Domingo IV da Quaresma – ano B – 14 de março de 2021

Domingo Laetare

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Domingo IV da Quaresma – ano B – 14 de março de 2021

1 – “Deus não enviou o Filho ao mundo para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por Ele”. Eis o mistério maior da nossa fé, a vida oferecida, até à Cruz, para a salvação de todos. Deus, em Jesus, faz-Se de nós, abaixa-Se para ficar da nossa estatura, vive connosco, assume a nossa humanidade, para nos elevar.

Assim o proclamamos na recitação do Credo: «Creio em um só Senhor, Jesus Cristo, Filho Unigénito de Deus, nascido do Pai antes de todos os séculos: Deus de Deus, luz da luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro; gerado, não criado, consubstancial ao Pai. Por Ele todas as coisas foram feitas. E por nós, homens, e para nossa salvação desceu dos Céus. E encarnou pelo Espírito Santo, no seio da Virgem Maria, e Se fez homem. Também por nós foi crucificado sob Pôncio Pilatos; padeceu e foi sepultado. Ressuscitou ao terceiro dia, conforme as Escrituras; e subiu aos Céus, onde está sentado à direita do Pai».

Como víamos há oito dias, a própria Lei, sintetizada nos Mandamentos, não visa a escravização da pessoa, com um conjunto de limitações, mas é orientação, mostrando o caminho que conduz á morte, ilumina e desafia o caminho da vida, a opção pela verdade, pela fraternidade solidária. Em Cristo, em definitivo, esta Lei é preenchida pela carne, o sangue, a vida. Já não é exterior, mas interior ao Homem, já não são decretos, normas, proibições e obrigações, mas encontro que salva, vivifica, introduz-nos na vida divina. Este encontro tem um rosto concreto: Jesus. N’Ele, outros rostos concretos e outras vidas salvas: eu e tu. E a humanidade inteira.

2 – Foi castigo de Deus! É Deus a pôr-nos à prova! Vamos rezar a Nossa Senhora para que nos livre dos castigos de Deus! Rezemos para aplacar a ira divina, pode ser que Deus nos escute! Deus há de estar muito chateado connosco! Ele não me ouve, não nos ouve!

Ainda que bem-intencionadas, estas afirmações, que denotam medo, fazem estragos a uma fé que pressupõe alegria e paz, amor e esperança. Abraão mostra como o povo acreditava que eram os sacrifícios, de animais, mas também os sacrifícios humanos que poderiam aplacar a ira de Deus. Com Abraão aprendemos que Deus é um Deus misericordioso e compassivo e quer a vida.

Por sua vez, Jonas quer que Deus cumpra a Sua palavra, a Sua promessa e destrua a cidade de Nínive. A história de Jonas continua a ser atual. Quantas vezes, também nós, desejaríamos que Deus realizasse a nossa justiça? Vais pagá-las… Deus há de mostrar-te os teus erros e os teus pecados! Às vezes parece que Deus beneficia os que praticam a iniquidade. Jonas recusa-se, num primeiro momento, a ir pregar a uma nação estrangeira, sabendo que a pregação pode alterar os desígnios de Deus, fazendo com que desapareça o opróbrio e se manifeste a misericórdia e bondade.

Tal como Jonas calculava, a vontade de Deus é salvar a cidade, não é destruí-la. Jonas fica verdadeiramente chateado porque, aparentemente, Deus não cumpriu com a Sua palavra! O povo de Nínive é poupado pelo caminho de conversão e de penitência dos seus habitantes. Através da irritação de Jonas, vemos a benevolência de Deus que se serve de tudo para nos desafiar à vida em abundância.

