Domingo IV da Páscoa – B – 2021

Domingo do Bom Pastor

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Domingo IV da Páscoa – B – 2021

1 – Amor e serviço, risco e gratuidade. É bem a imagem do Bom Pastor, que arrisca a sua vida para colocar a salvo as suas ovelhas. É este o Deus que Jesus nos revela, um Deus que não é senão Amor, que por amor nos cria e nos salva. É este o mistério da Páscoa e da Encarnação. Deus faz-Se homem, assume-nos por inteiro, as nossas luzes e sombras, as nossas fragilidades e finitude. Jesus, sendo igual a Deus, aniquilou-Se por amor, despojou-se de quaisquer laivos de poder e omnipotência, tornou-Se, em tudo, semelhante ao homem. Obedeceu até à morte e morte de Cruz. Não Se valeu da Sua igualdade com Deus.

A vida de Jesus é uma história de amor, de serviço à humanidade. Quem se sujeita a amar, sujeita-se a padecer. Jesus predispõe-Se a tudo. Gasta a Sua vida por nós. Não coloca condições nem reservas, não vive na condicional, não exige perfeição, mas espera sinceridade, isto é, a verdade do coração.

Na Encarnação estão as sementes da Paixão redentora. O Deus que Se faz homem predispõe-Se a ir até ao fim com este sonho de nos englobar no Seu amor, na Sua vida. É o mistério do abaixamento (kénose)! A Omnipotência faz-Se fragilidade, pequenez; o Infinito assume o tempo e a história; o grandioso deixa-Se ver como mortal, deixa-se amar, perseguir e até matar. A Cruz é a expressão mais eloquente do amor, expressão de um amor inteiro, que assume as contrariedades, os desamores, o egoísmo, os ódios e desejos de vingança, as traições e a indiferença, o abandono e o desprezo, a prepotência e o orgulho, a soberba e a sobranceria. Ele não vira as costas ao sofrimento, à ofensa, às blasfémias, às injúrias, às vergastadas, não recusa a cruz para se livrar da vergonha e da dor.

A Páscoa, a ressurreição, aviva e traduz a certeza de que o amor é mais forte do que a morte.

2 – Aquele que ama entrega-se, dá-se, não aos pedaços, mas totalmente em cada momento. «Eu sou o Bom Pastor. O bom pastor dá a vida pelas suas ovelhas». O Bom Pastor tudo faz para que as suas ovelhas estejam a salvo. É o propósito e a missão de Jesus: dar a vida para que as Suas ovelhas tenham vida e vida em abundância.

As características do Bom Pastor, imagem com que Jesus Se autodenomina, são fáceis de saber e pressupõem-se em qualquer pastor digno desse nome. O Bom Pastor conhece todas as suas ovelhas. Pelo nome. «Conheço as minhas ovelhas e as minhas ovelhas conhecem-Me, do mesmo modo que o Pai Me conhece e Eu conheço o Pai; Eu dou a vida pelas minhas ovelhas». As ovelhas, como outros animais, reconhecem a voz o Pastor e seguem-no.

Na interligação de Jesus connosco e de nós com Ele existe este intercâmbio: Ele conhece-nos pelo nome, se O seguimos verdadeiramente; nós conhecemos a Sua voz e procuramos ser fiéis ao Seu mandato de amor e de serviço, e só nesta perspetiva, servindo e amando, é que poderemos dizer que O conhecemos e O seguimos.

3 – Neste 58.º Dia Mundial de Oração pelas Vocações, o Papa convida-nos a rever e refletir o sonho da vocação de São José. Em São José, Deus “reconheceu um coração de pai, capaz de dar e gerar vida no dia a dia. É isto mesmo que as vocações tendem a fazer: gerar e regenerar vidas todos os dias… se pedíssemos às pessoas para traduzirem numa só palavra o sonho da sua vida, não seria difícil imaginar a resposta: «amor». É o amor que dá sentido à vida, porque revela o seu mistério. Pois só se tem a vida que se dá, só se possui de verdade a vida que se doa plenamente. A este propósito, muito nos tem a dizer São José, pois, através dos sonhos que Deus lhe inspirou, fez da sua existência um dom”.

A vocação primeira do cristão é seguir e amar Jesus e deixar-se guiar pelos Seus mandamentos. A vocação universal de todos os cristãos é à santidade, isto é, a deixarmo-nos santificar pelo Senhor, procurando identificar-nos com a Sua postura de vida: amar, servir, perdoar. Fazer a vontade do Pai.

São José deixa-se interpelar, nos sonhos, pelo chamamento de Deus ao amor e ao serviço. São José está atento e vigilante, até durante o sono, para que prevaleçam os desígnios de Deus.

Numa missão específica, São José é verdadeiramente Pastor, guardião de Maria e de Jesus, cuidador e guardião da Igreja. Na sua vida é visível o amor e o serviço, a alegria e a gratuidade. E é possível ver que, por amor, também São José corre riscos, prevalecendo a fidelidade à vocação a que Deus o chama e a Quem respondeu com toda a sua vida.

4 – Ao Bom Pastor, Jesus contrapõe o mercenário. Este é pago para guardar as ovelhas, não as sente como suas, não as guarda com convicção. As ovelhas não são suas. Conhece-as pelo número, mas não pelo nome. Mantém-se à distância para não ficar com o cheiro das ovelhas, como diria o Papa Francisco. É-lhe igual que se aleijem, fiquem para trás, tenham um bom pasto. Só lhe importam os números, das ovelhas e do que recebe.

