Domingo IV do Advento – ano B – 20 de dezembro de 2020

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Domingo IV do Advento – ano B – 20 de dezembro de 2020

1 – “Infundi, Senhor, a vossa graça em nossas almas, para que nós, que pela anunciação do Anjo conhecemos a encarnação de Cristo, vosso Filho, pela sua paixão e morte na cruz alcancemos a glória da ressurreição”.

A oração do Angelus, servida nesta Eucaristia e noutras dedicadas a Nossa Senhora, sublinha o mistério completo, a Encarnação vista sob o prisma da paixão redentora, da ressurreição. O mistério pascal engloba a vida toda, a de Deus que Se faz um de nós, e engloba-nos, pois Ele assume-nos e identifica-Se connosco, para nos salvar, para que façamos parte da Sua vida divina, da Sua realeza de ternura e de bênção.

2 – Estamos às portas do Natal. Nossa Senhora é a figura central deste quarto Domingo de Advento. A iniciativa é de Deus, que A preparou desde sempre para ser a Mãe do Redentor. Mas não A força, não A manipula, não A subjuga. Deus chama-A. Faz-lhe uma proposta, um convite. Espera que responda sim, como sempre espera que Lhe respondamos positivamente, mas cabe a cada um acolher ou ignorar, aceitar ou recusar a vocação.

Deus envia o Seu Anjo, Gabriel, a Nazaré, cidade da Galileia, a uma Virgem, chamada Maria e desposada com José: «Ave, cheia de graça, o Senhor está contigo». A saudação do Anjo, como expectável, deixa Maria perplexa. Que significarão tais palavras? Como é que me aparece o Anjo do Senhor? O que estará para acontecer? Porquê a Mim?

O Anjo prossegue, dizendo ao que vem: «Não temas, Maria, porque encontraste graça diante de Deus. Conceberás e darás à luz um Filho, a quem porás o nome de Jesus. Ele será grande e chamar-Se-á Filho do Altíssimo. O Senhor Deus Lhe dará o trono de seu pai David; reinará eternamente sobre a casa de Jacob e o seu reinado não terá fim».

Depois da saudação a Maria, e da Sua admiração, o Anjo sossega-A, dizendo as razões da sua aparição e a missão a que Deus A chama. Como se pode ver de seguida, não se trata de uma imposição, mas de um chamamento.

Antes de assentir nos planos de Deus, Maria interroga-se, interrogando o Anjo: «Como será isto, se eu não conheço homem?». É uma pergunta pertinente e justa. Se Deus age em nós, assumindo as leis da natureza, como será possível a concepção de um filho sem a ação física de um homem?

A resposta do Anjo explica e coloca-nos noutra dimensão, a dimensão da fé e do sobrenatural: «O Espírito Santo virá sobre ti e a força do Altíssimo te cobrirá com a sua sombra. Por isso o Santo que vai nascer será chamado Filho de Deus. E a tua parenta Isabel concebeu também um filho na sua velhice e este é o sexto mês daquela a quem chamavam estéril; porque a Deus nada é impossível».

Maria percebe a grandeza do mistério e, sendo mulher de oração, conclui que se trata de uma revelação vinda da parte de Deus, no seguimento das promessas feitas ao Povo Eleito, através dos profetas. Maria acolhe a vocação que vem do alto e não deixa Deus à espera por mais tempo: «Eis a escrava do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra».

3 – «A Deus nada é impossível». A certeza do Anjo esbarra com a vontade humana. Deus criou-nos livres, à Sua imagem e semelhança, capazes de amar e ser amados, de decidir. É a nós que Deus confia o mundo e, sobretudo, nos confia uns aos outros. Somos irmãos, Caim e Abel e Sete, eu e tu. Somos responsáveis pelo sangue dos nossos irmãos.

A Omnipotência de Deus gera pessoas livres, capazes de Lhe responderem e de O recusarem. Adão e Eva são figuras de homens e mulheres que se entrepuseram entre Deus e os outros, dispensando o Criador e subjugando os irmãos. O egoísmo gera barreiras, ruturas, divisões e conflitos. Deus não cessa de enviar mensageiros de paz e de esperança.

Chegada a plenitude do tempo, vem Ele próprio, em carne e osso, não sobre as nuvens, mas a partir de nós, a partir do chão, da terra, da humanidade. Maria é preparada, desde sempre, para responder ao chamamento divino, tornando-Se a morada de Deus entre nós, deixando que Deus tenha um ventre, uma casa.

«Eis a escrava do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra». É a resposta de Maria. E qual é a nossa resposta?

