Solenidade da Ascensão do Senhor – ano C – 2022

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Solenidade da Ascensão do Senhor – ano C – 2022

1 – “Deus omnipotente, fazei-nos exultar em santa alegria e em filial ação de graças, porque a ascensão de Cristo, vosso Filho, é a nossa esperança: tendo-nos precedido na glória como nossa Cabeça, para aí nos chama como membros do seu Corpo”.

A oração inicial da Eucaristia convida-nos à alegria, não tanto pela partida de Jesus, mas porque essa partida significa que a nossa vida se encontra na glória de Deus com Jesus Cristo. Ele precede-nos e para aí nos atrai. A promessa orante de Jesus não nos retira do mundo mas impele-nos para o bem. Os novos Céus e a nova terra enxertam-se no tempo e na história. Não podemos imaginar uma árvore de fruto que não tenha raízes que se adentram pela terra. Também os frutos que nos projetam para a vida eterna se enraízam aqui e agora, não nascem do ar, nascem e crescem connosco na medida em que nos deixamos enformar pelo Espírito que Jesus nos dá.

As últimas palavras de Jesus são de despedida, de promessa e de esperança. E não apenas isso. Sintetizam o mistério pascal, comprometendo os discípulos. Doravante não poderão calar o que viram e ouviram: «Está escrito que o Messias havia de sofrer e de ressuscitar dos mortos ao terceiro dia e que havia de ser pregado em seu nome o arrependimento e o perdão dos pecados a todas as nações, começando por Jerusalém. Vós sois testemunhas disso. Eu vos enviarei Aquele que foi prometido por meu Pai. Por isso, permanecei na cidade, até que sejais revestidos com a força do alto».

Ao longo de três anos – a vida pública de Jesus –, os apóstolos foram testemunhas de um sonho, um projeto de vida, um desafio envolvente: o reino de Deus a emergir na pessoa de Jesus, nas Suas palavras e nos Seus gestos de compaixão e de proximidade, de delicadeza e de acolhimento. Uma mesa posta para todos. Um banquete para incluir, a começar pelos excluídos. Um reino de portas abertas, integrador, em que ninguém está a mais. É fácil ver que Jesus leva conSigo o cheiro das ovelhas. Acompanham-n’O camponeses, pedintes, doentes, maltrapilhos. Mais que um estilo (exterior) é um jeito de ser, um compromisso. A santidade de Jesus mistura-se com o (nosso) pecado, a água dissolve a lama, a divindade abaixa-Se para caminhar connosco e nos elevar.

Se assim procedeu Jesus, como hão de proceder os seus seguidores?

2 – A Ascensão de Jesus ao Céu leva-nos a sério. Não somos mais crianças para levar pela mão. O tempo de aprendizagem perdura a vida toda mas há um momento em que as aprendizagens e os instrumentos nos responsabilizam. As papas são para os bebés, ou para quando nos encontramos em situação mais frágil. Pouco a pouco os alimentos tornam-se sólidos. Os dentes aparecem e começamos a trincar e mastigar. Dão-nos a comida à boca, mas com o tempo pegamos com as mãos e depois com os talheres. Os pais continuam por perto, mas só deitam a mão quando veem o perigo iminente. De contrário, nunca cresceríamos, nunca andaríamos.

Jesus leva os discípulos para todo o lado. Explica-lhes mais detalhadamente a Sua mensagem e o conteúdo dos gestos e das parábolas. Uma e outra vez os envia para que vão e anunciem a proximidade do Reino de Deus e curem doentes e endemoninhados. Prepara-os, não para O substituírem – Ele estará presente até ao fim do mundo –, mas para serem as Suas mãos, a Sua voz, o Seu abraço, no mundo das pessoas.

São Lucas, no Evangelho e no livro dos Atos, apresenta-nos a Ascensão de Jesus como responsabilização dos discípulos. Não significa abandono mas uma nova forma de Jesus Se fazer presente, pelo Espírito Santo. Percebemos isso na relação com os nossos pais. Deixam de nos carregar ao colo mas nunca deixam de estar presentes, nos nossos caracteres genéticos e na assunção de valores e referências que prosseguimos a partir deles, nos conselhos, nos abraços, sempre prontos para se sacrificarem um pouco mais para ficarmos bem!

“Jesus levou os discípulos até junto de Betânia e, erguendo as mãos, abençoou-os. Enquanto os abençoava, afastou-Se deles e foi elevado ao Céu. Eles prostraram-se diante de Jesus, e depois voltaram para Jerusalém com grande alegria. E estavam continuamente no templo, bendizendo a Deus”. A bênção marca a partida de Jesus para o Céu. Mas aparentemente pouco se altera, apesar da alegria com que regressam a Jerusalém e ao Templo. Os discípulos continuam na sua zona de conforto. A “dispersão” dar-se-á com o apedrejamento de Estêvão e, posteriormente, com a morte de Tiago e no acelerar da perseguição aos que aderiram e aderem ao Evangelho de Jesus.

3 – Os Apóstolos levam a assumir a missão de anunciar o Evangelho em toda a parte. No livro dos Atos dos Apóstolos, Lucas mostra a urgência em não ficarem a olhar para o Céu como se de lá viessem não só as respostas, mas todas as soluções.

