Domingo V da Quaresma – ano C – 2022

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Domingo V da Quaresma – ano C – 2022

1 – O perdão de Deus não tem limites, pois o Seu amor por nós é infinito.

Jesus não se deixa levar nem pelo cansaço, nem pela opinião pública, nem pelo volume das acusações. Não olha para o pecado. Olha para a pessoa. O pecado deverá ser evitado, desde logo, porque nos faz mal, prejudica-nos e aos outros também, agora ou no futuro. O pecado quebra a ligação com a nossa dignidade, destrói a saúde que nos une aos outros, diaboliza e instrumentaliza a nossa relação com Deus. Como para qualquer pai, os filhos são sempre filhos, ainda que assassínios, também para Deus somos sempre dignos de ser amados, perdoados e reabilitados. É nesta lógica e com este propósito que Deus encarna. Ele abaixa-Se não para nos repreender mas para nos elevar Consigo.

O Monte das Oliveiras é, para Jesus, um lugar seguro, de encontro, de oração, de descanso, de retempero de forças. Manhã cedo regressa ao Templo e põe-se a ensinar. A multidão rodeia-O para O escutar. Humildade, simplicidade, prontidão para a escuta e para a aprendizagem. Os escribas e os fariseus aproximam-se d’Ele para O testarem. Tudo serve! Querem apanhá-l’O em falso, por despeito, por ciúme, por inveja pelo sucesso que tem entre o povo. Prepotentes e orgulhosos, sentem-se donos da verdade, incontestáveis chefes do povo. É, pois, quando o povo está reunido, que têm ocasião para expor Jesus, para O deixarem embasbacado. Apresentam-Lhe uma mulher surpreendida em adultério, expondo-a diante de todos, não olham para ela como mulher, como pessoa, mas como meio para prosseguir com os seus intentos, tratam-na com desprezo, como lixo, descartável até que cumpram os seus objetivos.

2 – Não imagino quanta dor e quanta vergonha deve ter sentido esta mulher! É possível que também nós a olhássemos de lado, afinal traiu um compromisso importante e feriu aquele com quem estava comprometida. Não sabemos a sua história, as suas razões, se é que as tem, não sabemos se a maior culpa foi dela ou foi do parceiro que a levou a essa situação. Mas agora está ali, a enfrentar o olhar condenatório de todos, sem defesa possível, a sentença está lavrada, é só uma questão de tempo!

«Mestre, esta mulher foi surpreendida em flagrante adultério. Na Lei, Moisés mandou-nos apedrejar tais mulheres. Tu que dizes?».

Nota-se, desde logo, uma injusta discriminação, esquecendo parte da lei mosaica. Se esta mulher foi apanhada em flagrante adultério, então também o homem com quem a apanharam teria de ser levado à justiça e ser condenado do mesmo modo. É relevante que não seja nem sequer mencionado, o que leva a concluir que estes homens se protegem mutuamente, expõem apenas a mulher. Ainda hoje a sociedade é muito mais tolerante em relação aos homens do que às mulheres, em situações similares.

Uma primeira lição importante: Jesus permanece em silêncio, inclinando-Se, escreve no chão. Dá tempo para que os acusadores avaliem melhor, ponderem se fizeram bem ou mal em expor esta mulher diante de todos. Eles tinham colocado Jesus nunca encruzilhada: se diz com eles, lá se vai a Sua bondade e compaixão; se passa uma borracha sobre o assunto, está a contestar abertamente a Lei de Moisés e a sancionar positivamente um comportamento desonesto.

Como eles persistem em acusar, Jesus ergue-Se e passa-lhes a bola: «Quem de entre vós estiver sem pecado atire a primeira pedra». Volta a inclinar-Se e a escrever no chão e, diz-nos o evangelista, eles foram saindo (sorrateiramente), um após outro, a começar pelos mais velhos! Talvez, e agora concluímos nós, não fossem tão puros e honestos como faziam crer aos outros! Talvez percebessem que Jesus os conhecia além das aparências! Talvez tivessem medo do que Jesus estava a escrever e de serem também expostos!

3 – Deus leva-nos a sério. O perdão não aprova ou valida o pecado, a mentira, a desonestidade ou as injustiças. Se assim fosse, seria um faz-de-conta, não seria perdão.

O perdão, que Deus dá, e, em absoluto, só Deus perdoa, porque só Deus é capaz de refazer, repor, dar vida nova, o perdão implica-nos, compromete-nos no arrependimento, no reconhecimento do mal feito, na conversão e na mudança de vida que queremos operar. Vislumbramos uma nova oportunidade para prosseguirmos a vida de forma positiva, sem ficarmos prisioneiros da culpa e do pecado. Por outro lado, o perdão é incondicional, é inteiro, depende de quem perdoa. Claro, que pode, depois, produzir efeito, produzir frutos, mas como iniciativa é gratuito, incondicional, ainda que ouçamos o desafio de Jesus a dizer-nos, perdoai para serdes perdoados, a medida que usardes com os outros será usada convosco.