O mercenário não corre riscos. Como não “ama” as ovelhas, perante o risco, prefere salvar a própria pele. Era a tentação da Cruz: salva-Te a Ti mesmo, e a nós também! Jesus opta, claramente, apesar do sofrimento inaudível, por Se deixar “sacrificar” a favor dos demais, a favor da humanidade inteira. N’Ele vence o amor, a obediência ao Pai de Misericórdia. Ele é o Bom Pastor que dá a vida até à última gota de sangue, por amor.

O mercenário, logo que vê vir o lobo, o perigo, foge, põe-se ao largo, prefere resguardar-se. Guarda a vida para si mesmo e não se comove pelo sofrimento das ovelhas, devoradas pelo lobo, pela pobreza, pela exclusão, pela solidão. Desde que a sua vida corra, que lhe importa o que suceda aos outros?

5 – O culto judaico envolvia a oferenda do cordeiro pascal, a cada ano, a favor do povo, para libertar os judeus dos seus pecados. Jesus é, para nós, crentes cristãos, o novo e definitivo Cordeio Pascal, inocente e sem mancha, ofereceu a Sua vida pela redenção da humanidade, de uma vez para sempre, e por todos.

No Evangelho deste Domingo, Jesus deixa claro que enquanto houver “ovelhas” à deriva é obrigação do pastor, de cada cristão, de cada seguidor de Jesus, trazê-las para o redil, para casa, e colocá-las sob a proteção divina, sob a bênção de Deus.

«Tenho ainda outras ovelhas que não são deste redil e preciso de as reunir; elas ouvirão a minha voz e haverá um só rebanho e um só Pastor. Por isso o Pai Me ama: porque dou a minha vida, para poder retomá-la. Ninguém Ma tira, sou Eu que a dou espontaneamente. Tenho o poder de a dar e de a retomar: foi este o mandamento que recebi de meu Pai».

Jesus não dá a vida por mim e por ti! Não, não apenas por mim e por ti. Dá a vida por cada um de nós, não deixa ninguém de fora, ninguém está excomungado, excluído. Ele não faz aceção de pessoas, a todos considera irmãos, filhos do mesmo Pai do Céu. Dá a vida por mim e por ti, e por todos, deste tempo e de todos os tempos.

Esta é a unidade fraterna formulada em mandamento: “Para que todos sejam um, como Eu e Tu, ó Pai, somos Um” (Jo 17, 21). É esta também a nossa prece: “Deus eterno e omnipotente, conduzi-nos à posse das alegrias celestes, para que o pequenino rebanho dos vossos fiéis chegue um dia à glória do reino onde já Se encontra o seu poderoso Pastor, Jesus Cristo, vosso Filho”.

6 – Ele, Jesus, é o Bom Pastor que a todos congrega na unidade, é a Pedra angular em Quem se edifica, se estrutura e se solidifica a Igreja, Seu Corpo, que O torna presente, por ação do Espírito Santo, no tempo e na história, sendo, dessa forma, nosso contemporâneo. São Pedro, depois da cura de um paralítico, deixa claro que é Jesus que opera tudo em todos. «É em nome de Jesus Cristo, o Nazareno, que vós crucificastes e Deus ressuscitou dos mortos, é por Ele que este homem se encontra perfeitamente curado na vossa presença. Jesus é a pedra que vós, os construtores, desprezastes e que veio a tornar-se pedra angular. E em nenhum outro há salvação, pois não existe debaixo do céu outro nome, dado aos homens, pelo qual possamos ser salvos».

Eis a promessa, melhor, a garantia de Jesus: «Quem crê em Mim também fará as obras que Eu faço; e fará obras maiores do que estas, porque Eu vou para o Pai, e o que pedirdes em Meu nome Eu o farei, de modo que, no Filho, se manifesta a glória do Pai. Se pedirdes alguma coisa em Meu nome, Eu o farei» (Jo 14, 12-14).

Hoje temos esta missão de curar, de dar razões da nossa esperança, de ser instrumentos da salvação de Deus para o mundo. Por conseguinte, agradeçamos ao Senhor por nos dar milhentas oportunidades para dizermos e fazermos o bem. “Dai graças ao Senhor, porque Ele é bom, porque é eterna a sua misericórdia. A pedra que os construtores rejeitaram tornou-se pedra angular. Tudo isto veio do Senhor: é admirável aos nossos olhos. Bendito o que vem em nome do Senhor, da casa do Senhor nós vos bendizemos. Vós sois o meu Deus: eu vos darei graças”.

7 – Somos peregrinos, sujeitos às adversidades do tempo e do clima, e das fragilidades, nossas e dos outros, mas certos e confiantes que Deus caminha connosco e faz-Se sentir próximo na nossa busca, na abundância e na carestia. Um Pai, que é mais Mãe (João Paulo I), não cessa de nos amar e de velar por nós.

Relembra-nos o Apóstolo São João: “Vede que admirável amor o Pai nos consagrou em nos chamarmos filhos de Deus. E somo-lo de facto. Se o mundo não nos conhece, é porque não O conheceu a Ele. Caríssimos, agora somos filhos de Deus e ainda não se manifestou o que havemos de ser. Mas sabemos que, na altura em que se manifestar, seremos semelhantes a Deus, porque O veremos como Ele é”.

Estamos a caminho, como peregrinos, mas sob a proteção de Deus, que nos desafia a sermos um só rebanho, a Sua família. Para tal, como o Bom Pastor, amemo-nos uns aos outros, sirvamos o nosso semelhante, arrisquemo-nos, ao jeito de Jesus, gastando a vida.

Pe. Manuel Gonçalves


Leituras para a Eucaristia: Atos 4, 8-12; Sl 117 (118); 1 Jo 3, 1-2; Jo 10, 11-18.