Domingo II da Quaresma – ano C – 2022

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Domingo II da Quaresma – ano C – 2022

1 – O caminho até à Páscoa leva o seu tempo. Assim a minha e a tua vida, com altos e baixos, momentos de beleza e de alegria, de paz e confraternização e momentos de adversidade e de dúvida, de medo e de hesitação. Podemos lamentar-nos, “é a vida!”, ou, com a mesma expressão, resignar-nos, não como quem desiste, mas como quem relativiza as perdas, os impossíveis, e escolhe prosseguir o caminho e a luta, sabendo que nem sempre o céu estará azul, nem sempre o mar estará calmo, nem sempre será primavera!

Pelo caminho, podemos e devemos abastecer! Também na vida o combustível pode ser caro! Mas não é, de todo, transacionável! Uma palavra amiga, um abraço, a presença! O incentivo nas palavras e/ou na companhia. Como numa peregrinação, paramos para descansar, retemperar forças, renovando as energias. Assim na vida. Assim é a Quaresma que nos balança e impele para a Páscoa.

Durante a vida pública de Jesus, os discípulos experimentam situações promissoras, mas igualmente palavras e situações desoladoras que deixam antever dificuldades e sofrimentos. Na verdade, Jesus situa-os entre a paixão e a páscoa, entre os contratempos e a vitória, entre a morte e a ressurreição, entre o sofrimento e a alegria.

Dir-se-á que Jesus não é, de todo, um político tradicional que faça promessas fáceis ou que trabalhe a informação para que sobressaiam situações positivas. Quem O segue sabe o que esperar, a vida eterna, mas também perseguições, a bênção, mas também as adversidades.

2 – Jesus sobe ao monte para orar. Leva Pedro, João e Tiago. A oração transforma-O, altera-se-Lhe o rosto! Os discípulos veem-n’O num contexto de luz, com as vestes refulgentes de brancura. Ao lado de Jesus, as figuras de Moisés e Elias, que falam da morte de Jesus a consumar-se em Jerusalém. Os discípulos estão em modo de sonolência! Ao despertarem, veem a glória de Jesus e as duas personagens veterotestamentárias. Então, Pedro expressa o que lhe vai na alma: «Mestre, como é bom estarmos aqui! Façamos três tendas: uma para Ti, outra para Moisés e outra para Elias».

Diz-nos o autor sagrado que Pedro não sabia o que estava a dizer, simplesmente estaria, como os companheiros, surpreendido com o quadro que estava a presenciar. Veio, então uma nuvem que os cobriu e da nuvem uma voz: «Este é o meu Filho, o meu Eleito: escutai-O».

A mensagem que vem do Céu, agora como no batismo, refere-se a Jesus, o Filho bem-amado, o Eleito do Senhor, e refere-se a mim e a ti, cabe-nos escutá-l’O. Não precisamos nem de Moisés nem de Elias, precisamos de escutar Jesus! Se O escutarmos, não apenas ouvir, mas escutar com os ouvidos, com o coração, com a alma, então deixar-nos-emos transformar por Ele, então seremos absorvidos pela Sua luz, pela Sua vida! N’Ele e para Ele confluem as promessas, os anúncios, as profecias! Moisés e Elias vieram antes! Jesus não os substitui, porque não está no mesmo patamar, pois n’Ele tudo é pleno, último, corolário. Até Jesus, patriarcas, profetas, reis e juízes, sacerdotes! Com Jesus, o Céu chegou até nós, a eternidade entrou no tempo, Deus tornou-Se um de nós, Um connosco.

Pedro e os companheiros prosseguirão caminho, descendo das nuvens, guardando silêncio, pois não há palavras que possam descrever o que viram e sentiram. A compreensão virá com a ressurreição de Jesus, confirmando o vislumbre que Ele lhes mostrou.

3 – Em sintonia com o Bento XVI, o Papa Francisco, na primeira Encíclica (escrita a quatro mãos) afirma de forma clarificadora: “a fé não é luz que dissipa todas as nossas trevas, mas lâmpada que guia os nossos passos na noite, e isto basta para o caminho… o serviço da fé ao bem comum é sempre serviço de esperança que nos faz olhar em frente, sabendo que só a partir de Deus, do futuro que vem de Jesus ressuscitado, é que a nossa sociedade pode encontrar alicerces sólidos e duradouros” (n.º 57).

