Domingo II do Tempo Comum – ano A – 19 de janeiro de 2020

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Domingo II do Tempo Comum – ano A – 19 de janeiro de 2020

1 – Quanto maior a árvore, maior as suas raízes. Um pequeno arbusto não precisa nem de muita terra, nem de muita fundura, desabrocha facilmente, ainda que com a mesma facilidade murche e morra.

A nossa vida como cristãos, para voar, precisa de estar bem assente na terra, isto é, na sua identidade batismal. Contradição? Nem por isso. Os pássaros, antes de voarem, precisam de poiso, de onde partirem, apoiando as patas no chão ou em algum arbusto, o impulso firma-se em algum sítio, e precisam de voltar, senão ao mesmo sítio, pelo menos, onde se possam fixar com firmeza e descansar, e precisam também de se alimentar. Alguém conhece algum pássaro que passe a vida a voar?

Como cristãos, a nossa terra firme é Jesus Cristo, o nosso ponto de partida, a nossa identidade e o nosso alimento, a nossa referência. Para voarmos precisamos deste impulso, precisamos de estar enraizados em Jesus Cristo, alimentando-nos da Sua presença e da Sua palavra. No dia em que esquecermos as nossas raízes, perder-nos-emos, deixaremos de ser quem somos, de saber para onde nos dirigimos, pois a meta só é possível se e quando sabemos de onde partimos. Os dois extremos unem-se: partimos de Jesus para chegarmos a Jesus. Pelo meio, a vida como dom e como tarefa, como compromisso partilhável.

A inserção a Cristo, e ao Corpo de Cristo que é a Igreja, começa com o Batismo. Mergulhamos na morte de Jesus e com Ele ressuscitamos novas criaturas, pela água e (sobretudo) pelo Espírito Santo. É uma inserção inicial que necessita de se alimentar. O batizado terá que tornar-se cristão. A condição batismal não é estática, mas dinâmica, precisamos de validar constantemente a nossa pertença a Cristo e a configuração ao Seu Evangelho de amor.

2 – É Ele que nos liberta de todo o mal! Apoiamo-nos n’Ele, mas não nos afundamos. É um chão seguro, firme, iluminado! Mesmo quando parece que vamos ao fundo, se nos apoiamos n’Ele o impulso devolve-nos à tona, permite-nos “voar”, viver, caminhar.

No rio Jordão, Jesus faz-Se batizar por João, Seu primo, conhecido como “o Batista”!

No passado Domingo, pudemos testemunhar o Batismo e como Jesus insiste com João para tornar explícita a dinâmica da Encarnação: Deus ajusta-Se à humanidade, para caber no tempo e na história, em mim e em ti, faz-Se pequenino, para que cresçamos com Ele até à vida eterna, que se inicia connosco, aqui e agora, no quotidiano.

Hoje, a incidência do testemunho de João acerca de Jesus, que nos revela a Sua identidade (divina): «Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo». E o testemunho prossegue, com clareza: «É d’Ele que eu dizia: ‘Depois de mim vem um homem, que passou à minha frente, porque era antes de mim’. Eu não O conhecia, mas foi para Ele Se manifestar a Israel que eu vim batizar na água».

E para que não fiquem dúvidas, João prossegue: «Eu vi o Espírito Santo descer do Céu como uma pomba e permanecer sobre Ele. Eu não O conhecia, mas quem me enviou a batizar na água é que me disse: ‘Aquele sobre quem vires o Espírito Santo descer e permanecer é que batiza no Espírito Santo’. Ora, eu vi e dou testemunho de que Ele é o Filho de Deus».

3 – Saber quem é Jesus, faz-nos devedores do Seu amor por nós! Ele, que era de condição divina não Se valeu da Sua igualdade com Deus, esvaziou-se a Si mesmo e tomou a condição de servo, fez-Se um de nós para nos assumir, para nos salvar, para nos conduzir ao Seu reino de amor, sem imposições, sem chantagens, apenas, somente por amor.

Ele é verdadeiramente o servo de Israel de que nos fala Isaías: «Tu és o meu servo, Israel, por quem manifestarei a minha glória». A mensagem é maior que o Profeta. A profecia não é um exercício de adivinhação, como se o futuro pudesse ser um destino traçado sem margem para a liberdade e para a vontade de cada um, nesse caso a responsabilidade do bem e do mal seria de Deus, por ter alinhavado, projetado e decidido a vida de cada ser humano. A profecia é um caminho de discernimento e de sabedoria, de inspiração. Deus comunica, dá sinais, concede a bênção, ilumina o caminho, coloca diante de nós possibilidades e escolhas, mas revelando-nos que nunca nos deixará sós, que virá sempre em nosso auxílio, que não Se afastará de nós e tudo fará, respeitando-nos e respeitando a nossa liberdade, tudo fará para nos guiar para uma meta feliz. Não Se impõe, mas deixa-Se descobrir, perceber e encontrar.

