
Domingo VI de Páscoa – ano C – 2025
1 – “Na cidade não vi nenhum templo, porque o seu templo é o Senhor Deus omnipotente e o Cordeiro. A cidade não precisa da luz do sol nem da lua, porque a glória de Deus a ilumina e a sua lâmpada é o Cordeiro”.
No domingo anterior, nas visões apocalípticas de são João, contemplávamos a certeza da nova Jerusalém, a cidade santa, novos Céus e nova Terra, para a qual todos caminhamos, como seguidores do Cordeiro de Deus, que Se torna Pastor da humanidade inteira. De toda a parte, nações e povos, acorrerão a Ele. A morada de Deus entre os homens, Deus habitará connosco.
O templo também é novo: o próprio Deus é o Cordeiro. Ele é LUZ que está por toda a parte, que alumia a alma e o mundo. A luz do sol e da lua já não são necessários, pois Ele é LUZ. Que bela imagem! A nossa luz não vem do exterior, vem de dentro, vem de Deus.
A nova cidade – Ele é o nosso Deus. Nós, o Seu povo. Como povo clarificamos a nossa permanência no Senhor, contrapondo a inspiração pessoal à inspiração do Espírito. A minha fé é autêntica quando amadurecida, enriquecida, celebrada em comunidade. Alertava o Papa Paulo VI que era “uma dicotomia absurda querer viver com Jesus sem a Igreja, seguir Jesus fora da Igreja, amar Jesus sem a Igreja”.
As comunidades cristãs das primeiras horas sabiam isso muito bem. Refira-se que a própria Palavra de Deus que chega até nós, não é simples inspiração de um autor, ou de vários autores, mas reflete, em toda a extensão, a vivência da comunidade, com avanços e recuos, com acontecimentos extraordinários onde claramente se vê a ação de Deus, pelo Espírito Santo, mas também momentos de adversidade, de divisão, de perseguição. A Palavra de Deus, em palavras humanas, traz-nos a história do autor ou autores, traz-nos a comunidade em contextos histórico-temporais específicos. A palavra de Deus enforma a comunidade crente. Mas também a comunidade cristã dá rosto, visibilidade e autenticidade à Palavra de Deus.
2 – Como perceber que permanecemos na Igreja, ligados à comunidade cristã? Como saber que estamos em Deus, em comunhão com Ele? Como reconhecer que Ele permanece em nós?
A resposta é dada por Jesus Cristo de forma inequívoca: «Quem Me ama guardará a minha palavra e meu Pai o amará; Nós viremos a ele e faremos nele a nossa morada. Quem Me não ama não guarda a minha palavra. Ora a palavra que ouvis não é minha, mas do Pai que Me enviou».
Com esta interpelação, vem a promessa, que possibilitará que a permanência seja duradoura e eficaz: «Disse-vos estas coisas, estando ainda convosco. Mas o Paráclito, o Espírito Santo, que o Pai enviará em meu nome, vos ensinará todas as coisas e vos recordará tudo o que Eu vos disse. Deixo-vos a paz, dou-vos a minha paz. Não vo-la dou como a dá o mundo. Não se perturbe nem se intimide o vosso coração. Ouvistes que Eu vos disse: Vou partir, mas voltarei para junto de vós. Se Me amásseis, ficaríeis contentes por Eu ir para o Pai, porque o Pai é maior do que Eu. Disse-vo-lo agora, antes de acontecer, para que, quando acontecer, acrediteis».
O contexto é ainda o da Última Ceia, a primeira dos novos tempos, durante a qual Jesus sublinha parte essencial do seu Testamento: amai-vos uns aos outros. Como Eu vos amei, amai-vos vós também. Desta forma permanecemos n’Ele e Ele permanecerá em nós. É Cristo quem o garante. Ele vai para o Pai, e da vastidão de Deus, pelo mistério da Ressurreição, estará mais acessível, para todos, até ao fim dos tempos, pelo Espírito Santo.
