Domingo XXV do Tempo Comum – C – 2022

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Domingo XXV do Tempo Comum – C – 2022

1 – Há quinze dias, Jesus falava-nos de preferências: «Se alguém vem ter comigo, e não Me preferir ao pai, à mãe, à esposa, aos filhos, aos irmãos, às irmãs e até à própria vida, não pode ser meu discípulo. Quem não toma a sua cruz para Me seguir, não pode ser meu discípulo» (Lc 14, 25-33). Há oito dias, sublinhava como a misericórdia prevalece sobre a ofensa, o amor sobre a indiferença e o desprezo, mormente através da parábola, assim conhecida, do filho pródigo (cf. Lc 15, 1-32).

Numa e noutra ocasião tivemos oportunidade de concluir que o amor de Deus é infindo. A preferência pelos mais frágeis é garantia de universalidade e inclusão. Para Deus todos são filhos; merecem mais cuidado, como em todas as famílias, os doentes, os pecadores, os excluídos, para serem curados, salvos e incluídos! O propósito é que ninguém se perca, mas cada um possa fazer parte da única família, para que haja um só rebanho e um só pastor.

Esta semana, Jesus termina a parábola do administrador sagaz dizendo que «nenhum servo pode servir a dois senhores, porque, ou não gosta de um deles e estima o outro, ou se dedica a um e despreza o outro. Não podeis servir a Deus e ao dinheiro». Nos três domingos – e não ficaremos por aqui, pois no próximo, Jesus nos falará do rico avarento e do pobre Lázaro – há pontos de contacto nomeadamente quanto à forma como lidámos com o dinheiro, com os bens, e quais as prioridades, o que prevalece na nossa vida. Quem servimos, Deus ou o dinheiro? Quantas chatices entre nós e os outros, muitas vezes dentro da nossa família, por causa dos bens, da herança, do dinheiro? Os bens ajudam-nos a viver melhor, aproximam-nos dos outros, permitem-nos ser benfeitores? Ou, pelo contrário, escravizam-nos, afastam-nos dos outros, levam-nos a agir contra ou servindo-nos dos nossos semelhantes?  Jesus é categórico: a vida de uma pessoa não depende da abundância dos seus bens (cf. Lc 12, 13-21).

2 – «Senhor, que fizestes consistir a plenitude da lei no vosso amor e no amor do próximo, dai-nos a graça de cumprirmos este duplo mandamento, para alcançarmos a vida eterna». A oração inicial da Eucaristia coleta-nos no mesmo propósito e no mesmo compromisso. A vida eterna tem as portas escancaradas pelo nosso amor a Deus, antes e acima de outros amores, e ao próximo como a nós mesmos, melhor, ao jeito de Jesus que ama dando-nos a Sua vida por inteiro e oferecendo-nos com Ele ao Pai.

Jesus dá-nos pistas que nos sincronizam com a vida eterna. Perceber-se-á que esta não se inicia no momento da morte, mas na vida presente. Não chegamos à meta se antes não dermos os passos que precisamos para lá chegar ou se nem sequer soubermos qual o caminho ou a direção que havemos tomar.

Aos discípulos daquele tempo, e a nós, discípulos deste tempo, Jesus conta a parábola do administrador infiel, vincando a sua esperteza. O patrão pede-lhe contas da administração, pois chegou-lhe aos ouvidos que andava a desperdiçar bens, pelo que o desenlace será o seu despedimento. Rapidamente o administrador lança contas à vida sobre o que sucederá, já que não tem forças para trabalhar e não quer sujeitar-se à mendicidade. Antes de se tornar “oficial” a sua demissão, e para que alguém o receba em sua casa, chama os devedores do seu senhor e reduz-lhes substancialmente a dívida. O seu senhor elogiou a sagacidade do administrador, apesar da sua desonestidade.

E, por sua vez, Jesus propõe-no como exemplo a seguir, não pela sua desonestidade, como veremos, mas pela forma de lidar com o próximo.

3 – “Arranjai amigos com o vil dinheiro, para que, quando este vier a faltar, eles vos recebam nas moradas eternas”. O Administrador desonesto assegura de forma criativa e inteligente o seu futuro, usando o seu cargo. Dizem os entendidos, que o perdão da dívida significou a perda do seu rendimento e não do seu senhor, abdicou do seu direito e dos seus rendimentos imediatos para garantir o futuro.

É isso que devemos fazer, segundo Jesus, usar os recursos que temos para assegurarmos o futuro, para que aqueles e aquelas que tratamos com bondade, possam acolher-nos na vida eterna. São estes os passos que temos que dar: tratar com fidalguia o nosso semelhante!

Então a vida eterna é conquistada pelo nosso empenho em fazermos o bem, tornar-nos próximos dos outros, ajudando-os, amando-os e servindo-os? A resposta encontramo-la nas palavras e na vida de Jesus: a ligação, a intimidade e a proximidade com Deus (Pai), faz-nos irmãos dos outros. Assim com Jesus, assim connosco. É essa a plenitude da Lei que nos faz cidadãos do Céu. A fé em Jesus salva-nos do egoísmo e da morte. O mistério da sua morte e ressurreição torna-nos novas criaturas. Cabe-nos seguir a engrenagem da fé que a Ele nos liga.

