
Domingo IV da Quaresma – ano C – 2025
1 – A Quaresma impele-nos para a Páscoa, mistério de vida nova, enraizada na entrega e no amor de Deus por nós, que se revela plenamente em Jesus Cristo. A primavera acompanha a Quaresma e tal como na primavera desponta a folhagem e as flores dão um ar da sua graça, assim a Quaresma, embora discreta, apelando à moderação e à conversão, deixa entrever a alegria da Páscoa e os frutos da ressurreição de Jesus. Por conseguinte, no 4.º Domingo deste tempo, é precisamente a alegria (Laetare) que nos cabe acolher, anunciar e partilhar, na certeza que o mistério de Deus se entranha na nossa vida e se entranha na história.
A luz da ressurreição chega até nós, inunda-nos com raios de ternura e misericórdia, desperta-nos da sonolência do meio da tarde, para dias soalheiros em que assumimos a missão de espalhar a Boa Nova a todas as nações e de vivermos de acordo com a luz do dia, a Luz que vem do alto, que vem da eternidade, que nos chega através de Jesus.
Assim no tempo litúrgico, quarenta dias para prepararmos a Páscoa, para percebermos o dom, para acolhermos gratos a vida que nos é dada por Jesus, para celebrarmos a Sua entrega confiante, a redenção da humanidade, a comunhão com o Pai pelo Espírito Santo. Assim pela vida fora, uma quaresma permanente, em que a conversão é uma constante: procuramos adequar a nossa vontade à vontade de Deus, lapidando as arestas que nos magoam e nos afastam uns dos outros, que nos levam do egoísmo ao desperdício, da inveja à vingança, do ódio à destruição. Simultaneamente, a esperança da Páscoa, a alegria da presença de Deus no mundo: pela ação do Espírito Santo, Jesus continua vivo e operante na nossa vida, na Igreja e no mundo.
2 – Queremos conhecer Deus? Eu Sou o Caminho, a Verdade e a Vida. Diz-nos Jesus. Quem Me vê, vê o Pai. Ninguém vai ao Pai senão por Mim. Fixemo-nos em Jesus, deixemos que a Sua Palavra nos inunde de amor, de esperança e de alegria. Em seguida, há que fazer com que as palavras se façam vida. Somos discípulos missionários. Vamos no Seu encalço, procuremos ver onde Ele põe pés, as mãos, o Seu coração e a Sua vida, para fazermos do mesmo modo.
Jesus mostra-nos a misericórdia do Pai, através da “Parábola do Filho Pródigo”, centrada no Pai Misericordioso.
Antes, a acusação dos fariseus e dos escribas: Jesus acolhe publicanos e pecadores e come com eles. O ato de comer, no mundo judaico, implica estar ou entrar em comunhão de vida com o outro. Senta-se à minha mesa quem se dá comigo, familiares e amigos. Ele come com a escumalha da sociedade, com os pobres, os excluídos, os pecadores, os publicanos. É neste contexto que Jesus lhes/nos faz ver que o Amor de Deus é infinito, nós é que lhe colocamos limitações pelo nosso pecado, pelo nosso egoísmo, pela nossa fragilidade.
Um homem (Deus) tinha dois filhos (nós). O mais novo pediu a parte da herança e abandonou a casa paterna. Aventurou-se numa vida longínqua. Foi gastando tudo numa vida libertina. Quando lhe acabaram os bens, procurou um trabalho, aceitando o mais indigno, como guardador de porcos (para os judeus os porcos eram demoníacos). Pouco a pouco toma consciência da miséria em que vive e decide voltar para o Pai. Sabe que tem de se justificar e arranjar argumentos para convencer o Pai do seu arrependimento. Nem se importa ser tratado como um dos trabalhadores do seu Pai.
3 – O Pai não precisa de ser convencido. Ele ama com todas as veias do seu corpo. Daria a vida para que os filhos tivessem vida abundante (cf. Jo 10, 10). Com olhos encovados e a vista desgastada, o Pai avista o filho ao longe e corre para o abraçar e o cobrir de beijos.
Bem vistas as coisas, o Pai vê, aproxima-se, abraça, beija, porque ama. Levanta o filho. Ainda este se justifica – “Pai, pequei contra o Céu e contra ti. Já não mereço ser chamado teu filho” – e já o pai está em festa: “Trazei depressa a melhor túnica e vesti-lha. Ponde-lhe um anel no dedo e sandálias nos pés. Trazei o vitelo gordo e matai-o. Comamos e festejemos, porque este meu filho estava morto e voltou à vida, estava perdido e foi reencontrado”.
O Pai não precisa do filho de joelhos, curvado, derrotado. O filho está de volta. Talvez não pelos motivos mais puros, mas é um início, reconhece que errou, espera se tratado não como filho mas como um assalariado. O Pai surpreende-o, pois volta a tratá-lo como filho, faz festa, coloca-lhe o anel no dedo, sandálias nos pés, a melhor túnica. A misericórdia do Pai cancela a miséria do filho, renovando-o, devolvendo-o à vida. Estava morto. Agora está vivo. Ressuscitou.
