Domingo IV do Advento – ano C – 2024
1 – A Boa Nova – Encarnação de Deus, nascimento de Jesus, Deus feito Homem, Páscoa – é o maior motivo da nossa alegria, reforçam-na, moldam-na e fazem-na explodir no anúncio a todos. Chamamento e envio: somos discípulos missionários, chamados a deixar-nos contagiar pela proximidade a Jesus e enviados a difundi-l’O em toda a parte.
Há oito dias éramos inundados pelas palavras que nos interpelavam à alegria. A razão era a proximidade da celebração do nascimento de Jesus. Agora estamos mais perto, à porta do Natal. Então a ansiedade (como espera feliz na certeza do encontro e da festa) torna-se maior e deve ser mais intensa, mais vívida, mais profunda; alicerçada em Deus, não tem como soçobrar.
Alegra-te, Maria, porque achaste graça diante de Deus. A saudação do Anjo envolve Maria na Boa Nova que n’Ela Se fará carne. A resposta de Maria, partindo do silêncio, do recolhimento e da oração, faz-Se Palavra, faz-Se Jesus.
E que fazemos quando algo de muito bom nos acontece? A maioria conta-o à primeira pessoa que encontra, a uma pessoa de confiança, indo visitá-la ou telefonando-lhe e poucos são os que guardam para si. Maria recebe a maior das boas notícias. Então corre apressadamente para a montanha, como o mensageiro corre pelos montes a anunciar a paz!
2 – São Lucas informa-nos que logo depois da anunciação, e sabendo que Isabel também foi favorecida pelo Senhor, “Maria pôs-se a caminho e dirigiu-se apressadamente para a montanha, em direção a uma cidade de Judá”.
Numa primeira leitura, Maria apressa-se para ajudar a Sua prima Isabel, por esta estar grávida e ser de idade avançada. Mas, como rezam as crónicas populares, havia outras mulheres da família a viver perto de Isabel que poderiam prestar-lhe os cuidados necessários. E, como recorda o nosso Bispo, naquele ambiente todas as mulheres se entreajudavam, fossem da família, amigas ou vizinhas. A solidariedade feminina já existia! Uma mulher grávida era (e devia ser sempre) uma bênção, sinal que Deus estava com ela e com a família. Razão acrescida para que as mulheres à sua volta lhe prestassem a ajuda exigível em tais circunstâncias.
Então porque foi Maria tão longe para estar com Isabel? Para ajudar, certamente, mas porque ambas tinham um segredo imerso no mistério de Deus. Maria sabe que não pode fazer alarde da sua condição de Mãe de Deus, pelo escárnio a que se sujeita, pela inveja que pode suscitar e pela perigosidade em que se colocaria. Vai ter com Isabel e não precisará de revelar o Seu segredo. Se Maria sabe de Isabel, também Isabel saberá o que se passa com Maria!
Ao entrar em casa de Zacarias, Maria começa por saudar Isabel e, mais uma vez nos informa o evangelista, «quando Isabel ouviu a saudação de Maria, o menino exultou-lhe no seio. Isabel ficou cheia do Espírito Santo e exclamou em alta voz: ‘Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre. Donde me é dado que venha ter comigo a Mãe do meu Senhor? Na verdade, logo que chegou aos meus ouvidos a voz da tua saudação, o menino exultou de alegria no meu seio. Bem-aventurada aquela que acreditou no cumprimento de tudo quanto lhe foi dito da parte do Senhor’».
Maria é feliz porque acreditou, porque confiou em Deus e porque acolheu os Seus desígnios: faça-se em Mim o que é do Teu agrado, Senhor, meu Deus e meu Tudo.
3 – A segunda leitura, da Epístola aos Hebreus, sinaliza e sublinha o essencial diante de Deus: acolher e realizar a Sua santa vontade. Tudo será em vão se não for moldado pelo amor de Deus, pelo amor a Deus, manifestado e traduzido, em consequência, no amor ao próximo.
A vinda de Deus ao mundo, encarnando, tem o fito de nos reensinar a fazer a vontade de Deus, que nos salva, nos humaniza e nos irmana. «Eu venho, ó Deus, para fazer a tua vontade».