O Profeta apresenta-se como servo, tal como Israel no seu conjunto. “E agora o Senhor falou-me, Ele que me formou desde o seio materno, para fazer de mim o seu servo, a fim de Lhe reconduzir Jacob e reunir Israel junto d’Ele. Eu tenho merecimento aos olhos do Senhor e Deus é a minha força”.

A profecia não é uma ordem que se realiza milimetricamente como uma obra a partir de um projeto de arquitetura, vai-se desvelando, clarificando, realizando. «Não basta que sejas meu servo, para restaurares as tribos de Jacob e reconduzires os sobreviventes de Israel. Vou fazer de ti a luz das nações, para que a minha salvação chegue até aos confins da terra».

O Eleito do Senhor é a Luz das nações, primeiro o próprio Israel e, chegada a plenitude dos tempos, Jesus, Deus connosco. É Ele que tira o pecado do mundo.

4 – A nossa condição batismal leva-nos a querer imitar Jesus, a segui-l’O, procurando que a nossa vida esteja em conformidade com Ele e com o Seu Evangelho.

Paulo responde ao chamamento de Deus, seguindo Jesus, vivendo e anunciando o Evangelho. É um propósito, um compromisso permanente. A missão de Cristo é agora a sua missão: interpelar a todos para que alguns respondam favoravelmente.

Diz-nos o Apóstolo, em forma de saudação: “Paulo, por vontade de Deus escolhido para Apóstolo de Cristo Jesus e o irmão Sóstenes, à Igreja de Deus que está em Corinto, aos que foram santificados em Cristo Jesus, chamados à santidade, com todos os que invocam, em qualquer lugar, o nome de Nosso Senhor Jesus Cristo, Senhor deles e nosso: A graça e a paz de Deus nosso Pai e do Senhor Jesus Cristo estejam convosco”. Incluímo-nos na saudação, também nós chamados à santidade que vem de Jesus Cristo, e na missão, como discípulos missionários, acolhendo o Evangelho, vivendo e fazendo com que transborde em alegria e contagie, pelo bendizer e pelo bem-fazer, todos aqueles que encontrarmos.

5 – O salmo, por sua vez, faz-nos responder ao chamamento de Deus, em forma de louvor e de oração, de súplica e agradecimento. “Esperei no Senhor com toda a confiança e Ele atendeu-me. Pôs em meus lábios um cântico novo, um hino de louvor ao nosso Deus”.

Certos de que Deus nos atende, esperando de nós, não um pagamento, um sacrifício, um conjunto de ritos, mas, antes de mais, a disponibilidade para acolher a Sua vontade. “Não Vos agradaram sacrifícios nem oblações, mas abristes-me os ouvidos; não pedistes holocaustos nem expiações, então clamei: «Aqui estou»”.

Deus opera em nós, como facilmente se compreende, no respeito pela nossa vontade. «De mim está escrito no livro da Lei que faça a vossa vontade. Assim o quero, ó meu Deus, a vossa lei está no meu coração». O acolhimento da vontade de Deus, compromete-nos com o louvor, mas também com o anúncio. “Proclamei a justiça na grande assembleia, não fechei os meus lábios, Senhor, bem o sabeis. Não escondi a vossa justiça no fundo do coração, proclamei a vossa fidelidade e salvação”.

Os profetas, São João Batista, São Paulo, eu e tu, não nos anunciamos, anunciamos Deus e o Seu amor por nós, narramos às gerações presentes e futuras a abundância do amor de Deus que, em Jesus Cristo, Se assume como Deus connosco, dando-Se para que tenhamos vida abundante. Um amor tão grande transborda da eternidade para o tempo, do Céu para a história, de nós para os outros. É pelo amor que vamos, é Deus-Amor que nos salva. É a nossa vocação, a nossa identidade batismal, a nossa missão, ao jeito de Jesus: amar e servir, e dar/gastar a vida a favor dos irmãos, em todas as circunstâncias.

Pe. Manuel Gonçalves

Textos para a Eucaristia (ano A): Is 49, 3. 5-6; Sl 39 (40); 1 Cor 1, 1-3; Jo 1, 29-34.