Domingo VI do Tempo Comum – ano B – 14 de fevereiro de 2021

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Domingo VI do Tempo Comum – ano B – 14 de fevereiro de 2021

1 – O mundo nunca esteve tão evoluído como hoje, a nível tecnológico e científico, a nível da medicina e da mobilidade. Como não lembrar a expressão de Bento XVI acerca das comunicações sociais, tornamo-nos vizinhos, mas não irmãos. Estamos longe da fraternidade preconizada por Jesus Cristo e ainda há pouco bem vincada, pelo Papa Francisco, na Encíclica “Fratelli Tutti”. A pandemia mostrou uma multidão de excluídos e acentuou as periferias existenciais e geográficas. Com a produção de vacinas contra a COVID-19 e a sua distribuição tornou-se visível o fosso, cada vez maior, entre países ricos e países pobres. Quem tem dinheiro, compra, quem não tem terá que esperar até que as migalhas possam chegar.

A pobreza, a miséria material, é uma das formas de exclusão social mais paradoxais, pois não é por falta de riqueza no mundo, mas por uma injusta, corrupta e gananciosa distribuição dos bens da criação, na certeza que mais tarde ou mais cedo estes fossos desequilibram a harmonia social e geram revolta e violência, como aliás já se tem visto. Como não lembrar os jovens incendiários nos arrabaldes de Paris, revoltados por não terem acesso a trabalho e fartos de viver como excluídos? Se não tenho nada a perder, hei de ter medo de quê? Vou para a cadeia? Mas pelo menos lá tenho cama, comida e roupa lavada!

O país onde se nasce… a cidade ou aldeia onde se nasce… a família na qual se nasce, ou o contexto social e económico-financeiro onde se nasce, ditam fronteiras, muros e fossos intransponíveis, ainda que numa ou noutra situação existem alguns que consigam escapar ou saltar esses muros. À pobreza (material) juntam-se outras misérias, como o acesso à educação, à cultura, aos cuidados de saúde.

Mas há outros estigmas sociais que acentuam ou geram pobreza e exclusão. Uma doença crónica, que afeta um familiar e que, em muitas situações, afasta toda a convivência social, sobretudo quando assume cuidar dessa pessoa, ainda que as instituições, nos países desenvolvidos, possam ajudar e/complementar nessa missão. O nascimento de uma pessoa com alguma deficiência mais paralisante. Vivemos numa civilização moderna e avançada, mas ainda existem muitos preconceitos e vergonhas. E também existem receitas para eliminar seres humanos que não sejam perfeitos, antes de nascerem ou quando os sentirem como estorvo!

2 – Nas nossas aldeias, não muito distante no tempo, havia doenças ruins que afastavam as pessoas da vida social e religiosa e muitas vezes tinham uma espécie de carga moral, como se fossem um castigo dos deuses ou a consequência de algum mal feito pelos próprios ou pela família: um cancro, uma cirrose… morreu de um mal ruim! Era assim que as pessoas enquadravam tais patologias. A desgraça tinha chegado àquela casa. Depois veio a SIDA, e passou a ser a doença ou a infeção de que era proibido falar publicamente, e revelar quem estava sidoso.

Imaginamos com que facilidade, no tempo de Jesus, as pessoas eram excluídas, pela pobreza, pela doença, pelo estatuto social. Acrescia a isto outro estigma: a maldição de Deus. Em virtude do pecado, aquela pessoa, ou a família, tinha sido castigada com a miséria, com doenças como cegueira, surdez, mudez, paralisia, lepra. Um doente era sempre um pecador. Ora Jesus altera esse estado de coisas. A doença não afastou e não afasta Deus da vida daquela pessoa. E, tirando comportamentos perigosos para a saúde e a vida, as doenças não estão relacionadas com a moralidade. Se os pais são alcoólatras ou toxicodependentes, ou fumadores, os filhos que nasçam dessa relação correm o risco de trazer sequelas graves no corpo, sobretudo ao nível do cérebro. Em todo o caso, será consequência de uma ação humana impensada e não um castigo ou maldição divina.

A lepra era um destes estigmas sociais. Não bastava a doença, pior era a exclusão. Um leproso tinha de se afastar da família, da povoação, tinha de trajar andrajosamente, para ser reconhecido caso alguém se aproximasse e, por sua vez, quando se aproximasse de alguém tinha que se identificar como leproso para que as pessoas se afastassem. Daí que muitos optassem por esconder a doença, quando era possível e não sujeitasse toda a família a esse flagelo.

3 – O leproso do evangelho arrisca muito, a própria vida, para ir ter com Jesus e Lhe suplicar: «Se quiseres, podes curar-me». Poderia ser escorraçado, mas confia que antes disso acontecer Jesus o socorrerá.

Este homem ensina-nos a rezar. Claro que há situações em que as pessoas, não sabendo o que fazer, recorrerem a todos os meios e “negoceiam” com Deus, prometendo-Lhe sacrifícios e dádivas. Compreende-se a dor, a frustração e o desespero das pessoas em situações dramáticas. A oração do leproso é idêntica a de Jesus no Horto das Oliveiras: Se quiseres… Faça-se a Tua vontade, não a minha!

A resposta de Jesus é a de sempre: à compaixão, junta o cuidado e age em conformidade. «Quero: fica limpo». A vontade de Jesus é curativa, a compaixão acolhe, o poder do amor e da fé transforma e cura, levanta e recupera, reconstrói e devolve dignidade. É esta  vida em abundância que Jesus quer para ti e para mim, para a humanidade inteira.

