Santíssimo Corpo e Sangue de Jesus Cristo – 2021

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Santíssimo Corpo e Sangue de Jesus Cristo – 2021

1 – Uma pessoa que tenha fé (amadurecida), sabe, sente, intui, vê (com os olhos do coração) que Jesus está realmente presente na hóstia consagrada e no vinho consagrado.

No decorrer da Última Ceia, os discípulos ouviram e viram, talvez perplexos, as palavras e os gestos de Jesus, através dos quais antecipou a Sua morte e ressurreição, prometendo dar-Se, com a Sua vida e presença, até ao fim dos tempos.

Como é que isso seria possível depois da Sua morte? E depois de subir para o Pai?

Entramos em pleno no mistério pascal e em pleno no mistério trinitário. Deus Pai, pelo Espírito Santo, gera Jesus no seio da Virgem Maria. Antes de partir, e a partir da eternidade, Jesus dá o Seu Espírito aos discípulos, à Igreja.

A Igreja acolhe o mandato de Cristo e realiza, ao longo do tempo, a Sua obra de redenção, sob a assistência do Espírito Santo. Jesus morre de uma vez para sempre. Ressuscita. Prevalece a mesma vontade. Deus vem e faz-Se um de nós. Encarna. Assume a nossa condição mortal, finita e limitada, assume um Corpo. Torna-Se visível. Deixa-Se ver, abraçar, deixa-Se amar; podemos segui-l’O e encontrá-l’O, porque Ele próprio Se faz caminho, Verdade e Vida. Podemos persegui-l’O e até matá-l’O, mas não destruir o Seu amor por nós. Com a Encarnação, a Omnipotência transforma-se em fragilidade, Deus humaniza-Se, o Grande apequena-Se. Porque Deus quer. Porque Deus pode. Porque Deus ama. Mas se este milagre (de Deus em Se fazer homem) é inaudível, não é menor o milagre pelo qual Deus Se torna presente nas espécies do pão e do vinho, convertíveis, por ação do Espírito Santo, no Corpo e Sangue de Cristo.

“Enquanto comiam, Jesus tomou o pão, recitou a bênção e partiu-o, deu-o aos discípulos e disse: «Tomai: isto é o meu Corpo». Depois tomou um cálice, deu graças e entregou-lho. E todos beberam dele. Disse Jesus: «Este é o meu Sangue, o Sangue da nova aliança, derramado pela multidão dos homens. Em verdade vos digo: Não voltarei a beber do fruto da videira, até ao dia em que beberei do vinho novo no reino de Deus»”.

2 – Quando Se senta, rodeado dos Seus discípulos, para a ceia pascal, Jesus pressente um ambiente sério, carregado, em que predomina ansiedade, dúvida, medo. Os últimos tempos tinham deixado de ser fulgurantes, com as multidões a segui-l’O e a aplaudi-l’O, tendo-se multiplicado as tentativas para O acusarem, O apanharem em falso, para destruírem o Seu nome junto do povo. As Suas palavras e gestos não agradam aos gestores do povo, líderes religiosos e políticos, nem às classes instaladas, aqueles que sonegam a vida e a alegria do povo.

Por outro lado, Jesus diz claramente aos Seus discípulos que se aproximam horas tenebrosas. O Filho do Homem vai ser entregue às autoridades dos judeus, vai ser julgado e condenado. Será morto. Já não restará muito tempo. A Sua hora está eminente. A vinda a Jerusalém por ocasião da festa da Páscoa pode tornar-se perigosa e oportuna para os Seus inimigos.

Após anúncio da Paixão, Pedro contesta Jesus. Uns e outros já nem ouvem Jesus a anunciar a Sua ressurreição. Jesus tinha acabado de destroçar o coração dos Seus discípulos, deitando por terra as suas melhores expectativas. Porém, ainda assim, refeitos do susto, logo intentam discutir o melhor lugar para Lhe suceder. Mas também aí Jesus os sossega: lavar os pés! Quem quiser ser o primeiro será o último, quem quiser ser o maior será o servo de todos.

É neste contexto que Jesus lhes falará ao coração, lembrando-lhes o que viveram e o que estará para vir, o tempo em que Ele lhes será tirado, e o tempo em que voltará a alegrá-los com a Sua presença. Na verdade, diz-lhes que estará com eles, e connosco, até ao fim dos tempos. Uma das formas privilegiadas de Se fazer presente será através do Seu Corpo e do Seu Sangue, nas espécies, frágeis e simples, do pão e do vinho.

3 – No Evangelho de São João (6, 22-71), Jesus apresenta-Se, numa linguagem direta, como o Pão vivo descido do Céu que nos alimenta até à vida eterna. Um pouco antes, a multiplicação dos pães remete-nos para a superabundância que se realiza em e com Jesus Cristo. Mas, se a ideia era resolver a questão económica e a pobreza do mundo, logo Jesus nos lembra que nos alimenta para nos tornarmos alimento uns para os outros e provermos às necessidades uns dos outros. Permanece um grito permanente: dai-lhes vós mesmos de comer. Se nos alimentamos de Jesus, teremos, como Ele, de realizar a multiplicação dos pães e efetivar a partilha solidária.

