Domingo V da Páscoa – ano A – 2023
1 – «Eu sou o caminho, a verdade e a vida. Ninguém vai ao Pai senão por Mim. Se Me conhecêsseis, conheceríeis também o meu Pai. Mas desde agora já O conheceis e já O vistes».
Mais uma pérola do evangelho segundo São João, inserindo-se na autorrevelação de Jesus Cristo: Eu sou a água viva, quem beber desta água terá a vida eterna; Eu sou o Pão da vida, o Pão que os Pai vos dá; Eu Sou a porta pela qual entram as ovelhas; Eu sou o Bom Pastor e dou a vida pelas minhas ovelhas, por estas e por outras que ainda estão fora; Eu Sou o Caminho, a Verdade e a Vida.
A identidade de Jesus não é estática, é uma identidade missionária, isto é, faz-se em movimento, sai de Si para nos encontrar no nosso caminho. É por Ele que vamos. Antes, vem Ele ao nosso encontro. Desafia-nos. Provoca-nos. Dá-nos a escolher. Quem Me segue não andará nas trevas. Eu sou a Luz do mundo, quem acolher esta luz tornar-se-á Filho de Deus. Jesus é o Caminho que nos conduz ao Pai, é o Bom Pastor que cuida do nosso alimento, sendo que o verdadeiro alimento é fazer a vontade do Pai. É a Verdade que nos revela a nossa origem, a nossa identidade comum, o nosso destino: de Deus vimos, em Deus nos movemos, para Deus vamos. E assim descobrimos o que nos faz verdadeiramente irmãos, o que nos faz felizes muito além da nossa disposição pontual. Ele é a verdadeira Vida. Ele a Videira e nós os ramos; ligados a Ele daremos muito fruto. Revela-nos o que há de melhor em nós. O Seu sonho, o Seu projeto de vida: que tenhamos vida em abundância. E como? Seguindo-O, imitando-O, gastando a vida a favor dos outros! Há mais alegria em dar do que em receber.
2 – Ele é o Caminho, a Verdade e a Vida. Garantia de Jesus. Garantia assumida pela primeira comunidade cristã e anunciada pelos apóstolos, com Pedro a líder e porta-voz desta certeza. É o primeiro anúncio: Deus envia-nos o Seu Filho, que nós matámos e que Ele ressuscita, ressuscitando-nos com Ele, colocando a nossa natureza humana à direita do Pai, de onde nos atrai.
Na segunda leitura, ao dirigir-se à Igreja, Pedro utiliza a imagem já bem conhecida da pedra angular. A pedra rejeitada pelos construtores – Cristo morto – torna-se a Pedra angular – Cristo ressuscitado, vive entre nós, por ação do Espírito Santo.
Diz-nos Pedro, citando a Escritura: «Vou pôr em Sião uma pedra angular, escolhida e preciosa; e quem nela puser a sua confiança não será confundido». Honra, portanto, a vós que acreditais. Para os incrédulos, porém, «a pedra que os construtores rejeitaram tornou-se pedra angular», «pedra de tropeço e pedra de escândalo». Acolhendo a luz de Cristo, convertemo-nos em pedras vivas do Templo do Senhor que é a Igreja, nação santa, sacerdócio real.
3 – «Quem Me vê, vê o Pai… As palavras que Eu vos digo, não as digo por Mim próprio; mas é o Pai, permanecendo em Mim, que faz as obras. Acreditai-Me: Eu estou no Pai e o Pai está em Mim; acreditai ao menos pelas minhas obras. Em verdade, em verdade vos digo: quem acredita em Mim fará também as obras que Eu faço e fará obras ainda maiores, porque Eu vou para o Pai».
No diálogo com os discípulos, e antes de chegar a hora da morte, entrega a favor da humanidade, Jesus deixa palavras de confiança: «Não se perturbe o vosso coração. Se acreditais em Deus, acreditai também em Mim. Quando Eu for preparar-vos um lugar, virei novamente para vos levar comigo, para que, onde Eu estou, estejais vós também. Para onde Eu vou, conheceis o caminho».