4 – Mas, eis o filho mais velho! Sempre se manteve dentro, dentro de casa, dentro da linha, perto do Pai. Compreendemos o seu desabafo. Quantas vezes nos sentimos assim: fazemos tudo direitinho, não saímos dos trilhos, cumprimos com o que nos é pedido. Depois vêm outros, mais novos, irreverentes, fazem o que lhes dá da real gana e, ao que parece, ainda são mais estimados!
O irmão mais velho deu o mais novo como perdido e não o quer de volta, pois lhe parece que o amor do Pai se vai dividir, novamente, quando pensava que agora tinha toda a atenção. O irmão levou a herança, desgostou o pai, fê-lo sofrer, pois ao pedir a herança em vida do pai está a desejar-se-lhe a morte (a herança só se recebe depois da morte, como dádiva). O filho mais velho viu o sofrimento do Pai. Certamente. Mas, entretanto, tornara-se filho único. Quando o irmão regressa, não o quer ver, fica ressentido com a festa, não quer ver o pai e não reconhece o irmão – “esse teu filho”. O pai recorda-lhe os motivos da festa e a pertença, a ligação, a família: “este teu irmão estava morto e voltou à vida”. O Pai não diz o “meu filho”, mas “o teu irmão”. Diz-lhe a ele, o mais velho e diz-nos a nós: o teu irmão. A Caim, Deus pergunta: onde está o teu irmão? Que lhe fizeste?
Reconhecer Deus como Pai faz-nos reconhecer-nos como irmãos. Não podemos chamar a Deus Pai, rezar-lhe, se depois não reconhecemos os outros como parte da nossa família nem os tratamos como tal.
O Pai escuta os argumentos do filho mais velho. Mas os pais sabem que um filho nunca substitui o outro e o amor não é divisível. O Pai (a Mãe) ama com o coração inteiro, um e outro filho ou uma dúzia de filhos. Cada um é único. Ama cada um com todo o amor. Não por metade ou às prestações, mas total, integralmente como se não houvesse amanhã. “Filho, tu estás sempre comigo e tudo o que é meu é teu. Mas tínhamos de fazer uma festa e alegrar-nos, porque este teu irmão estava morto e voltou à vida, estava perdido e foi reencontrado”.
Teremos de ser nós a tirar conclusões. Somos o filho mais novo ou o mais velho? Estamos dentro, mas com vontade de estar fora? Ou estamos fora, prontos para regressar? O Pai já fez a Sua escolha: amor único e total por cada um de nós.
5 – Dizemos, e com razão, que só Deus perdoa os pecados, mesmo quando por intermédio da Igreja, pelos seus presbíteros. Um Pai tem dois filhos a quem dá a possibilidade de escolherem. Respeita a opção de quem fica e respeita a opção de quem parte. Mais que o Seu sossego, o Pai quer a felicidade dos filhos e procura perscrutar os seus desejos. O filho pródigo volta e o Pai corre, abraço-o e cobre-o de beijos, para o fazer sentir em casa. O filho mais velho fica fora e, novamente, o Pai sai ao seu encontro. O pai da parábola, o Deus de Jesus Cristo, toma a iniciativa, vem ao nosso encontro, mais, faz-Se um de nós, abraça a nossa humanidade, torna-Se um de nós.
O Povo de Deus experimenta a misericórdia de Deus. «Hoje tirei de vós o opróbrio do Egipto», diz o Senhor a Josué. A partir de então, o Povo celebra a Páscoa da libertação. Hoje, somos nós a pedir-Lhe que venha em nosso auxílio: «Deus de misericórdia, que, pelo vosso Filho, realizais admiravelmente a reconciliação do género humano, concedei ao povo cristão fé viva e espírito generoso, a fim de caminhar alegremente para as próximas solenidades pascais».
6 – Deus quer-nos, como Pai. Somos, em Cristo, Seus filhos bem-amados. Ama-nos a todos, ama-nos a cada um, como filhos únicos. Há um senão! O Amor de Deus transborda, mas não age sem a nossa resposta. Porque nos ama, leva-nos a sério, respeita a nossa liberdade. Podemos dizer-Lhe não, podemos voltar-Lhe as costas e vivermos sem Ele. Mas Ele continuará a esperar por nós.
Em Cristo, diz-nos o Apóstolo, fomos reconciliados. As coisas antigas passaram. “É Deus que em Cristo reconcilia o mundo consigo, não levando em conta as faltas dos homens e confiando-nos a palavra da reconciliação… A Cristo, que não conhecera o pecado, Deus identificou-O com o pecado por causa de nós, para que em Cristo nos tornemos justiça de Deus”.
Filhos pródigos que vagueiam com vontade de voltar? Filhos mais velhos, certinhos e cansados, que estando dentro, se colocam fora a observar a festa? Temos as portas escancaradas e os braços do Pai bem abertos para nos acolher! Cabe-nos responder.
Pe. Manuel Gonçalves
Textos para a Eucaristia (C): Jos 5, 9a. 10-12; Sl 33 (34); 2 Cor 5, 17-21; Lc 15, 1-3. 11-32.