4 – A segunda leitura permite-nos refletir sobre as promessas de Deus ao Seu povo e ver como se cumpre com a vinda de Jesus, Deus connosco. Mostram também que Deus não pode ser encerrado nas paredes dos nossos raciocínios nem nas muralhas dos nossos templos, pois a Deus nada é impossível, Ele manifestava-Se onde e quando quer e habita sobretudo nos pobres, naqueles que se despojam da soberba e da arrogância, que estão libertos da prepotência e da sobranceria, que procuram transformar os dons em serviço e cuidado ao próximo. Maria torna visível, para nós, a morada escolhida por Deus para habitar e permanecer no mundo

O rei David, com o país organizado e em paz com os países vizinhos, pensa em construir um Templo adornado e cheio de esplendor para albergar a Arca da Aliança, presença de Deus no meio do povo. Contudo a vontade de Deus vai noutro sentido: «Pensas edificar um palácio para Eu habitar? Tirei-te das pastagens onde guardavas os rebanhos, para seres o chefe do meu povo de Israel. Estive contigo em toda a parte por onde andaste… Dar-te-ei um nome tão ilustre como o nome dos grandes da terra… Farei que vivas seguro de todos os teus inimigos».

Deus, através do Profeta Natã, comunica a David como esteve com ele em todos os momentos, na tormenta e na paz, e é essa a grandeza e a Omnipotência de Deus, que não precisa de ser exibida ou engrandecida, quando muito, David, eu e tu, nós é que precisamos de ver Deus representado, visualizável numa imagem ou num lugar, como precisamos de ter por perto e visualizar as imagens das pessoas que amamos.

Eis a promessa: «O Senhor anuncia que te vai fazer uma casa. Quando chegares ao termo dos teus dias e fores repousar com teus pais estabelecerei em teu lugar um descendente que há de nascer de ti e consolidarei a tua realeza. Serei para ele um pai e ele será para Mim um filho. A tua casa e o teu reino permanecerão diante de Mim eternamente e o teu trono será firme para sempre».

As construções físicas e adornadas, expressão de devoção e fé, são absolutamente secundárias em relação à verdadeira casa: o Filho de Deus, a descendência de David. Deus habita (prevalentemente) no simples, no pobre, em mim e em ti, habitações no tempo, mas a caminho da eternidade.

5 – São Paulo, na segunda leitura, mostra-nos o cumprimento da promessa: “Esta é a revelação do mistério que estava encoberto desde os tempos eternos mas agora foi manifestado e dado a conhecer a todos os povos pelas escrituras dos Profetas segundo a ordem do Deus eterno, para que eles sejam conduzidos à obediência da fé. A Deus, o único sábio, por Jesus Cristo, seja dada glória pelos séculos dos séculos”.

Com esta certeza que nos vem da fé, a mesma missão do Apóstolo: anunciarmos com alegria o Evangelho de Cristo Jesus, Deus encarnado, Deus que, no meio de nós, nos resgata da morte e nos introduz no Seu mistério de amor e salvação, para sempre

Ao rezarmos, com o salmista, a Palavra de Deus, fazemo-lo na escuta da promessa, na certeza do seu cumprimento no tempo, no testamento da benevolência divina. “Cantarei eternamente as misericórdias do Senhor e para sempre proclamarei a sua fidelidade. Vós dissestes: «A bondade está estabelecida para sempre», no céu permanece firme a vossa fidelidade. «Concluí uma aliança com o meu eleito, fiz um juramento a David meu servo: ‘Conservarei a tua descendência para sempre, estabelecerei o teu trono por todas as gerações’». «Ele Me invocará: ‘Vós sois meu Pai, meu Deus, meu Salvador’. Assegurar-lhe-ei para sempre o meu favor, a minha aliança com ele será irrevogável»”.

Em David, a promessa; em Jesus, torna-se visível a fidelidade de Deus, concretizando a promessa. Em ti e em mim, a bênção de Deus, a garantia de sermos filhos no Filho, irmãos em Jesus Cristo, convocados para o louvor, enviados a anunciar a Boa Nova, com as palavras e com a vida, com os lábios e com o coração, com os propósitos e com as obras de caridade, para que também hoje possamos responder como Maria: faça-se em mim segundo e a Tua palavra. Para que também através de nós haja Natal e Jesus nasça de novo, sempre, nos nossos corações e no mundo que habitamos e que nos habita.

Hoje, como Maria, sejamos a casa de Deus, permitindo que Deus nos visite e que os outros O encontrem em nós.

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia (B): 2 Sam 7, 1-5. 8b-12. 14a. 16; Sl 88 (89); Rom 16, 25-27; Lc 1, 26-38.