que entra pela porta é o pastor das ovelhas. O porteiro abre-lhe a porta e as ovelhas conhecem a sua voz». A relação é recíproca, quem cuida é reconhecido como cuidador. Jesus conhece-nos, chama-nos pelo nome. Se somos Seus discípulos, conhecemos a Sua voz e seguimo-l’O. «Ele chama cada uma delas pelo seu nome e leva-as para fora. Depois de ter feito sair todas as que lhe pertencem, caminha à sua frente e as ovelhas seguem-no, porque conhecem a sua voz. Se for um estranho, não o seguem, mas fogem dele, porque não conhecem a voz dos estranhos».
Conhecermos Jesus, reconhecermos a Sua voz, sermos chamados (vocação) por Ele, há de levar-nos a uma opção, tornarmo-nos discípulos missionários. O nosso dilema ou problema será seguirmos outras vozes, algumas que nos são estranhas e outras que nos roubam a alma. Cabe-nos a cada momento, deixando-nos impelir pelo Espírito Santo, na oração, discernir e perceber a Sua voz e o Seu chamamento.
«Eu sou a porta das ovelhas. Aqueles que vieram antes de Mim são ladrões e salteadores, mas as ovelhas não os escutaram. Eu sou a porta. Quem entrar por Mim será salvo: é como a ovelha que entra e sai do aprisco e encontra pastagem. O ladrão não vem senão para roubar, matar e destruir. Eu vim para que as minhas ovelhas tenham vida e a tenham em abundância».
4Pedro levou tempo a compreender Quem era Jesus, não que não confiasse no Mestre, mas seguia-O, como os demais apóstolos, com interesses divergentes dos d’Ele. Os discípulos acreditavam que Jesus devolveria Israel ao seu esplendor político e como estavam com o vencedor usufruíam dos despojos! Mas saiu-lhes o tiro pela culatra, Jesus foi preso, foi condenado e foi morto. Pode lá ser? Sonhos desfeitos, projetos futuros por água abaixo. Três dias depois, Jesus regressa para eles, para o MEIO deles e a partir de então estará com eles para sempre, com eles e connosco. Onde dois ou três estiverem reunidos em Meu nome, Eu estarei no meio deles, até ao fim dos tempos.
O encontro com o Ressuscitado mudou tudo, recordou-lhes o que Ele lhes tinha dito e como os sinais estavam lá, na Sua vida, na Sua postura e nos milagres que realizara. Faltava o milagre da conversão.
5Com a Ressurreição, como Jesus lhes havia prometido, recebem o Espírito Santo em abundância. Diante do povo, com os Onze, Pedro assume-se como pregador destemido: «Saiba com absoluta certeza toda a casa de Israel que Deus fez Senhor e Messias esse Jesus que vós crucificastes».
A conversão decorre da ação do Espírito Santo e do anúncio. Não podemos seguir o ou quem desconhecemos; se não sabemos se existe, como haveríamos de procurá-lo? O Espírito Santo age em quem anuncia e testemunha Jesus, mas também em que escuta. Santo Agostinho, quando pregava, invocava o Espírito Santo, para o inspirar a comunicar a Palavra de Deus, com simplicidade e sabedoria, e para inspirar a docilidade, a paciência e a compreensão dos ouvintes.
É o que a acontece com quantos escutam. Perguntam a Pedro e aos outros Apóstolos: «Que havemos de fazer, irmãos?». O primeiro passo: deixar-se encontrar por Jesus. Comparável ao que sucedeu com os discípulos de Emaús: não ardia cá dentro o nosso coração? Jesus explica aos discípulos de Emaús tudo o que dizia respeito ao Messias. Agora é a vez de Pedro explicar. O passo seguinte: «Convertei-vos e peça cada um de vós o Batismo em nome de Jesus Cristo, para vos serem perdoados os pecados. Recebereis então o dom do Espírito Santo, porque a promessa desse dom é para vós, para os vossos filhos e para quantos, de longe, ouvirem o apelo do Senhor nosso Deus».
Não basta ouvir, não é suficiente a informação que temos, importa o que fazemos com o que sabemos, com o que nos foi dito. Muitos escutaram, converteram-se e foram batizados. Connosco o processo foi e é diferente, fomos batizados, agora é necessário que nos convertamos, que nos tornemos cristãos.
6Chamamento, conversão e seguimento. Para o Dia Mundial de Oração pelas Vocações, o Santo Padre escolheu quatro palavras: tribulação, gratidão, coragem e louvor, “tendo como pano de fundo o texto evangélico que nos conta a experiência singular que sobreveio a Jesus e a Pedro durante uma noite de tempestade no lago de Tiberíades (cf. Mt 14, 22-33)”. Diz o Papa: “Na aventura desta travessia não-fácil, o Evangelho diz-nos que não estamos sozinhos. Quase forçando a aurora no coração da noite, o Senhor caminha sobre as águas tumultuosas e vai ter com os discípulos, convida Pedro a vir ao encontro d’Ele sobre as ondas e salva-o quando o vê afundar; finalmente, sobe para o barco e faz cessar o vento”.
Na sua primeira Carta, São Pedro, o primeiro Papa, sublinhada a vida e a missão de Jesus, em Quem se apoia a nossa vida, com os seus contratempos e dificuldades. “Se vós, fazendo o bem, suportais o sofrimento com paciência, isto é uma graça aos olhos de Deus. Para isto é que fostes chamados (vocação), porque Cristo sofreu também por vós, deixando-vos o exemplo, para que sigais os seus passos… Ele suportou os nossos pecados no seu Corpo, sobre o madeiro da cruz, a fim de que, mortos para o pecado, vivamos para a justiça: pelas suas chagas fomos curados. Vós éreis como ovelhas desgarradas, mas agora voltastes para o pastor e guarda das vossas almas”.
A vocação primeira do cristão é seguir Jesus, amar Jesus, identificar-se (conversão) com Jesus. E uma vez chamados, uma vez convertidos, tornámo-nos enviados, missionários.
7Que Maria, Mãe de Deus e nossa Mãe, vele por nós, não apenas neste Dia da Mãe, mas em todos os momentos da nossa vida, sabendo nós que Mãe não é uma profissão com horário marcado, mas uma sublime vocação/missão permanente, sem agenda, perto ou longe, connosco na história ou na eternidade, Mãe é sempre Mãe e Maria mostra-nos que este amor nos conduz à nossa identidade primeira, filhos amados de Deus, e nos faz permanecer até à eternidade, quando virmos Deus face a face e nos deixarmos ver por Ele tal como somos, sem máscaras nem disfarces, sem maquilhagens.
Que Nossa Senhora ilumine e guarde todas as Mães, suscitando um amor e serviço constantes que se alarga a todas as pessoas. As mães sabem disso, são mães dos seus filhos, mas desde que são mães percebem muito mais de humanidade, mais facilmente se condoem com outras mães e com as dores de outros filhos. Com Maria, agradeçamos a Deus o dom da vida e confiemos-lhe todos os filhos seus, especialmente aqueles que nestas horas de travessia passam por maiores provações.
Pe. Manuel Gonçalves
Textos para a Eucaristia (ano A): Atos 2, 14a. 36-41; Sl 22 (23); 1 Pedro 2, 20b-25; Jo 10, 1-10.