Festa do Batismo do Senhor – ano C – 2022

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Festa do Batismo do Senhor – ano C – 2022

1 – «Tu és o meu Filho muito amado: em Ti pus toda a minha complacência».

Os Céus rasgam-se e dão testemunho de Jesus. Ainda que preparatório, como convite à conversão, à penitência, à mudança de vida, o batismo com que Jesus é batizado, isto é, o batismo de João, configura já o nosso batismo e a dimensão trinitária do mesmo. “Quando todo o povo recebeu o batismo, Jesus também foi batizado; e, enquanto orava, o céu abriu-se e o Espírito Santo desceu sobre Ele em forma corporal, como uma pomba. E do céu fez-se ouvir uma voz: «Tu és o meu Filho muito amado: em Ti pus toda a minha complacência»”.

Na verdade, Jesus não precisava de ser batizado, pois Ele mesmo é filho de Deus, inteiramente santo e convertido à vontade de Deus Pai. Porém, como os evangelhos referem, é uma questão de justiça e de identificação connosco. Ele veio, encarnando, assumindo-nos na totalidade da nossa carne e da nossa sujeição ao tempo e à história, e às determinações culturais e religiosas. Jesus não é um estranho, não é um extraterrestre, não Se coloca à margem ou acima de nós, mas encarna, abaixa-Se, ajusta-Se a nós e à nossa condição humana. Em Jesus, Deus não apenas nos procura, não apenas vem ao nosso encontro, mas faz-Se um de nós, Deus connosco, ao ponto de Se confundir como simples mortal.

2 – O ministério de João Batista é o de ser o Precursor, aquele que prepara a vinda do Messias. João “habita” no deserto, junto ao Jordão, fora da terra prometida, mas apontando para a promessa que se vai cumprir: «Eu batizo-vos com água, mas vai chegar quem é mais forte do que eu, do qual não sou digno de desatar as correias das sandálias. Ele batizar-vos-á com o Espírito Santo e com o fogo».

Jesus é a nossa Terra Prometida, com Ele entramos em definitivo na promessa que se realiza e se faz vida em nós e no mundo.

O batismo de João tem uma dinâmica penitente, faz-nos ver os nossos corações de pedra para que os moldemos em corações de carne, preparando-nos para acolher a vinda do Senhor.

O batismo cristão, por sua vez, mergulha-nos na morte e ressurreição de Jesus, destruição do pecado e vida nova. Não apenas a dimensão negativa, o apagar dos pecados, mas transformação interior e radical, torna-nos novas criaturas, agora marcados pela santidade de Deus. Nascemos de novo, não na carne, mas segundo o espírito de Deus, como dirá Jesus a Nicodemos.

3 – O Profeta Isaías, também ele Precursor, quer de João Batista, a voz que clama no deserto, quer do Emanuel, mostra-nos, por antecipação as características do Messias de Deus.

Dos céus, a voz do Senhor Deus: «Eis o meu servo, a quem Eu protejo, o meu eleito, enlevo da minha alma. Sobre ele fiz repousar o meu espírito, para que leve a justiça às nações». Ele é o servo no qual Deus coloca o Seu coração e a Sua confiança.

Ele trará a bênção, será luz e conduzir-nos-á à paz. «Não gritará, nem levantará a voz, nem se fará ouvir nas praças; não quebrará a cana fendida, nem apagará a torcida que ainda fumega: proclamará fielmente a justiça». Fiel a Deus, virá para cumprir a Sua vontade, os Seus desígnios de paz e justiça.

Não cederá a ameaças, perseguições, maledicências, mas persistirá na verdade e no amor. «Não desfalecerá nem desistirá, enquanto não estabelecer a justiça na terra… Fui Eu, o Senhor, que te chamei segundo a justiça; tomei-te pela mão, formei-te e fiz de ti a aliança do povo e a luz das nações, para abrires os olhos aos cegos, tirares do cárcere os prisioneiros e da prisão os que habitam nas trevas».

A iniciativa é de Deus: cria-nos por amor e por amor, respeitando a nossa liberdade, permanece tão perto quanto O deixamos; escolhe um povo, elegendo-O para que seja ponte e dispensário das Suas bênçãos para todas as nações; envia sacerdotes, juízes, reis e profetas para recordar a Sua aliança e o Seu favor, e, chegada a plenitude dos tempos, envia o Seu próprio Filho.

