Domingo I do Advento – ano B – 29 de novembro de 2020
1 – “Despertai, Senhor, nos vossos fiéis a vontade firme de se prepararem, pela prática das boas obras, para ir ao encontro de Cristo, de modo que, chamados um dia à sua direita, mereçam alcançar o reino dos Céus”.
A oração, com que iniciamos a Eucaristia e o Advento, predispõe-nos a acolher a vontade de Deus, a integrar o Seu projeto de amor, a procurar viver de tal modo que o tempo e a história sejam bênção e salvação, fazendo com que, pelas palavras e pela práticas das boas obras, tornemos visível o Reino de Deus que é Jesus Cristo.
É a nossa condição de batizados, de novas criaturas: configurar a nossa vida à vontade de Deus, transparecendo a bondade de Jesus Cristo. A vocação inicial do cristão é seguir Jesus, imitando-O, vivendo como Ele, gastando a vida a favor dos outros, amando e servindo.
2 – O final e o início tocam-se, como tínhamos refletido em Domingos anteriores. A palavra de Deus a fala-nos da vigilância, da proximidade da vinda do Senhor, com glória e poder, da certeza de um termo para a nossa vida histórica, dando lugar ao julgamento de Deus. Víamos, então, que Deus age como Pai, o Bom Pastor, que, em Cristo, vem para salvar e redimir, sendo que o julgamento é feito pelas nossas escolhas, estando sempre a tempo, enquanto estivermos no tempo, de arrepiarmos caminho, fazendo com que a nossa vida corresponda, cada vez mais, àquilo em que nos tornámos pelo batismo, filhos amados de Deus.
Neste primeiro Domingo de Advento, Jesus desafia-nos, como sempre, à vigilância. O DIA vai chegar. Chegará quando menos contarmos. Melhor, não sabemos o dia nem a hora! Mas sabemos que a HORA e o DIA estão aí, são a nossa vida, a nossa história, o tempo para as nossas escolhas. Deus escolheu. E escolhe-nos. Ama-nos. Cria-nos por amor. Chama-nos à vida e desafia-nos ao amor. Faz-Se caminho para nós, em Jesus Cristo, torna-se Deus connosco, um de nós, da mesma carne e do mesmo sangue. Mostra-nos o Seu amor por nós, apequenando-Se, para nos engrandecer, para nos elevar, para nos introduzir, em definitivo, na Sua vida. O mistério da Encarnação, com expressão temporal e histórica no nascimento de Jesus, traduz como Deus Se faz caminho para nós, assumindo-nos por inteiro ao assumir a nossa condição humana.
3 – Eis o clamor de Jesus aos discípulos, daquele e deste tempo: «Acautelai-vos e vigiai, porque não sabeis quando chegará o momento. Será como um homem que partiu de viagem: ao deixar a sua casa, deu plenos poderes aos seus servos, atribuindo a cada um a sua tarefa, e mandou ao porteiro que vigiasse. Vigiai, portanto, visto que não sabeis quando virá o dono da casa: se à tarde, se à meia-noite, se ao cantar do galo, se de manhãzinha; não se dê o caso que, vindo inesperadamente, vos encontre a dormir. O que vos digo a vós, digo-o a todos: Vigiai!».
Temos ainda presente a parábola das 10 virgens, que esperam o noivo chegar do casamento para entrarem no banquete; a parábola dos talentos confiados pelo senhor aos seus servos, e a parábola do juízo final. Em todas as parábolas se percebe a interpelação de Jesus: trabalhar em todo o tempo no Seu reino de amor e de paz, de justiça e de verdade. O azeite nas almotolias, das cinco virgens prudentes, diz-nos como temos que ter o azeite de reserva, isto é, as obras de caridade com que tratamos os nossos semelhantes e a certeza que somos responsabilizados pelo que fazemos ou deixamos de fazer. O juízo não está no final, mas no entretanto, na espera vigilante.
Na parábola dos talentos, do mesmo modo, Deus confia em nós, confia-nos o mundo e as pessoas, cabe-nos fazer render os talentos. Quando, o Senhor vier, quando formos chamados à Sua presença, há de prevalecer a Sua misericórdia e da nossa parte a certeza que procurámos fazer com que os talentos não ficassem enterrados na terra, perdendo-se. O que damos, multiplica-se; o que guardamos para nós, perde-se. Se alguém nos entrega a administração de uma casa ou de uma quinta, não é para deixar tudo igual, mas para rentabilizar. Somos nós que fazemos o nosso julgamento.
Por fim, há oito dias, a parábola do juízo final, que nos apresenta Deus como o Pastor que separa as ovelhas dos cabritos. Ainda mais explicitamente Jesus sublinha que o que fizermos ou deixarmos e fazer ao mais pequeno dos irmãos é a Ele que o fazemos ou que deixamos de o fazer. Vê-se claramente que o Senhor só constata o que fizermos, dando-nos os talentos, confiando-nos o mundo e as pessoas, mostrando-nos o caminho, mas respeitando as nossas opções.