Pelo mistério da Encarnação, plenizada na Páscoa, Deus «aboliu o primeiro culto para estabelecer o segundo. É em virtude dessa vontade que nós fomos santificados pela oblação do corpo de Jesus Cristo, feita de uma vez para sempre».
A Mãe de Jesus, salva por antecipação no mistério pascal do Seu Filho, responde da mesma forma, fazer a vontade de Deus, sempre e em tudo. E, por isso, é feliz, por se deixar moldar pela presença de Deus, convertendo-se ao Seu amor, acolhendo a Sua Palavra, que n’Ela se faz carne, se faz Jesus.
Com a Virgem Imaculada, saibamos rezar a Deus, deixando que Ele conceba e gere em nós o mesmo amor, a mesma ternura. “Infundi, Senhor, a vossa graça em nossas almas, para que nós, que pela anunciação do Anjo conhecemos a encarnação de Cristo, vosso Filho, pela sua paixão e morte na cruz alcancemos a glória da ressurreição”.
4 – A glória de Deus, segundo Santo Ireneu, é o Homem vivo. A felicidade de Deus, diríamos, é a felicidade do Homem. Deus, como Pai quer-nos bem, quer que a nossa vida decorra na abundância da alegria e da harmonia, em tudo o que nos faz sentir bem connosco e com os outros, na construção de uma só família. Existe o preconceito que a religião exige sacrifícios e renúncias por capricho, como se só assim Deus ficasse satisfeito com a humanidade. Pela vida, vamos descobrindo que o amor e a dedicação também exigem trabalho, esforço e sacrifício e, verdadeiramente, o que nos faz mais felizes é o que exige mais de nós.
No pecado e no desencontro, no fratricídio e na guerra, Deus faz ouvir a Sua mensagem. Criou-nos por amor, na liberdade, para a harmonia. O Homem foi-se afastando de Deus, qual adolescente que julga que não precisa dos pais e se afasta, como se nesse afastamento estivesse a base da sua felicidade. Este conceito é bem traduzido pela parábola do filho pródigo, que deseja a morte do Pai, pedindo-lhe a sua parte na herança e indo para bem longe da casa paterna, até ao dia em que descobre que afinal o Pai o pode salvar, restituindo-o (novamente) à vida.
O profeta Miqueias, na primeira leitura, anuncia como o Senhor pretende restabelecer e solidificar os laços que podem salvar-nos como humanidade. O Senhor Deus não Se imporá pela força ou pela violência, mas pela humildade, pela pobreza e pelo amor. «De ti, Belém-Efratá, pequena entre as cidades de Judá, de ti sairá aquele que há de reinar sobre Israel… Deus os abandonará até à altura em que der à luz aquela que há de ser mãe. Então voltará para os filhos de Israel o resto dos seus irmãos. Ele se levantará para apascentar o seu rebanho pelo poder do Senhor, pelo nome glorioso do Senhor, seu Deus. Viver-se-á em segurança, porque ele será exaltado até aos confins da terra. Ele será a paz».
5 – O pedido do Salmo vem no mesmo seguimento: a paz como caminho e como consequência de Deus entre nós, a alegria de Deus vem em auxílio da nossa fragilidade: «Deus dos Exércitos, vinde de novo, olhai dos céus e vede, visitai esta vinha; protegei a cepa que a vossa mão direita plantou, o rebento que fortalecestes para Vós. Estendei a mão sobre o homem que escolhestes, sobre o filho do homem que para Vós criastes. Nunca mais nos apartaremos de Vós, fazei-nos viver e invocaremos o vosso nome».
Por mais que os filhos se revoltam, o amor dos Pais permanece, sacrificando-se, abaixando-se, ora esperando com paciência, ora agindo desenvolvendo esforços que levem os filhos a voltar. Assim Deus com a humanidade. Criou-nos por amor e ama-nos como Pai e ainda mais como Mãe (João Paulo I).
Pe. Manuel Gonçalves
Textos para a Eucaristia (C): Miq 5, 1-4a; Sl 79 (80); Hebr 10, 5-10; Lc 1, 39-45