3 – PERMANECER é o ideal e o compromisso do cristão. Começa aí a VIDA NOVA, os novos Céus e a nova Terra. Relembremo-nos dos primeiros discípulos, aos quais Jesus convida: vinde ver. Eles foram e permaneceram com Ele, em Sua casa. É a primeira atitude, viver com Jesus, estar em Sua Casa, permanecer inserido na Sua vida.
A evangelização (e o envio) começa antes, muito antes, começa na inserção Cristo e ao Seu Corpo que é a Igreja, do qual somos membros. Ele está no centro, no meio, entre nós, ou não passamos de mais uma organização social, cultural, ou de mais uma ONG (organização não governamental), como referia o Papa Francisco. Ele há de ocupar-nos por inteiro. Ocupar o nosso coração. Só o amor preenche o ser humano por completo. Acentuava o papa Bento XVI que o amor é “a única realidade capaz de encher o coração de cada um e unir as pessoas. Deus é amor. O homem que esquece Deus fica sem esperança e torna-se incapaz de amar o seu semelhante. Por isso é urgente testemunhar a presença de Deus para que todos possam experimentá-la: está em jogo a salvação da humanidade, a salvação de cada um de nós”.
O amor levar-nos-á a fazer transbordar o que nos transforma, interiormente. O amor torna-se anúncio, evangelização. A alegria da Boa Nova que Cristo nos dá comunica-se, irradia, multiplica-se. Se a acolhemos como boa notícia então quereremos rapidamente passá-la a outros. Vemos, como nos nossos dias, as más notícias, e/ou os boatos correm velozes. Esta deveria ser a velocidade com que as boas notícias se propagam e sobretudo a Boa Nova da salvação.
Os cristãos e as comunidades dos primeiros dias, com menos meios, com muitíssimos obstáculos, fervilharam no anúncio de Jesus Cristo e do Seu evangelho, não apenas pela pregação direta, mas pela vivência, pela alegria, pela caridade, pelo serviço dedicado a todos e com particular atenção aos mais necessitados, pelo amor que colocavam em tudo o que faziam.
Agora é HORA de sermos nós os portadores desta boa notícia: Deus habita entre nós.
4 – A primeira leitura tem-nos dado a oportunidade de acompanhar a dinâmica e o entusiasmo como o Evangelho, a Boa Notícia, vai “contaminando” povos, ambientes, novos mundos. Obviamente, com dificuldades que merecem reflexão, atenção, cuidado, confrontação, para que prevaleça a fé, a ligação a Jesus Cristo, através dos apóstolos e seus sucessores.
“Tendo sabido que, sem nossa autorização, alguns dos nossos vos foram inquietar, perturbando as vossas almas com as suas palavras, resolvemos, de comum acordo, escolher delegados para vo-los enviarmos, juntamente com os nossos queridos Barnabé e Paulo, homens que expuseram a sua vida pelo nome de Nosso Senhor Jesus Cristo. Por isso vos mandamos Judas e Silas, que vos transmitirão de viva voz as nossas decisões. O Espírito Santo e nós decidimos não vos impor mais nenhuma obrigação, além destas que são indispensáveis: abster-vos da carne imolada aos ídolos, do sangue, das carnes sufocadas e das relações imorais. Procedereis bem, evitando tudo isso. Adeus”.
Com preocupação, os discípulos, enviados das comunidades a novas comunidades, verificam que nem tudo é claro, transparente, fiel aos ensinamentos de Jesus Cristo. O que fazer? Excluir? Denunciar? Melhor, refletir em comunidade, com aqueles que têm autoridade. Aqui se vê como desde sempre a inspiração pessoal há de ser testada com a “tradição”, com o ensino dos apóstolos, com a vivência comunitária da fé, sob a inspiração do Espírito Santo.
Pe. Manuel Gonçalves
Textos para a Eucaristia (ano C): Atos 15, 1-2.22-29; Ap 21, 10-14.22-23; Jo 14, 23-29.