4 – Através das parábolas, não sendo invasivo, Jesus respeita as nossas opções, faz-nos sentir intervenientes em cada uma das histórias que nos apresenta e deixa que façamos as nossas escolhas, permitindo-nos, porém, entrever o caminho a seguir para nos tornarmos Seus discípulos.

A prioridade, clarividente, é cuidar do próximo. Para que não haja mal-entendidos, logo Jesus nos diz que a desonestidade não é o caminho dos discípulos. Há que saber lidar com o dinheiro, com os bens, de forma justa e honesta, no pouco e no muito, “Quem é fiel nas coisas pequenas também é fiel nas grandes; e quem é injusto nas coisas pequenas também é injusto nas grandes. Se não fostes fiéis no que se refere ao vil dinheiro, quem vos confiará o verdadeiro bem? E se não fostes fiéis no bem alheio, quem vos entregará o que é vosso?”

Fica também vincada a relação entre a fé e a vida do dia-a-dia: não são separáveis. Não se é cristão apenas na oração, no espaço sagrado dos templos, mas na gestão do bolso, do dinheiro, dos bens que se adquirem, se herdam, se possuem. Como costuma dizer o Papa Francisco, o diabo entra habitualmente pelo bolso. Pecadores, sim; corruptos, não. A fé não nos encerra na oração nem na Igreja, insere-nos no nosso mundo. E, do mesmo modo, não deixamos a vida quotidiana, o que somos e fazemos, à porta da Igreja. Não. A vida, os nossos sonhos e projetos, os nossos méritos e os nossos fracassos, seguem-nos na oração que nos coloca diante de Deus e em comunhão com os que estão no mesmo barco, também com as suas realizações e com os seus pecados.

A precedência, a prioridade e a exclusividade há de ser para Deus. «Nenhum servo pode servir a dois senhores, porque, ou não gosta de um deles e estima o outro, ou se dedica a um e despreza o outro. Não podeis servir a Deus e ao dinheiro». Quem não tem preferências fica nas encruzilhadas, a meio caminho, incapaz de fazer opções. A opção por Deus faz com que tudo seja gerido de forma a sermos-Lhe agradáveis, a amar quem Ele ama.

5 – O profeta Amós deixa bem claro que a desonestidade e a corrupção são contrárias aos desígnios de Deus. Pior ainda se os lesados forem indigentes. O clamor do pobre ascende a Deus.

O aviso é feito pelo Senhor: «Nunca esquecerei nenhuma das suas obras» para quem se julga dono e senhor dos outros.

Dizem os ímpios: «Quando passará a lua nova, para podermos vender o nosso grão? … Faremos a medida mais pequena, aumentaremos o preço, arranjaremos balanças falsas. Compraremos os necessitados por dinheiro e os indigentes por um par de sandálias. Venderemos até as cascas do nosso trigo». Voltamos à expressividade do Papa Francisco: pecadores, sim; corruptos, não! A corrupção, o aproveitamento e exploração dos pobres, a indiferença para com os mais desfavorecidos, a segregação social e económica para favorecer os que têm poder são caminhos contrários à fé e ao compromisso eclesial. A fé que professamos, irmana-nos: somos filhos do mesmo Pai, irmãos em Jesus Cristo. Teremos que agir nesse pressuposto, tratando-nos como irmãos, sem muros nem contendas, sem fazermos aceção de pessoas, a não ser no cuidado prioritário aos mais pobres e frágeis.

6 – A salvação revelada e manifestada em plenitude em Jesus Cristo, na Sua vida e mensagem, na Sua morte e ressurreição, não privilegia religiões, raças ou culturas, cronologias ou topografias. Na verdade, “Ele quer que todos os homens se salvem e cheguem ao conhecimento da verdade. Há um só Deus e um só mediador entre Deus e os homens, o homem Jesus Cristo, que Se entregou à morte pela redenção de todos”.

Se a salvação se dirige a todos, também a oração é inclusiva e universal. No nosso jeito, por vezes, egoísta de vivermos a vida, também na oração nos preocupamos prevalentemente connosco e com os nossos. Em todo o caso, Deus é Pai e o que pedimos para nós contempla também os outros. Não é possível ter sol na eira e chuva no nabal. Deus faz chover sobre bons e maus! 

São Paulo, baseando-se na universalidade da salvação, recomenda-nos a oração por todos, também por aqueles que exercem a autoridade: façam-se “preces, orações, súplicas e ações de graças por todos os homens, pelos reis e por todas as autoridades, para que possamos levar uma vida tranquila e pacífica, com toda a piedade e dignidade. Isto é bom e agradável aos olhos de Deus, nosso Salvador. Quero, portanto, que os homens rezem em toda a parte… sem ira nem contenda”.

A oração dilata o nosso coração e predispõe-nos a levar à prática o que rezamos, na fidelidade à Palavra de Deus.

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia (C): Am 8, 4-7; Sal 112 (113); 1 Tim 2, 1-8; Lc 16, 1-13.