O encontro com Jesus é, e deve ser, transformador. A pessoa, parafraseando Madre Teresa de Calcutá, que encontra Jesus, sai de ao pé d’Ele transformado, nova criatura, reconciliado, são, salvo. A condição é que se deixe curar, que queira ser curado.

A breve recomendação de Jesus, após a cura: o agradecimento a Deus, indo mostrar-se ao sacerdote e oferecendo o que Moisés tinha previsto, como testemunho. Jesus não quer que se faça alarde do sucedido, remetendo, uma vez mais, a cura para a fé e bênção de Deus, mostrando que a vontade de Deus é que todos sejam salvos, mas também que nos cabe a missão de sermos, uns para os outros, bênção e cura, auxílio e proteção.

4 – Na primeira leitura, sobrevém o agradecimento a Deus por todos os benefícios concedidos. Entenda-se, a gratidão não é para que Deus fique de peito feito e se sinta o maior! Não, não se trata disso. A gratidão permite colocar-nos diante d’Ele como filhos, reconhecendo-O como bênção para nós, e colocar-nos uns perante outros como iguais, como irmãos. A gratidão faz-nos humildes, mas não escravos. Somos livres. Como víamos, Jesus não espera adulação, serventilismo, não espera que o leproso se curve diante d’Ele (ainda que seja verdadeiro Deus, mas visível, na realidade, homem), mas que preste louvor e agradecimento ao Senhor Deus.

Diz o Senhor a Moisés e a Aarão: «Quando um homem tiver na sua pele algum tumor, impigem ou mancha esbranquiçada, que possa transformar-se em chaga de lepra, devem levá-lo ao sacerdote Aarão ou a algum dos sacerdotes, seus filhos». A vontade de Deus é a vida feliz dos homens.

Por outro lado, sobrevêm também os cuidados a ter quando a lepra está declarada numa pessoa: «O leproso com a doença declarada usará vestuário andrajoso e o cabelo em desalinho, cobrirá o rosto até ao bigode e gritará: ‘Impuro, impuro!’. Todo o tempo que lhe durar a lepra, deve considerar-se impuro e, sendo impuro, deverá morar à parte, fora do acampamento».

Com a pandemia, compreendemos um pouco melhor estas exigências, de distanciamento / afastamento físico. Há alguns séculos antes, com condições sanitárias (quase) inexistentes, com poucas soluções medicamentosas, “isolar” as pessoas com doenças contagiosas era a solução mais eficaz.

Sobressaem nos dois textos: a procura de cura junto dos sacerdotes, recorrendo a Deus, e, no caso de Jesus, que ninguém fique abandonado à sua sorte. Jesus vai além da “impureza” cultual e faz o que Lhe cabe fazer. A nós é pedido o mesmo, que nos protejamos uns aos outros, mas não deixemos de ser agentes de cura para todos os que nos rodeiam, e auxílio a quem precisa.

Peçamos com fé: «Senhor, que prometestes estar presente nos corações retos e sinceros, ajudai-nos com a vossa graça a viver de tal modo que mereçamos ser vossa morada».

5 – Na adversidade ou na bonança, Deus não Se afasta de nós. Ele vem em nosso auxílio, perdoando-nos e elevando-nos à Sua comunhão.

“Feliz daquele a quem foi perdoada a culpa e absolvido o pecado. Feliz o homem a quem o Senhor não acusa de iniquidade e em cujo espírito não há engano. / Confessei-vos o meu pecado e não escondi a minha culpa. Disse: Vou confessar ao Senhor a minha falta e logo me perdoastes a culpa do pecado. / Vós sois o meu refúgio, defendei-me dos perigos”. É elogiado o homem que procura a justiça e vive com retidão, mas é igualmente acolhido o que, tendo soçobrado, volta o seu olhar e a sua súplica para Deus.

São Paulo, na segunda leitura, responsabiliza-nos, comprometendo-nos com a fé professada, traduzível no testemunho da esperança e na vivência da caridade. “Irmãos: Quer comais, quer bebais, ou façais qualquer outra coisa, fazei tudo para glória de Deus. Portai-vos de modo que não deis escândalo nem aos judeus, nem aos gregos, nem à Igreja de Deus”.

A consciência do Apóstolo, na sua caminhada de fé, sabendo que n’Ele age o Espírito de Deus, permite que transpareça, para a comunidade, o mistério de Cristo. A referência é Jesus. A escolha é nossa: sermos opacos e afastarmos de Cristo os que nos veem ou transparecendo o Seu amor ao ponto de outros se sentirem atraídos para Ele: “Fazei como eu, que em tudo procuro agradar a toda a gente, não buscando o próprio interesse, mas o de todos, para que possam salvar-se. Sede meus imitadores, como eu o sou de Cristo”.

A fé, o cristianismo e a Igreja expandem-se, e aprofundam-se, diz-nos Bento XVI e reafirmado várias vezes pelo Papa Francisco, por atração, nunca por proselitismo. Mais que a argumentação, o testemunho de vida.

Pe. Manuel Gonçalves


Leituras para a Eucaristia (ano B): Lev 13, 1-2. 44-46; Sl 31 (32); 1 Cor 10, 31– 11, 1; Mc 1, 40-45.