3 – Estamos agora mais perto da Páscoa. Este é o Domingo (Laetare) que nos faz sentir e saborear, dizer e viver a alegria. E o motivo e conteúdo da alegria é Jesus Cristo e o Seu mistério pascal, mistério de amor e compaixão, de ternura e perdão. Ele vem para nos salvar, para nos congregar, vem para nos falar de paz e de fraternidade. Melhor, Ele faz-Se irmão, caminha connosco, assume as nossas dores e sofrimentos, os nossos sonhos e projetos, as nossas limitações. Em tudo igual a nós, exceto no pecado.

O Deus que Jesus Cristo revela não Se impõe pela força, não Se manifesta pela espetacularidade, não Se apresenta como Juiz prepotente, como Rei déspota, mas como Pai, que nos assume como filhos, em Jesus Cristo, que nos propõe o amor e o perdão como caminho de redenção. Deus feito homem sujeita-Se à nossa recusa, à nossa indiferença ou à nossa perseguição, ao mesmo tempo que Se deixa ver, Se deixa abraçar, Se deixa amar.

No diálogo com Nicodemos, Jesus faz a ponte entre a serpente que Moisés levanta no deserto e o Filho do Homem! É a mesma dinâmica: salvar. «Assim como Moisés elevou a serpente no deserto, também o Filho do homem será elevado, para que todo aquele que acredita tenha n’Ele a vida eterna».

A diferença substancial é que a serpente é um símbolo, é para um tempo determinado e para um grupo concreto; o Filho do homem é um acontecimento definitivo e a favor de todo o povo.

4 – Amar é um sentimento fundante, funda-nos como pessoas, interligadas e interdependentes. Quem ama dá-se ao outro, faz com que o outro se sinta em casa, gasta-se para que o outro seja feliz. O contrário de amor não é ódio, mas o egoísmo. Quando penso em mim e na minha felicidade…. estou em lógica egoística. Na lógica de amor, penso no outro e na sua felicidade. Isso contribui para o meu equilíbrio e felicidade.

Deus ama-nos e por isso sai de Si para nos encontrar e faz-Se um de nós. «Deus amou tanto o mundo que entregou o seu Filho Unigénito, para que todo o homem que acredita n’Ele não pereça, mas tenha a vida eterna. Porque Deus não enviou o Filho ao mundo para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por Ele».

Não gastemos tempo a falar de inferno, de condenação, de ameaça, de castigo! Só se quisermos, pois Deus não Se posta diante de nós como Juiz mas como Pai. Não é Ele que nos condena, somos nós que não O acolhemos, que O recusamos, que O excluímos, quando não acreditamos n’Ele, quando nos deixamos enredar por ódios e vinganças, por invejas e conflitos, quando nos tornamos indiferentes e estranhos uns aos outros, quando não O reconhecemos no irmão. «Quem acredita n’Ele não é condenado…  a causa da condenação é esta: a luz veio ao mundo e os homens amaram mais as trevas do que a luz, porque eram más as suas obras. Todo aquele que pratica más ações odeia a luz e não se aproxima dela, para que as suas obras não sejam denunciadas. Mas quem pratica a verdade aproxima-se da luz, para que as suas obras sejam manifestas, pois são feitas em Deus».

Não nos deixemos atemorizar pelas trevas, abramos a mente, o coração, a vida à Luz que vem de Deus e pratiquemos as boas obras da caridade.

5 – Por amor, o ser humano foi criado livre, não como uma marioneta, mas à imagem e semelhança de Deus, capaz de amar e de se deixar amar. É capaz de Deus, de Lhe responder e de O interpelar.

Porque criados, também finitos e limitados, aptos para escolhermos um caminho, fazermos opções, seguirmos próximos da nossa origem, do nosso Criador, ou enveredarmos pelo afastamento, pela negação, ou pela indiferença. É o que acontece em relação aos pais ou à família. Permanecemos e, a determinada altura, seguimos outro rumo, sem conflito, não cortando os laços, ou em rutura, tornando-nos adversários ou inimigos.