No meio da escuridão, basta um pouco de luz, uma nesga, para que vejamos por onde “escapar”, que direção tomar! É assim a fé, esta luz que nos guia, nos impele, nos conforta, também no meio das tempestades. E se juntarmos, uns e outros, o lampejo da nossa fé, da nossa luz, ajudar-nos-emos a caminhar com mais luz e mais confiantes. 

Mas atenção, até uma multidão se pode perder! Não basta seguirmos em conjunto, é necessário que saibamos que Ele vai connosco e que estamos a seguir as Suas palavras. Precisamos de nos mantermos ligados ao Senhor Deus, desde logo pela oração. “Deus de infinita bondade, que nos mandais ouvir o vosso amado Filho, fortalecei-nos com o alimento interior da vossa palavra, de modo que, purificado o nosso olhar espiritual, possamos alegrar-nos um dia na visão da vossa glória”.

4 – É urgente voltar a olhar para o Céu! Não como quem foge, mas como quem se deixa inspirar; não como quem desiste, mas como quem quer ver mais além; não como quem se resigna, mas como quem quer amar com o olhar e o amor de Deus!

O nosso problema não é perder tempo com o Céu, com a oração, ou com a fé! O problema é mesmo termo-nos esquecido do Céu, termos fechado os ouvidos às Suas palavras, termos tapado os olhos e não percebermos que aqueles que caminham connosco são nossos irmãos!

Por vezes, também na Quaresma, precisamos de sair de casa, a nossa casa, o nosso conforto, e olharmos com o olhar de Deus para o mundo e sobretudo para as pessoas.

Deus conduz Abrão para fora de casa, para que ele veja mais longe, olhe para o céu e conte as estrelas. A promessa de uma terra e de uma descendência numerosa! Ainda não pode ver! Mas acredita na palavra de Deus. O céu não mente, Deus não engana. 

5 – Abrão deixa-se encontrar por Deus. Pedro, Tiago e João preparam a vista e o coração para verem a glória de Deus, não apenas no alto da montanha, mas também no quotidiano, não apenas na bonança, mas no meio da cidade, no pulsar da vida do dia a dia, com os seus desafios e dificuldades.

O salmista reza connosco a confiança em Deus que nos guarda e protege.

“O Senhor é minha luz e salvação: a quem hei de temer? O Senhor é protetor da minha vida: de quem hei de ter medo? / Ouvi, Senhor, a voz da minha súplica, tende compaixão de mim e atendei-me. Diz-me o coração: «Procurai a sua face». A vossa face, Senhor, eu procuro. / Não escondais de mim o vosso rosto / Não me rejeiteis nem me abandoneis, meu Deus e meu Salvador. / Espero vir a contemplar a bondade do Senhor na terra dos vivos. Confia no Senhor, sê forte. Tem coragem e confia no Senhor”.

A súplica implica a confiança na fidelidade de Deus e a certeza que Ele intervém a nosso favor, em favor de todos os que O invocam de coração sincero. Se eu procuro a Sua face, Ele deixar-Se-á ver nos acontecimentos, nos Sacramentos, no bem realizado, e em cada irmão.

6 – Aspirar a Deus e às coisas do alto não nos retira nem tempo nem oportunidade para transformarmos o mundo que Deus nos dá para habitarmos. Deus confia em nós e confia-nos a mundo para cuidarmos dele. Jesus é o paradigma! Quanto maior a intimidade com Deus, com o Pai, maior a disponibilidade para partir ao encontro dos outros.

São Paulo reafirma a fé na ressurreição de Jesus, experimentável na vida atual. A Cruz de Cristo é testemunho do amor de Deus por nós e é interpelação à nossa resposta a esse amor. Somos inimigos da Cruz quando não nos guiamos pelo amor com que Deus nos amou em Cristo Jesus. Alguns, diz o Apóstolo, preocupam-se apenas com o seu umbigo, com o seu ventre. “Mas a nossa pátria está nos Céus, donde esperamos, como Salvador, o Senhor Jesus Cristo, que transformará o nosso corpo miserável, para o tornar semelhante ao seu corpo glorioso, pelo poder que Ele tem de sujeitar a Si todo o universo”. Conclui São Paulo: “Portanto, meus amados e queridos irmãos, minha alegria e minha coroa, permanecei firmes no Senhor”.

Permanecer firmes no Senhor é procurar, em tudo, agir segundo a vontade de Deus, tal como Cristo que, em tudo, em todos os momentos, traduziu e concretizou a vontade do Pai.

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia (ano C): Gen 15, 5-12. 17-18; Sl 26 (27); Filip 3, 17 – 4, 1; Lc 9, 28b-36.