4 – Na parábola de hoje, agora no evangelho de São Marcos, Jesus é clarividente. O homem da parábola, Deus, dá plenos poderes aos seus servos. O seu regresso não é anunciado, pode acontecer a qualquer momento. Esta “incerteza” é, antes de mais, confiança em nós, pois sabe que a rapidez ou a demora não vão interferir com a nossa diligência. Ele confia. Cada um tem a sua tarefa, a sua responsabilidade. E ainda nos dá um porteiro que que guarda a casa, o mundo. O porteiro é Jesus Cristo, que Se faz presente, pelo Espírito Santo. Mas não basta essa vigilância que mantém Deus por perto, é essencial que cada um de nós vigie, isto é, que cada um faça a sua parte, dê o melhor.
Será o nosso compromisso e a nossa vigilância para acolhermos o Senhor que vem, o Deus connosco, cujo nascimento (na história) é motivo de alegria, de esperança, de gratidão e que ilumina já as nossas palavras e as nossas boas obras.
5 – “Pastor de Israel, escutai, Vós que estais sentado sobre os Querubins, aparecei. Despertai o vosso poder e vinde em nosso auxílio. Deus dos Exércitos, vinde de novo, olhai dos céus e vede, visitai esta vinha. Protegei a cepa que a vossa mão direita plantou, o rebento que fortalecestes para Vós”.
A prece do salmista, e que fazemos nossa, transparece a confiança no poder de Deus. O autor sagrado conhece o olhar de Deus e o Seu favor e, por conseguinte, quer sentir-se protegido no tempo da adversidade e nas hesitações da fé. É também desta forma que o Isaías evoca o poder redentor de Deus, que é Pai. Quando precisamos de alguma coisa pedimos àqueles em quem confiamos, aos nossos amigos, a familiares próximos. Teremos muita dificuldade em recorrer a uma pessoa em quem não depositamos confiança.
O Profeta diz em voz alta o que pensamos nos momentos de desânimo, julgando que Deus afastou de nós o Seu olhar amoroso por causa das nossas infidelidades. Prevalece a certeza que Deus não está distante e pode agir em favor da humanidade. A oração não força o coração de Deus. A oração faz-nos acolher o amor de Deus e a perceber a Sua vontade, nos momentos concretos da história.
“Vós, Senhor, sois nosso Pai e nosso Redentor… Porque nos deixais, Senhor, desviar dos vossos caminhos e endurecer o nosso coração, para que não Vos tema? Voltai, por amor dos vossos servos e das tribos da vossa herança. Oh se rasgásseis os céus e descêsseis! Ante a vossa face estremeceriam os montes! Mas vós descestes e perante a vossa face estremeceram os montes. Nunca os ouvidos escutaram, nem os olhos viram que um Deus, além de Vós, fizesse tanto em favor dos que n’Ele esperam. Vós saís ao encontro dos que praticam a justiça e recordam os vossos caminhos”.
Isaías inclui-nos a todos, como pecadores a precisarem de redenção. “Todos nós caímos como folhas secas, as nossas faltas nos levavam como o vento… Vós, porém, Senhor, sois nosso Pai e nós o barro de que sois o Oleiro; somos todos obra das vossas mãos”.
Sãos os doentes que precisam de médico. Só os pecadores, e que se reconhecem como tal, se abrem à misericórdia de Deus, deixando-se salvar por Ele.
6 – A vinda de Deus à nossa vida é bênção e salvação. Estamos a meio do tempo! Ou dentro do tempo. Há dois mil anos, Deus quis nascer como um de nós. Jesus Cristo fez com que o Céu se tornasse tão próximo da terra ao ponto de permitir que todos encontrassem o Céu. Em cada novo ano litúrgico, Deus dá-nos a graça de celebrarmos o nascimento de Jesus, dá-nos este tempo favorável, de Advento, para rezarmos, para O escutarmos, para O imitarmos e assim não passarmos ao lado da Sua vinda e da Sua vida.
Depois da saudação – “A graça e a paz vos sejam dadas da parte de Deus, nosso Pai, e do Senhor Jesus Cristo” – o Apóstolo prossegue a sua missiva em jeito de oração agradecida: “Dou graças a Deus, em todo o tempo, a vosso respeito, pela graça divina que vos foi dada em Cristo Jesus. Porque fostes enriquecidos em tudo: em toda a palavra e em todo o conhecimento; e deste modo, tornou-se firme em vós o testemunho de Cristo”.
Palavra, conhecimento e boas obras. É a graça de Deus a operar em nós, que nos conduz da palavra à vida, do conhecimento à prática da caridade. É esse o testemunho que damos de Jesus, agindo do mesmo modo, cuidando, amando e servindo os irmãos. É o único jeito de estarmos despertos e vigilantes para quando o Senhor chegar. Até lá, Ele confiou-nos uns aos outros, somos responsáveis por todos, não deixemos ninguém esquecido, pois o Senhor nos pedirá por contas.
“De facto, já não vos falta nenhum dom da graça, a vós que esperais a manifestação de Nosso Senhor Jesus Cristo. Ele vos tornará firmes até ao fim, para que sejais irrepreensíveis no dia de Nosso Senhor Jesus Cristo. Fiel é Deus, por quem fostes chamados à comunhão com seu Filho, Jesus Cristo, Nosso Senhor”.
Deus é fiel! E nós? Deus dá-nos o maior dos dons, o Seu filho Jesus. E nós, como O acolhemos, como O testemunhamos?
Pe. Manuel Gonçalves
Textos para a Eucaristia (ano B): Is 63, 16b-17. 19b; 64, 2b-7: Sl 79 (80); 1 Cor 1, 3-9; Mc 13, 33-37