Ao encarnar, Jesus não vem para condenar, mas para salvar, remir, recuperar, devolver a vida, restaurar, ressuscitar. Mas passa-nos a bola. Cabe-nos aproveitar a oportunidade que Ele nos dá. Tendo ficado sozinho, interroga e desafia esta mulher: «Ninguém te condenou?… Nem Eu te condeno. Vai e não tornes a pecar». Jesus diz-lhe claramente: AGORA que foste salva, VAI, NÃO VOLTES pelo mesmo caminho, não caias nas mesmas asneiras, tens VIDA nova pela frente, foste resgatada às trevas, deixa-te conduzir pela luz, pela verdade, pela fidelidade a esta vida nova.

4 – Pertinentes as palavras de São João Maria Vianney: “Como Deus é bom, o Seu coração é um Oceano de Misericórdia. Portanto, por muito grandes pecadores que possamos ser, não desesperemos jamais da nossa salvação… as nossas faltas são como grãos de areia comparadas com a misericórdia de Deus… O que são os nossos pecados, se os compararmos com a misericórdia de Deus! São um grãozinho de terra comparado com uma montanha”.

5 – São novos os caminhos que Deus abre para nós. E, pelo caminho fora, vamo-nos perdendo e reencontrado. O Senhor envia sinais e mensageiros, para que o caminho se torne mais luminoso e prossigamos mais confiantes, certos de que chegaremos ao destino.

O Profeta Isaías diz-nos que “o Senhor abriu outrora caminhos através do mar, veredas por entre as torrentes das águas”. Logo acrescenta as palavras de Deus: «Olhai: vou realizar uma coisa nova, que já começa a aparecer; não a vedes? Vou abrir um caminho no deserto, fazer brotar rios na terra árida. Os animais selvagens – chacais e avestruzes – proclamarão a minha glória, porque farei brotar água no deserto, rios na terra árida, para matar a sede ao meu povo escolhido, o povo que formei para Mim e que proclamará os meus louvores».

O Senhor Deus não desiste do Seu povo, apesar do pecado, das hesitações, das dúvidas, apesar dos tropeços e dos afastamentos. Ele não cessa de alertar, guiar, reconduzir, perdoar, apontar um caminho, onde não falta água em abundância para saciar a sede. Aqueles que reconhecem tudo quanto Deus realiza, tornam-se agradecidos, louvando e agradecendo. Só uma pessoa reconhecida e agradecida pode ser feliz. A ingratidão gera azedume e infelicidade.

6 – Longa a jornada do povo de Israel. Povo da Aliança, mas sujeito às vicissitudes do tempo. É um povo “errante”. Abraão sai de casa, de Ur (atual Iraque) para Canaã. Jacob, sob o protetorado de José, homem de confiança do Faraó, desce ao Egipto com os outros filhos. Com o passar do tempo e o esbater da memória, os hebreus foram sendo subjugados e escravizados. A falta de memória e de gratidão pode ter consequências nefastas nas famílias e nos povos. Os faraós já não sabem o que José fez pelos egípcios!

Sob a liderança de Moisés, Deus mostra, mais uma vez, a abundância da vida e de uma terra. Fixados em Canaã, terra onde corre leite e mel, terra de paz, os filhos de Israel continuam a debater-se com as indigências, com os egoísmos, num contexto de tribos que se querem expandir e povos que se querem impor.

Expulsos da sua pátria, vagueiam num exílio que parece castigo pelos seus pecados. É, pelo menos, consequência de se acomodarem e se preocuparem apenas com o próprio umbigo, mas também ação de povos vizinhos mais bem organizados. Os Profetas convocam o povo para a esperança, como víamos em Isaías, num anúncio que se concretiza, provisoriamente, com o regresso do povo à terra prometida.

O salmista dá-nos conta deste regresso, da alegria e da gratidão para com Deus. “Quando o Senhor fez regressar os cativos de Sião, parecia-nos viver um sonho. Da nossa boca brotavam expressões de alegria e de nossos lábios cânticos de júbilo… grandes coisas fez por nós o Senhor, estamos exultantes de alegria. / Os que semeiam em lágrimas recolhem com alegria. / À ida, vão a chorar, levando as sementes; à volta, vêm a cantar, trazendo os molhos de espigas”.

7 – As profecias alcançam a sua plenitude com a vinda de Jesus, com a chegada do Reino de Deus, sedimentado no perdão e na ternura, na compaixão e no amor, no serviço e na misericórdia, na fé e nas boas obras da caridade.

Com essa confiança, rezamos: «Senhor nosso Deus, concedei-nos a graça de viver com alegria o mesmo espírito de caridade que levou o vosso Filho a entregar-Se à morte pela salvação dos homens».

Com esta esperança, que lhe vem da fé, São Paulo exulta com o caminho que o anima a prosseguir, a correr, porque sabe que o Senhor o espera. «Por Ele renunciei a todas as coisas e considerei tudo como lixo, para ganhar a Cristo e n’Ele me encontrar, não com a minha justiça que vem da Lei, mas com a que se recebe pela fé em Cristo… Assim poderei conhecer Cristo, o poder da sua ressurreição e a participação nos seus sofrimentos, configurando-me à sua morte, para ver se posso chegar à ressurreição dos mortos… Continuo a correr… Só penso numa coisa: esquecendo o que fica para trás, lançar-me para a frente, continuar a correr para a meta, em vista do prémio a que Deus, lá do alto, me chama em Cristo Jesus».

Sejam também estes os nossos propósitos, como discípulos missionários.

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia (ano C): Is 43, 16-21; Sl 125 (126); Filip 3, 8-14; Jo 8, 1-11.