Depois da Sua paixão, diz-nos São Lucas, Jesus apareceu vivo aos Seus discípulos, durante 40 dias (tempo necessário para iniciar e cimentar uma nova forma de se relacionarem com o Mestre), falando-lhes ainda e sempre do reino de Deus. Os discípulos continuam a interrogar-se e a interrogá-l’O. Jesus provoca-os: «Não vos compete saber os tempos ou os momentos que o Pai determinou com a sua autoridade; mas recebereis a força do Espírito Santo, que descerá sobre vós, e sereis minhas testemunhas em Jerusalém e em toda a Judeia e na Samaria e até aos confins da terra».

Está dado o tiro de partida. Os discípulos viram e ouviram, não podem calar, não podem esconder. São testemunhas da vida e da missão de Jesus. O que Ele disse há de chegar aos confins da terra e as obras que realizou hão de ser partilhadas e multiplicadas, para que todos possam aceder e entrar no reino de Deus.

À vista dos seus discípulos, Jesus elevou-Se ao Céu e “uma nuvem escondeu-O a seus olhos. E estando de olhar fito no Céu, enquanto Jesus Se afastava, apresentaram-se-lhes dois homens vestidos de branco, que disseram: «Homens da Galileia, porque estais a olhar para o Céu? Esse Jesus, que do meio de vós foi elevado para o Céu, virá do mesmo modo que O vistes ir para o Céu».

Não apenas eles. Também nós. Quantas vezes ficamos à espera? De sinais! De respostas! De soluções! Por vezes deixamos o tempo passar a ver se tudo se resolve! Ou deixamos para ver se outros resolvem! Então do Céu a mesma voz: Jesus, o milagre para a vossa vida, encontra-se entre vós! Por que esperais? Parti. Lutai. Não desistais. Ele está convosco e através de vós continuará a agir no mundo. Não resolverá em vossa vez, mas não vos faltará com a Sua presença e o Seu amor. Até ao fim!

4 – Nem sempre precisamos de ajuda, a maioria das vezes precisamos de apoio, da presença, de uma palavra de estímulo e de confiança, um gesto de ternura, um olhar dócil que nos levanta das trevas e das dúvidas, da tristeza e da angústia, de um abraço que nos erga e desperte em nós a coragem que se esconde e se dissolve diante das intempéries. E dos silêncios compreensivos que toleram as nossas falhas e nos absolvem das nossas misérias, que não condenam, mas desafiam a corrigir o caminho.

Confiantes, façamos nossa a oração de São Paulo, para que o Deus de Jesus Cristo nos conceda a sabedoria do coração para conhecermos e compreendermos a esperança a que fomos chamados, na certeza do grande poder de Deus Pai que ressuscitou Jesus “dos mortos e colocou à sua direita nos Céus, acima de todo o Principado, Poder, Virtude e Soberania, acima de todo o nome que é pronunciado, não só neste mundo, mas também no mundo que há de vir. Tudo submeteu aos seus pés e pô-l’O acima de todas as coisas como Cabeça de toda a Igreja, que é o seu Corpo, a plenitude d’Aquele que preenche tudo em todos”.

Nada nos pode separar do amor de Deus, manifestado em plenitude em Jesus Cristo, na Sua Morte, Ressurreição e Ascensão ao Céu. Ele esbanja a Sua misericórdia por nós, para nossa salvação, para nos ofertar o reino de Deus e através de nós levar o Seu reino a toda a terra. Vede: «Dei-vos exemplo para que, assim como Eu fiz, vós façais também» (Jo 13, 15).

5 – Hoje é o Dia Mundial das Comunicações Sociais. A Ascensão ao Céu convoca-nos a sermos verdadeiros comunicadores de Jesus e do Seu Evangelho de amor. No ano passado, a mensagem papal incidia em dois verbos: “ir e ver”, para encontrar os outros na sua situação concreta e real; este ano, o Papa desafia-nos a “escutar”. Há tantos meios de comunicação e tão pouco jeito para escutar o outro. Tudo nos distrai e, no entanto, todos precisamos de ser escutados. A escuta, diz o Papa, é um dos melhores remédios para muitas pessoas. Importa ouvir, com o coração, as fragilidades, anseios, perdas, as dúvidas e angústias dos irmãos que caminham connosco.

A escuta é essencial à comunicação, sobretudo uma escuta com o ouvido do coração, para que as palavras não sejam apenas ruído, mas comunicação efetiva. É o estilo de Deus: inclina-Se para ouvir as nossas súplicas e os nossos lamentos. Porque nos ama, Deus dirige-nos a Sua palavra e escuta-nos. Em Jesus vê-se bem esta atenção, pausada, às pessoas que O interpelam, atendendo os Seus pedidos.

Procuremos, em tudo, imitar o nosso Mestre e Senhor. Também na escuta dócil e atenta. Em Maria, Sua e nossa Mãe, encontramos um modelo a seguir, ela é a Mulher da escuta.

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia (C): Atos 1, 1-11; Sl 46 (47); Ef 1, 17-23; Lc 24, 46-53.