No livro das Crónicas, evocam-se as muitas infidelidades do povo de Deus à Aliança, sobretudo por parte daqueles que deveriam dar o exemplo na vivência dos Mandamentos. “Os príncipes dos sacerdotes e o povo multiplicaram as suas infidelidades, imitando os costumes abomináveis das nações pagãs, e profanaram o templo que o Senhor tinha consagrado para Si em Jerusalém”.

Como é que Deus responde ao nosso pecado? Com amor e paciência. “O Senhor, Deus de seus pais, desde o princípio e sem cessar, enviou-lhes mensageiros, pois queria poupar o povo e a sua própria morada”. Porém, as infidelidades continuaram e os mensageiros foram recusados, perseguidos e mortos. Estas escolhas conduziram o povo ao exílio. «Enquanto o país não descontou os seus sábados, esteve num sábado contínuo, durante todo o tempo da sua desolação, até que se completaram setenta anos».

Através de Siro, Rei da Pérsia, Deus volta a chamar e a reunir o Seu povo. «O Senhor, Deus do Céu, deu-me todos os reinos da terra e Ele próprio me confiou o encargo de Lhe construir um templo em Jerusalém, na terra de Judá. Quem de entre vós fizer parte do seu povo ponha-se a caminho e que Deus esteja com ele».

6 – O tempo do exílio, o caminho do deserto, a Quaresma, é tempo de preparação, de conversão e de penitência. Belíssimo o salmo que nos é apresentado neste Domingo:

“Sobre os rios de Babilónia nos sentámos a chorar, com saudades de Sião. Nos salgueiros das suas margens, dependurámos nossas harpas. / Aqueles que nos levaram cativos queriam ouvir os nossos cânticos e os nossos opressores uma canção de alegria: «Cantai-nos um cântico de Sião». / Como poderíamos nós cantar um cântico do Senhor em terra estrangeira? Se eu me esquecer de ti, Jerusalém, esquecida fique a minha mão direita. / Apegue-se-me a língua ao paladar, se não me lembrar de ti, se não fizer de Jerusalém a maior das minhas alegrias”.

Logo seremos inundados pela alegria do encontro com o Senhor, nosso Deus e nosso Pai. A Sua promessa não ficará por cumprir. Na espera e no caminho, como na chegada, a oração torna-nos vigilantes e agradecidos, em comunhão jubilosa: “Deus de misericórdia, que, pelo vosso Filho, realizais admiravelmente a reconciliação do género humano, concedei ao povo cristão fé viva e espírito generoso, a fim de caminhar alegremente para as próximas solenidades pascais”.

O que há de vir está garantido pelo Senhor. Ele não falta à Sua Palavra. Cumpra-se em nós a Sua vontade!

7 – A Palavra de Deus tem rosto, é carne e vida, é Jesus Cristo.

O apóstolo São Paulo relembra como Jesus nos restituiu à vida, libertando-nos do pecado e da morte. “Estávamos mortos por causa dos nossos pecados, restituiu-nos à vida com Cristo – é pela graça que fostes salvos – e com Ele nos ressuscitou e com Ele nos fez sentar nos Céus. De facto, é pela graça que fostes salvos, por meio da fé. A salvação não vem de vós: é dom de Deus. Não se deve às obras: ninguém se pode gloriar. Na verdade, nós somos obra de Deus, criados em Jesus Cristo, em vista das boas obras que Deus de antemão preparou, como caminho que devemos seguir”.

É o motivo da nossa alegria: Deus ama-nos, faz-Se um de nós, salva-nos, partilha connosco a Sua vida divina e insere-nos na Sua comunhão, assumindo-nos como filhos, irmãos uns dos outros, porque irmãos em Jesus Cristo. Caminhemos na alegria, deixando-nos preencher, como Maria, pela graça do Espírito Santo, inundados pela Luz que vem de Jesus.

Pe. Manuel Gonçalves


Leituras para a Eucaristia (ano B): 2 Cr 36, 14-16. 19-23; Sl 136 (137); Ef 2, 4-10; Jo 3, 14-21.