Não estamos às escuras. Bem sabemos que as trevas por vezes nos conduzem por caminhos tortuosos. Talvez já tenhamos entrado numa estrada, ou num caminho, que nos leva a lado nenhum! Ou escolhas que fazemos, pensando que tudo nos será favorável, e no final as coisas não nos correm de feição! Ora, em Jesus temos uma orientação, por onde ir. Sintonizados com Ele, faremos obras grandiosas. É por Ele que vamos. Ele revela-nos o Rosto do Pai. Quem O vê, vê o Pai.
Se em Cristo somos assumidos como irmãos, filhos de Deus, então também nós poderemos transparecer o Rosto do Pai. O que é necessário? Amarmo-nos uns aos outros como Ele nos amou. E seremos verdadeiramente filhos, herdeiros da nova aliança firmada no Seu Corpo e no Seu Sangue.
Na primeira leitura, a convocação da Igreja para que a caridade não seja secundarizada. O anúncio é uma prioridade que tem consequências práticas. Em vésperas de ser eleito Papa, o então Cardeal Bergoglio, agora Papa Francisco, lembrava a necessidade da Igreja não ser autorreferencial, mas ser verdadeiramente missionária, saindo de si, anunciando Jesus Cristo e levando-O às periferias. Conscientes deste mandato, os Doze escolhem 7 diáconos com a missão específica de atender às pessoas mais carenciadas.
Mais à frente havemos de escutar as palavras de São João, nas suas cartas, dizendo-nos que é mentiroso todo aquele que diz amar Deus odiando o seu irmão. Os outros são a visibilidade de Deus. Ou como referia E. Levinas, os outros apontam-nos para o Infinito, para o totalmente Outro, fazendo com que o mandamento “Não matarás” tenha força divina. O outro interpela-nos, desvela o que existe antes, irrompe diante de nós, face a face, provocando-nos, tornando impossível a redução do outro a nós. Não matarás. Se o outro deixar de existir, faltar-nos-á um interlocutor, alguém semelhante a nós, alguém com quem dialogar, perante o qual nos diferenciamos, com quem verificaremos a nossa identidade. E faltando o outro, que desprezo, que afasto, que destruo, que mato em mim, não terei como chegar a Deus, ao Totalmente Outro, e que em Cristo Se torna o Totalmente Próximo. O que fizerdes ao mais pequenino dos meus irmãos é a Mim que o fareis. Só acolhendo e cuidando do outro me torno eu próprio e me encaminho para Deus. Matando os outros, negando-lhes a dignidade, o trabalho, o sustento, o bom nome, estamos a matar o próprio Deus. Este mandamento tem uma consequência claramente positiva e que nos compromete a todos: cuidar do outro.
4 – Vendo Maria, vemos Jesus. Ela é a primeira discípula. Vem para fazer a vontade do Pai. O Seu sim acompanha o de Jesus, mas está temporalmente antes, permitindo que Deus Se faça um de nós e entre na nossa história. Logo, outro SIM. Diante de Jesus crucificado, Ela torna-Se Mãe da Igreja. Jesus como que deixa de Ser o Filho, para que cada um de nós seja filho de Maria, e Ela seja nossa Mãe, e possamos acolhê-l’A em nossa casa. A casa é o lugar com o qual nos identificamos. Se Maria vem para nossa casa, identificamo-nos com o Seu SIM e com Ela nos tornamos morada de Deus. Assim nasce a Igreja!
Olhando para Maria vemos a ternura de Deus, a Sua compaixão. Até mesmo no silêncio, a que Jesus a convoca – ainda não chegou a minha hora – Ela Se assume como intercessora – eles não têm vinho… fazei o que Ele vos disser. E Jesus age, fazendo com que a Sua hora venha em auxílio da nossa hora e dos nossos dias.
Pe. Manuel Gonçalves
Textos para a Eucaristia (ano A): Atos 6, 1-7; Sl 33 (34); 1Ped 2, 4-9; Jo 14, 1-12.