A multidão escuta um desafio semelhante: “trabalhai, não pelo alimento que desaparece, mas pelo alimento que perdura e dá a vida eterna, e que o Filho do Homem vos dará”. Seguiram-n’O pelo milagre, Jesus fala de outro milagre que transforma a vida e nos torna agentes de transformação do mundo. “Eu sou o Pão da vida. Quem vem a Mim nunca mais terá fome e quem crê em Mim jamais terá sede… Eu sou o Pão vivo, se alguém comer deste pão, viverá eternamente; e o pão que Eu hei de dar pela vida do mundo é a minha carne… Se não comerdes a carne do Filho do homem e não beberdes o Seu sangue não tereis a vida em vós… Quem realmente come a minha carne e bebe o meu sangue fica a morar em mim e Eu nele”.

Estas palavras tão vivas e concretas, levam à debandada dos discípulos. O caldo está entornado, com a multidão, mas igualmente entre os discípulos: “Que palavras insuportáveis! Quem pode entender isto?” A partir de então, diz-nos o evangelista, muitos dos seus discípulos voltaram para trás e já não andavam com Ele.

Em meados do século XIII, foi instituída a Solenidade do Corpo e Sangue de Cristo, numa época em que se comungava muito pouco e onde se levantavam dúvidas sobre a «presença real» de Jesus na hóstia consagrada depois da celebração da Eucaristia. A resposta veio com a adoração da Eucaristia, organizando-se procissões com a hóstia consagrada pelas ruas de cidades, vilas e aldeias.

Uma fé titubeante colide com as realidades sobrenaturais. Precisamos de ajoelhar e rezar mais. Não vacilemos, continuemos a pedir o dom da fé. “Senhor Jesus Cristo, que neste admirável sacramento nos deixastes o memorial da vossa paixão, concedei-nos a graça de venerar de tal modo os mistérios do vosso Corpo e Sangue que sintamos continuamente os frutos da vossa redenção”.

4 – Somos humanos. Não somos anjos. A Sagrada Escritura diz-nos, porém, que pode acontecer que o acolhimento a um forasteiro seja na verdade a hospedagem de anjos, sem o sabermos. Mas é no corpo e com um corpo que nós nos colocamos diante dos outros. A corporeidade traça um limite, identificando-nos, uma fronteira física/material que permite encontro e abertura ao outro.

Com efeito, estamos sujeitos à temporalidade, enformados pelas coordenadas do espaço e do tempo, visíveis, concretos, em circunstâncias específicas onde nascemos e crescemos, aprendendo a linguagem, a cultura, as manias e as tradições de um tempo, de um povo e/ou de uma etnia. Entendemo-nos a falar, mas também nos silêncios, nos gestos e nas expressões do rosto e do corpo. Aliás, diga-se, que a postura corporal permite entender o enfado ou a alegria da escuta e/ou do encontro.

Por outro lado, os símbolos, que tornam visível o que sentimos, o que pensamos, exprimem-nos, aproximam-nos de realidades que nos transcendem.

Na primeira leitura, Moisés comunica as palavras de Deus ao povo e sela o compromisso com a construção de um altar, com doze pedras que simbolizam as 12 tribos de Israel. Seguem-se as oferendas de novilhos. Metade do sangue é derramado sobre o altar e metade aspergido pelo povo: «Este é o sangue da aliança que o Senhor firmou convosco, mediante todas estas palavras».

Talvez bastassem as palavras: «Faremos quanto o Senhor disse e em tudo obedeceremos». Mas os sinais evocam a aliança, o mandato divino, elevam para Deus, como que tornam mais próxima a Sua presença. E avivam a nossa memória.

5 – A Epístola aos Hebreus torna (talvez mais) explícito o que era evidente nos Evangelhos: Jesus é o Sacerdote por excelência, une o Céu e a Terra, faz com que Deus caminhe entre nós e eleva a nossa natureza, com a Sua ressurreição/ascensão, à direita de Deus Pai. No Evangelho de São João, o discurso final Jesus é considerado como Oração Sacerdotal, na qual Ele reza demoradamente ao Pai, pelos discípulos e pelo mundo. Porém, a terminologia de sacerdócio aparece apenas nesta Epístola aos Hebreus.

“Cristo veio como sumo sacerdote dos bens futuros. Atravessou o tabernáculo maior e mais perfeito, que não foi feito por mãos humanas, nem pertence a este mundo, e entrou de uma vez para sempre no Santuário”.

Doravante, contudo, já não são necessários mais sacrifícios de animais, pois Jesus derramou “o seu próprio Sangue, e alcançou-nos uma redenção eterna… Ele é mediador de uma nova aliança, para que, intervindo a sua morte para remissão das transgressões cometidas durante a primeira aliança, os que são chamados recebam a herança eterna prometida”.

No Corpo, no Sangue, na Vida de Jesus cumpre-se a promessa de Deus, realiza-se a redenção, é estabelecida uma nova, eterna e duradoura aliança, num único oferecimento. Jesus assume-nos para sempre. Depois, caber-nos-á, em cada lugar e em cada tempo, acolher esta Sua vida, este Seu corpo, e deixar que Ele seja o nosso alimento, o Caminho, a Verdade e a Vida. Por Ele, sumo e eterno Sacerdote, vamos ao Pai. Experiência que já fazemos nos Sacramentos, especialmente na Eucaristia, antecipando e integrando, cada vez mais, a vida divina.

Pe. Manuel Gonçalves


Leituras para a Eucaristia: Ex 24, 3-8; Sl 115; Hebr 9, 11-15; Mc 14, 12-16. 22-26.