4 – No peregrinar firme ou periclitante, o Senhor mantém a Sua aliança com o Povo Eleito e, através deste, com as nações da terra inteira. Esta é a certeza que nos vem da Sagrada Escritura e na qual assenta a nossa fé.

Eis a garantia do salmista: “O Senhor abençoará o seu povo na paz. / A voz do Senhor ressoa sobre as nuvens, o Senhor está sobre a vastidão das águas. A voz do Senhor é poderosa, a voz do Senhor é majestosa.  Sobre as águas do dilúvio senta-Se o Senhor, o Senhor senta-Se como Rei eterno”.

Apoiados no poder misericordioso do Senhor, rezemos-Lhe confiadamente, colocando n’Ele a nossa esperança e a nossa vida: “Tributai ao Senhor, filhos de Deus, tributai ao Senhor glória e poder. Tributai ao Senhor a glória do seu nome, adorai o Senhor com ornamentos sagrados”.

Com efeito, a oração predispõe-nos, se é de coração, a escutar a voz de Deus e prosseguirmos com a Sua vontade, procurando que a nossa vida espelhe e traduza a Sua bondade e o Seu amor, por nós e pela humanidade inteira. Iniciamos a Eucaristia com a mesma súplica: “Deus eterno e omnipotente, que proclamastes solenemente a Cristo como vosso amado Filho quando era batizado nas águas do rio Jordão e o Espírito Santo descia sobre Ele, concedei aos vossos filhos adotivos, renascidos pela água e pelo Espírito Santo, a graça de permanecerem sempre no vosso amor”

Reconhecemos a eleição do Filho, para n’Ele, também nós, renascidos pela água e pelo Espírito, criarmos as condições para que o Seu amor nos inunde e nos comprometa como irmãos, contruindo uma sociedade humanizada e fraterna, solidária e segura.

5 – Eis que venho, ó Deus para fazer a Tua vontade. Esta é a divisa de Jesus, visualizável em todos os momentos da Sua vida, nas palavras e nos gestos, na postura orante e clamando pelo Pai nos momentos decisivos da Sua missão. A Encarnação, por si mesma, é expressão, tradução, concretização desta vontade, desta identificação. A vontade do Pai é visível no corpo, na vida, na missão de Jesus. Aliás, diga-se que, em Jesus, identidade e missão se confundem. Jesus vive, anuncia, testemunha o que É, sendo que a ligação e identificação com o Pai é plena. Quem Me vê, vê o Pai.

O Apóstolo São Pedro sublinha a identidade de Jesus, ungido do Pai, que se traduz na missão: «Ele enviou a sua palavra aos filhos de Israel, anunciando a paz por Jesus Cristo, que é o Senhor de todos. Vós sabeis o que aconteceu em toda a Judeia, a começar pela Galileia, depois do batismo que João pregou: Deus ungiu com a força do Espírito Santo a Jesus de Nazaré, que passou fazendo o bem e curando todos os que eram oprimidos pelo demónio, porque Deus estava com Ele».

O batismo marca uma nova fase na vida de Jesus. Doravante, mostra-Se mais abertamente, anuncia o Reino de Deus e a sua justiça, cura, faz o bem, liberta das trevas e do pecado, reconcilia, agregando muitos à bênção de Deus. Identifica-Se connosco, identifica-nos com Deus. Ele ensina-nos este compromisso, guia-nos para que também nós saibamos responder como Maria: “Faça-se em mim segundo a Tua palavra”.

O Céu dá testemunho: este é o Meu filho muito amado, escutai-O! Mas é em terra que nos cabe acolher a Palavra de Deus e pô-la em prática. “Quem é minha mãe,  e quem são os meus irmãos? Aí estão a minha mãe e os meus irmãos; pois todo aquele que fizer a vontade de Meu Pai que está no Céu, esse é que é meu irmão, minha irmã e minha mãe” (Mt 12, 48-50), “Felizes antes os que escutam a Palavra de Deus e a põem em prática” (Lc 11, 27-28).

Novamente com São Pedro, vemos como Deus não faz aceção de pessoas, pelo que a todos nos chama à missão e a todos nos envia a disseminar a paz e a justiça, o amor e o perdão, “em qualquer nação, aquele que O teme e pratica a justiça é-Lhe agradável”. Para Ele todos somos filhos. Então, façamos, todos, por ser irmãos uns dos outros.

Pe. Manuel Gonçalves


Leituras para a Eucaristia (ano C): Is 42, 1-4. 6-7; Sl 28 (29); At 10, 34-38; Lc 3, 15-16. 21-22.